04 maio 2009

O Roubo da História (1)


Antropólogo fundamental, Jack Goody ataca a superioridade do Ocidente e diz que democracia e capitalismo já existiam no Oriente. Ele denuncia os limites de confundir a trajetória da humanidade com a narrativa histórica criada pelo ponto de vista europeu. Ao mostrar que democracia, capitalismo, liberdade e até o amor estão longe de ser invenções especificamente ocidentais ou conquistas de um processo histórico supostamente exclusivo. Em seu livro publicado no Brasil pela Editora Contexto, “O Roubo da História: Como os Europeus se Apropriaram das Idéias e Invenções do Oriente”, o britânico Jack Goody procura mostrar o caráter etnocêntrico para justificar, no plano das idéias, uma dominação no nível dos fatos, construída pelos regimes coloniais e pela Revolução Industrial.

Assim, os europeus escreveram a história a partir de seu ponto de vista. Em vários trabalhos o antropólogo mostrou como as sociedades letradas da Eurásia oriental e ocidental têm muito mais em comum do que a ciência social sugere. Nesse minucioso trabalho Goody detalha como os ocidentais se apoderaram de invenções e conceitos orientais. Basta lembrar que na abertura dos jogos Olímpicos, os chineses deram um sutil recado ao estender aquele enorme pergaminho e, a partir dali, contar que são do Oriente importantes invenções como o papel, a prensa, a bússola e a pólvora, a manufatura e a industrialização da rede e dos tecidos de algodão. E é a força da China e os tigres asiáticos e do “milagre japonês” que estamos vendo hoje. E só agora que o Ocidente volta seus olhos para esses países.

Retratar a Idade Média na Europa como um período violento, repressivo e sem muita criatividade. O Oriente, ao contrário, vivia um momento de progresso. Na época do Renascimento, os europeus beberam muito de fontes orientais para recuperar o tempo perdido na “idade das trevas”. No entanto, isso pouco aparece nas obras de outros historiadores. A Idade Média foi o auge da ciência, literatura, poesia e filosofia islâmicas, bem como a Época de Ouro do judaísmo, quando filósofos judeus de Al Andalus, como Maimônides, escreveram suas principais obras (em árabe, que era a língua culta da época). A obra do grande filósofo islâmico Ibn Sina (Avicena) chegou à Europa antes da queda do grego antigo Aristóteles, tanto que quando São Tomás de Aquino começou a ler Aristóteles o fez pela lente da leitura prévia de Ibn Sina. O que demonstra que ao longo da “idade média” os árabes não apenas preservaram como desenvolveram o conhecimento herdado da Grécia. Assim, o chamado Renascimento seria melhor compreendido como uma continuidade do florescimento cultural do Islã clássico, ou da própria China, tão avançada quanto, econômica, social e culturalmente.

Considerando um dos maiores cientistas sociais do mundo, ao longo dos últimos cinqüenta anos seus escritos pioneiros nas interseções da antropologia, história e estudos sociais e culturais têm feito dele um dos escritores atuantes mais lidos, citados e traduzidos de nossos dias. O Roubo da História não é um simples ensaio, um trabalho apenas opinativo. Nesta obra ele recorre a pesquisar feitos na Ásia e na África (muitas realizadas por ele mesmo) para dar peso às suas teses.

Dividida em três partes, a primeira emanisa a validade da concepção européia de um tipo equivalente do árabe isnad, uma genealogia sócio-cultural, que surge da Antiguidade, progride para o capitalismo por intermédio do feudalismo e coloca a Ásia na posição de despótica ou atrasada. A segunda parte examina três grandes eruditos, todos altamente influentes, que tentaram enxergar a Europa em relação com o mundo, mas que continuaram a privilegiar essa suposta linha exclusiva de desenvolvimento. São eles, o biólogo Joseph Needham, o sociólogo alemão Norbert Elias e o historiador francês Fernand Braudel. A terceira parte do livro interpreta as pretensões de vários europeus de apresentarem-se como os guardiões de algumas estimadas instituições, como um tipo especial de cidade, de universidade, de democracia e de valores, isso o individualismo, assim como emoções, como o amor (ou o amor romântico).

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