06 maio 2009

O Roubo da História (3)

O principal objetivo do estudo de Jack Goody foi examinar o modo como a Europa roubou a historiado Oriente, expondo suas próprias versões de tempo (amplamente cristão) e de espaço ao resto do mundo eurasiano. A historiografia européia, ao criar periodizações, como aquela que divide a história em Antiguidade, Feudalismo, Renascença e Capitalismo, contribui consideravelmente para a exclusão dos povos do chamado Oriente. Cria, como defende o autor, a falsa idéia de um desenvolvimento exclusivamente europeu, desde a civilização grega e romana até o advento do capitalismo e a dominação européia do mundo a partir do século XIX, esquema que relega a Ásia, África e América Latina à posição de exceção, estudadas à parte, quando muita.

A crença de um Ocidente superior é usada para justificar o modo como os “outros” são tratados, uma vez que os “outros” são vistos como estáticos, ou seja, incapazes de mudança sem a ajuda de fora. “Acontece que a história nos ensina que qualquer superioridade é um fator temporário e que temos de buscar alternância. A enorme China parece estar tomando a liderança na economia, que pode ser a base do poder educacional, militar e cultural, como aconteceu antes na Europa, e depois nos EUA e mesmo na própria China ainda mais cedo. Essa mudança recente foi liderada por um governo comunista, sem muita ajuda deliberada do Ocidente”, informa Goody.

Em O Roubo da História, Goody expõe o modo pelo qual a dominação do mundo pela Europa, desde sua expansão no século XVI, mas, acima de tudo, desde a sua posição de liderança na economia do mundo a partir da industrialização no século XIX, resultou no domínio da narrativa da história moderna. Para ele a Idade do Bronze começou no Antigo Oriente Médio, espalhando-se em direção a leste para a Índia e China, a sul para o Egito e a oeste para o Egeu. Ela consistiu na introdução da agricultura mecanizada, na formado arado puxado a boi, no controle da água em larga escala, no desenvolvimento da roda e de uma variedade de ofícios urbanos, inclusive a invenção da escrita, provavelmente ligada à expansão da atividade mercantil. A Idade do Bronze foi inicialmente uma “civilização” com base asiática, que precedeu em muito a Renascença européia.

O problema do roubo da história e das ciências sociais também afeta outras humanidades. Em anos recentes, acadêmicos têm tentado tornar suas disciplinas mais comparativas e mais relevantes para o resto do mundo. Essas tentativas, porém, estão longe de cumprir o objetivo. Literatura passou a ser “literatura comparada”, mas o leque de comparações geralmente se limita a algumas fontes européias. O oriente é ignorado e culturas orais desconsideradas.
Um livro polêmico, cheio de temas delicados, relatadas por esse antropólogo conceituado e respeitado. Não reconhecer as qualidades do outro é o melhor caminho para não se dar conta do potencial dele. E Goody analisa que certo desprezo pelo Oriente pode ainda custar muito caro ao mundo ocidental. A obra abre uma janela para aquela que querem descortinar o mundo, e traz contribuição à desconstrução do etnocentrismo enraizado e extremo da história européia e a idéia fictícia de divisão e contraposição do mundo entre Ocidente e Oriente. Leia e se oriente!

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