25 outubro 2006

Folhetim completa 170 anos de existência


Há exatos 170 anos nascia nos rodapés dos jornais o folhetim que mais tarde disseminou-se em fascículos baratos, espalhou-se pelas ondas sonoras das radionovelas e pelas páginas das fotonovelas e acabou ganhando lugar de honras nas casas brasileiras, através das telenovelas. A receita de narrativa em série foi sendo elaborada aos poucos e a fórmula “continua amanhã” entrou nos hábitos dos leitores. Da necessidade jornalística de ampliar o público leitor surgiu um gênero novo de romance, o folhetim de Eugêne Sue, Alexandre Dumas pai, Soulié, Paul Féval, Montépin entre outros. E toda a ficção em prosa da época passa a ser publicada em folhetim, para então depois, conforme o sucesso obtido, sair em volume. É um modelo de publicação que será também o de José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio Azevedo entre outros, sem que no entanto tais romances sejam forçosamente romances-folhetins.

O folhetim foi um herdeiro exaltado do romantismo. Quando do editor Émile de Girardin resolveu publicar ficção em pedaços, o feuilleton-roman, ou ainda romance de rodapé, lançou fórmulas que iriam definir o gênero folhetinesco até hoje, já em termos televisivos. Dois anos depois de a moda ter sido lançada na França, chega ao Brasil, em 1836, a primeira novela de jornal. O Capitão Paulo, de Alxandre Dumas, traduzida e reproduzida no Jornal do Commercio, inaugurou uma onde que terá em Joaquim Manuel de Macedo e João Manuel Pereira da Silva seus maiores nomes.

Seu nascimento, elaboração, apogeu, morte e ressurreição coincidiu com as três séries de datas 1836/1850, 1851/1871 e 1871/1914. A primeira fase, de 1836 a 1850, chamada de folhetim romântico ou democrático, teve em Eugéne Sue e Alexandre Dumas, seus maiores nomes. Sue representou uma vertente realista e Dumas inaugurou a vertente histórica e aventureira. A fase de 1851 a 1871 ganhou o nome de rocambolesca, em homenagem a Rocambole, um herói que nasceu em 1857 e só morreria 14 anos depois, junto com seu criador, Ponson du Terrail. O malandro Rocambole vivia suas aventuras com grande sucesso. Entre 1871 a 1814 apareceriam os folhetins chamados “dramas da vida” que tanta influenciaria as telenovelas latino-americanas.

Paixão, ódio, ciúme, ambição e vingança. Idas e vindas, prolongamentos e repetições, tramas diabólicas e perseguições infindáveis. Tudo devidamente picotado em capítulos diários, ansiosamente esperados e interrompidos em momentos decisivos. Esta fórmula tão popular, consagrada pela telenovela, tem uma velha e longa história nos folhetins.

O estudioso Marlyse Meyer (autor de Folhetim, uma História, da Companhia das Letras) informa que “o folhetim ficcional inventando fatias de vida servidas em fatias jornal, ou os faits divers dramatizados e narrados como ficção, ilustrados ambos com essas gravuras de grande impacto, ofereciam às classes populares o que desde os tempos da oralidade e das folhas votantes as deleitava: mortes, desgraças, catástrofes, sofrimentos e notícias – tais como nossos folhetos de época nordestinas continuam narrando – reatualizados nos tempos da modernidade industrial e urbana”.

Hoje a telenovela é a tradução atualizada do folhetim. A história em série, fragmentada, o tempo suspenso que reengata o tempo linear de uma narrativa estilhaçada em tramas múltiplas, enganchadas no tronco principal, compondo uma “urdidura aliciante”, aberta às mudanças, segundo o gosto do “freguês”, tão aberta que o próprio intérprete, tal como na vida, nada sabe do destino de seu personagem. Precioso freguês que precisa ser amarrado de todo jeito, amarrado por ganchos, chamadas, puxado por um suspense que as antecipações anunciadas na imprensa especializada e até na cotidiana não comprometem, na medida em que a curiosidade é atraída tanto pelo “como” quanto pela expectativa dos diversos reconhecimentos que dinamizam as tramas.

Esse novo produto, a telenovela, utilizando antigos temas (gêmeos, trocas, usurpações de fortuna ou identidade), até sua distribuição em horários diversos, correspondendo a modalidades folhetinescas diferentes (aventura, comicidade, seriedade, realismo) sempre de modo a satisfazer o patrocinador. Assim, o que começou como simples narrativa em capítulos publicados em jornais, o folhetim haveria de se metamorfosear noutros gêneros, em função de novos veículos, com espantoso alargamento de público. A grande narrativa televisiva se insere por sua vez nesse enorme corrente de contação de histórias que parece consubstancial à vida do homem em sociedade. Não há explicação que dê conta plena do fenômeno. Romance grego, canção de gesta, folhetim, novelão, cordel, tudo são histórias que compõem e ajuda a vida de cada um e de todos nós. O que é de gosto regala a vida.

Um comentário:

Paulo Starts disse...

Muito bom encontrar alguém interessado na história das publicações em folhetins. Acompanhei (li) alguns nos anos 70, não sei se a marlyse fez referências a estes da editora vecchi: 1971 - Escrava de um juramento / 1972 - O inferno de um anjo, endereçado aos adolescentes e ao povão.