14 junho 2007

A hora e a vez de Clarice

Há 30 anos, no dia 09 de dezembro de 1977, morria a carismática e solitária escritora Clarice Lispector, na véspera de seu aniversário. Até o mês de setembro o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, expõe “Clarice Lispector – a hora da estrela”. A mostra objetiva apagar um pouco o carimbo de difícil que acompanha a escritora e incentivar novos leitores a se aventurar pelas obras de Clarice. Foram pinçados fragmentos de obras como A Descoberta do Mundo, Um Sopro de Vida, A Hora da Estrela e Água Viva.

A exposição marca, além dos 30 anos da morte da escritora, os 30 anos de lançamento do seu livro mais popular, “A Hora da Estrela”. Há manuscritos e originais datilografados, inéditos, assim como a correspondência com escritores com Rubem Braga, João Cabral de Mello Neto, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo e Lúcio Cardoso. Dividido em quatro ambientes, o público lê trechos da obra de Clarice, frases em branco nas paredes brancas recriam a complexidade da obra, imagens da autora (mãe, mulher de diplomata, escritora) e cubo de espelhos em que o público vê seu reflexo em texto de Clarice.

VEIO DE LONGE

Clarice Lispector veio de longe (Ucrânia) para criar a literatura feminina (dificilmente feminista) no Brasil. Houve outras antes, mas nenhuma atingiu em suas obras a dimensão literária e artística de Lispector. Com seu estilo novo, de evidente deslumbramento pela pura sonoridade das palavras brasileiras, afetou todas as escritoras que vieram depois. Sua literatura fez escola. Vivendo de uma maneira simples, para ela, publicar um livro era sempre uma aventura (seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem foi recusado pela Editora José Olympio). Essa mulher solitária escrevia para viver, e não exatamente para sobreviver, porque a literatura era a sua vida.

Mais tarde, famosa com cerca de 26 obras publicadas (A Legião Estrangeira, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Água Viva, Um Sopro de Vida, De Corpo Inteiro, A Via Crucis do Corpo, A Hora da Estrela e outros), ganhava a vida fazendo traduções e colaborando com a imprensa, como qualquer escritor iniciante. "Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada."

A PALAVRA

Na obra de Clarice, a palavra tem como função ir ao fundo da realidade e declarar-se as partes que a compõem, experimentá-la em sua origem, até que se esgotem as possibilidades de nomeá-la e ela surja, inconfundível. “Sim, quero a palavra última que também é tão primeira que já se confunde com a parte intangível do real”. Junto com Guimarães Rosa, a escritora de origem ucraniana criada por pais russos em Pernambuco revolucionou a literatura brasileira da linguagem à temática nos anos 40.

A temática nordestina, a inadequação do migrante nas grandes cidades, presente em “A Hora da Estrela”, tem público garantido. Para os mais sofisticados do ponto de vista estético, Clarice escreveu “Água Viva” e “Um Sopro de Vida”, livros muitos lidos e consagrados na França, Canadá e Estados Unidos.

MERGULHO

Introspectiva, Clarice soube, porém, combinar o mergulho interior na psicologia de seus personagens com o mundo exterior em “Uma Aprendizagem”. Esta obra é sobre a descoberta do amor e está entre os preferidos da juventude. Nas crônicas que escreveu no Jornal do Brasil, deixou escapar confissões que delineiam seu auto-retrato: “Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.(...) Sou tão misteriosa que não me entendo.”.

E para encerrar o poema Precisão: “O que me tranqüiliza/é que tudo o que existe,/existe com uma precisão absoluta./O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete/não transborda nem uma fração de milímetro/além do tamanho de uma cabeça de alfinete./Tudo o que existe é de uma grande exatidão./Pena é que a maior parte do que existe/com essa exatidão/nos é tecnicamente invisível./O bom é que a verdade chega a nós/como um sentido secreto das coisas./Nós terminamos adivinhando, confusos,/a perfeição”.

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