01 agosto 2008

Música & Poesia

Rua da passagem [Trânsito] (Lenine e Arnaldo Antunes)

Os curiosos atrapalham o trânsito
Gentileza é fundamental
Não adianta esquentar a cabeça
Não precisa avançar o sinal
Dando seta pra mudar de pista
O pra entrar na transversal
Pisca alerta pra encostar na guia
Pára-brisa para o temporal
Já buzinou, espera não insista
Desencoste o seu do meu metal
Devagar pra contemplar a vista
Menos peso no pé do pedal
Não se deve atropelar cachorro
Nem qualquer outro animal
Todo mundo tem direito à vida
Todo mundo tem direito igual

Motoqueiro, caminhão, pedestre
Carro importado, carro nacional
Mas tem que dirigir direito
Pra não congestionar o local
Tanto faz você chegar primeiro
O primeiro foi seu ancestral
É melhor você chegar inteiro
Com seu venoso e seu arterial
A cidade é tanto do mendigo
Quando do policial
Todo mundo tem direito à vida
Todo mundo tem direito igual

Travesti, trabalhador, turista
Solitário, família, casal
Todo mundo tem direito à vida
E todo mundo tem direito igual

Sem ter medo de andar na rua
Porque a rua é o seu quintal
Todo mundo tem direito à vida
Todo mundo tem direito igual
Boa noite, tudo bem, bom dia
Gentileza é fundamental
Todo mundo tem direito à vida
E todo mundo tem direito igual
Pisca alerta pra encostar na guia
Com licença, obrigado, até logo, tchau
Todo mundo tem direito à vida
E todo mundo tem direito igual.


A terra (Pablo Neruda in Versos do Capitão. Tradução de Thiago de Mello)


A terra verde se entregou
a tudo o que é amarelo, ouro, colheitas,
torrões, folhas e grão,
quando, porém, o outono se levanta
com seu longo estandarte
és tu a quem eu vejo,
é para mim a tua cabeleira
a que reparte as espigas.

Eu vejo os monumentos
de antiga pedra rota,
porém se toco
a cicatriz de pedra
teu corpo me responde,
meus dedos reconhecem
de pronto, estremecidos,
tua quente doçura.

Passo por entre heróis
recém-condecorados
pela pólvora e a terra
e detrás deles, muda,
com teus pequenas passos,
és ou não és?

Ontem, quando arrancaram
com raiz, para vê-lo,
a velha árvore anã,
te vi sair me olhando
de dentro das sedentas,
torturadas raízes.
E quando o sono vem
e me estende e me leva
a meu próprio silêncio,
há um grande vento branco
que derruba meu sono
e dele caem as folhas,
caem como punhais,
punhais que me dessangram.

Cada ferida tem
a forma de tua boca.

Um comentário:

Anônimo disse...

http://blogdogutemberg.blogspot.com/2007/10/ironia-e-genialidade-da-vanguarda_16.html



Gutemberg, veja o comentario deste post. se possivel. comente-o. obrigado