21 março 2020

Uma obra essencial: As mulheres na política local


A ascensão feminina em cargos de poder é um dos grandes temas das Ciências Sociais. As mulheres têm poder na política baiana? Um olhar mais atento nos mostra que a questão é mais complexa do que parece. A obra doutoral (revisada e transformada em livro) de Claudia de Faria Barbosa, lançada recentemente pela Editora Appris – AS MULHERES NA POLÍTICA LOCAL – ENTRE AS ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA registra vulnerabilidades, tomadas de decisão, de assumir cargos pelo passado, presente e futuro. Descortina uma cartografia da política dos municípios baianos. Como as mulheres constroem suas identidades em contextos cujas marcas da dominação masculina estão inscritas na subjetividade das estruturas sociais.


A pesquisadora Claudia de Faria Barbosa questiona se o fato de maior participação feminina, em números, nos quadros políticos, dentro do processo contemporâneo brasileiro e baiano, indica efetiva cidadania e espaços conquistados pelas mulheres. O estudo focou as prefeitas baianas, ou seja, mulheres como agentes de exercício do poder político acessando debates sobre política e gênero.

O interesse foi compreender se as mulheres realmente conseguem autonomia e/ou se “empoderar” no sentido de tomar atitudes e levantar bandeiras de luta contra as segregações, violências e vulnerabilidades. O surgimento de tais questões de estudo foi evidenciado por verificar que o senso comum julga suas administrações como incapazes de dar conta das demandas da população e, sobretudo, tomar atitudes que efetivamente atendam aos interesses de outras mulheres.


Com o propósito de ultrapassar a visão naturalizada/essencializada do papel feminino no espaço público e privado, a análise evidencia como é trilhado o caminho das mulheres que ingressaram na política local, gestão 2009-2012. E acrescenta a questão de como se processa suas percepções e vivências nas relações entre as esferas privada e pública, com a perspectiva da elaboração da consciência de si e para si.

Ao debruçar sobre a questão das mulheres na política baiana, ouviu as gestoras locais sobre seus enfrentamentos de desafios, suas percepções, atuações e aflições. A obra valoriza o pensamento transformador do ser humano, fundamental para quem almeja ver algo mais que o senso comum pode mostrar. Salientou o exercício da reflexão e centrou nas questões propostas para questionar o vivido, exercitar a teoria, sobretudo, evidenciar aspectos entrelaçados no cotidiano da política e nas relações de gênero.

Organizada em três capítulos, os dois primeiros trazem a base teórica da discussão sobre a ciência política e a epistemologia feminista. O terceiro evidencia a investigação empírica – as vivências das mulheres na política local. Conforme a autora: “as mulheres, em suas múltiplas ações, referências e atuações, ao agir na política enfrentam situações únicas e muitas variáveis estão em jogo. Ademais, são apenas ´peças na engrenagem´ do poder político dominante e da reprodução do capital e de uma práxis de ordem patriarcal”. E atribui que o “empoderamento das mulheres é algo por devir, apostando mais na consciência e na práxis de transformar, do que realmente em dados numéricos. São novos tempos em que os disfarces transformam a dominação em algo tão sutil que se torna quase impossível percebê-la”, conclui.


A esperança é de que a política seja um espaço público onde a vida ativa não se reduz ao trabalho e ao consumo, mas em liberdade, conforme proposta pela pensadora Hannah Arendt ao afirmar que o “sentido da política é a liberdade”. E que a comunicação e o diálogo não sejam apenas informação, mas dignidade e cidadania onde se expressem emoções e ações. Portanto, a originalidade da pesquisa de Claudia Barbosa está no fraseado. Ao trabalhar com a invisibilidade de algo que existe nos lugares comuns e nas ideias preconcebidas, ela traduz a busca de um incessante saber. Mostra a situação de mulheres investidas de poder político, olha com olhos livres a realidade. Aí está a sua essência, seu preciosismo e raridade. Uma obra que trás uma contribuição ímpar e inédita para as questões postas com referência à cidadania das mulheres e a política local brasileira e, sobretudo baiana.

Um comentário:

Claudia Barbosa disse...

Gutemberg

Você sabe o quanto tem participação sua nesse trabalho. Sou grata para muito além de suas palavras sobre a obra. Amigo dedicado, defensor das causas feministas e da política de ideias e de presença.
Gratidão!!