
Muitos estudiosos arriscaram afirmar que a onda da TV realidade já passou. E esses formatos meio novela sem roteiro, calcados no sensacionalismo têm vida curta. Mesmo assim esses programas introduziram novas demandas na “sociedade em rede”. A quebra do monopólio estatal da tevê foi um desses fenômenos. A introdução de canais privados na França gerou uma mudança nos padrões de programação. Dessa forma os “reality shows” emergem como agentes sobre noções de público e privado, cidadão e indivíduo no contexto de declínio dos movimentos sociais que marcaram a cena política francesa nas décadas anteriores. Esses programas diluem a fronteira entre os gêneros da ficção e do documentário, aumentando o índice de participação do público na programação, substituindo programas políticos.
Assim a TV deixa de ser uma vitrine para voyeurs e os telespectadores passam a interagir deixando de ser apenas receptores passivos. E as possibilidades aberta pela Internet migram para o meio de comunicação mais tradicional. O que começou como experimentos isolados em “webcams” foi discutido em filmes como Truman Show (1998), de Peter Weir, e Ed TV (1999), de Ron Howard, e se realiza de maneira coletiva e compartilhada no reality show. Longe do projeto ilusionista do cinema hollywoodiano, os participantes do jogo no reality show sabem da existência de dezenas de câmeras e do universo presente que inclui o público. Assim, os interesses pessoais de cada um aparecem de maneira explícita. Seja um empurrãozinho na carreira profissional, um novo emprego, ou mesmo a fama de muito mais dos 15 minutos badalados pelo artista Andy Warhol.
O fascínio do reality show está nessa sensação do público de casa em interagir, saber o que se passa no jogo, opinar, votar, conectar com o que está distante, atuar. Os rumos da trama podem mudar a cada semana, dependendo do público (ou da rede de interação e/ou manipulação). Será uma nova dramaturgia contemporânea dessa realidade virtual onde as pessoas entram no jogo para se tornarem famosas, poderosas instantaneamente. Não importa o que se diga ou o que se fale ou apresente, o importante é vencer, mesmo passando por cima de todas as regras feito um rolo compressor. Esses programas deixam o público fascinado com a promessa de um “futuro melhor”.
Esse novo modelo de programa valoriza a imagem, o instante e a emoção, em detrimento do sentido, da continuidade e da razão. A TV não tem tempo (lei do lucro) nem interesse em valorizar o esforço (lei da oferta). O formato (com poucos segundos para um comercial, 25 minutos para um sitcom, 50 minutos para um seriado, 90 para um filme) exige soluções rápidas e, no final, alguém vence e os problemas todos são resolvidos. Não se deve pensar muito, o ritmo é acelerado. A vida é uma corrida com muitos barulhos, nada de fazer silencio e escutar a consciência, o importante é participar. É o esforço dos tempos modernos.
Em nossa sociedade cada vez menos solidária, transformada em república da solidão, assistir à fama sendo construída sob seus olhos (com uma facilidade aparentemente tão grande) fascina (ou escandaliza) o público. Assim, a televisão serve de mídia para, não só glorificar o dinheiro e o poder, como transformá-los nas condições necessárias de alcance do sucesso. Para o telespectador comum, a percepção nessa dinâmica fica aprisionada em outra lógica. É preciso pegar carona no sucesso dos vitoriosos. Nessa sociedade de espetáculo, a concorrência de mercado e de capital produziu um grupo de pessoas voltadas para a economia. A busca do ter, possuir e depois fazer aparecer.
A mídia está totalmente atrelado a esse lado mercadológico, corruptível pelo fator capital, vivendo da guerra pelas largas fatias de audiência. Assim, ela utiliza a reificação (coisificação) e a alienação do povo para comandar as suas vidas conforme os interesses comerciais. O povo é bombardeado pelo excesso de informações vazias e acredita estar vem informado.Vivendo em função das audiências, da concorrência e da máscara da democracia, ela empurra notícias vazias e extrai de nossa cultura toda a criatividade. O que falta a essa sociedade de espetáculo é conscientização e conveniência social. “A ficção, principalmente a da TV, recorre cada vez mais ao formato e aos efeitos do documentário. Isso revela um esgotamento da capacidade da TV de falar do mundo tal qual ele é. Colocar pessoas reais numa situação artificial é uma experiência que faz apelo ao gênero documentário, mas que se distingue dele na essência. Supõe-se que o espectador no cinema percorre todo o filme para sair modificado no final, é o sujeito da experiência. Num reality show, o sujeito da experiência são as pessoas que estão sendo filmadas. O objetivo é sempre submeter as pessoas a uma experiência cinematográfica que se faz, em parte, contra elas”, informa o cineasta e teórico do cinema Jean-Louis Comolli.
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