O pintor, escultor e poeta francês
Marcel Duchamp (1887/1968) morreu há 50 anos e foi um dos precursores da arte
conceitual e introduziu a ideia de ready made como objeto de arte. Quando
tirava uma peça de seu ambiente natural - como fez com uma roda de bicicleta e
um banquinho de madeira ou até com uma louça de sanitário masculino - e dava
aos objetos a envergadura de um objeto de arte, o que desejava era instigar o
pensamento, provocar um raciocínio, destruir a quietude das coisas aceitas e
estabelecidas. Ele contribuiu para o infindável debate entre o que é e o que
não é arte. Quando pintou bigodes na Monalisa, de da Vince, colocava
nitidamente o seu desprezo pela arte clássica. Colocar a Monalisa e um urinol
no mesmo patamar é uma provocação. Duchamp foi um provocador.
Começou sua carreira como artista
criando pinturas de inspiração impressionista, expressionista e cubista. Dessa
fase, destaca-se o quadro Nu descendo a escada, que apresenta uma sobreposição
de figuras de aspecto vagamente humano numa linha descendente, da esquerda para
a direita, sugerindo a ideia de um movimento contínuo. Esse quadro, na época,
foi mal recebido pelos partidários do Cubismo, que o julgaram profundamente
irônico para com a proposta artística por eles pretendida.
Como escultor ele atingiu grande fama.
Deixou a Europa e foi para Nova York. Em 1917 ele lançou a revista
Blind Man (Homem Cego). O objetivo era criar polêmica sobre o urinol que mandou
para a exposição de vanguarda em Nova York, e que foi recusado pelo júri,
também de vanguarda. O urinol comum, branco e esmaltado que foi enviado ao júri
foi um gesto iconoclasta de Duchamp. Há quem veja nas formas do urinol uma
semelhança com as formas femininas, de modo que se pode ensaiar uma explicação
psicanalítica, quando se tem em mente o membro masculino lançando urina sobre a
forma feminina.
Levar uma peça de banheiro para uma
exposição de arte atrai adversários. Um mictório não é uma peça bonita por si
só, embora isso possa ser discutido. Por outro lado, a arte não significa
apenas a apreciação do bonito e mesmo o conceito de bonito é algo muito
subjetivo. Com o seu posicionamento, Duchamp não buscava o belo e nem a
aprovação do público. Ele procurava o âmago das emoções humanas, as reações
instintivas. “Transformar todas as pequenas manifestações externas de energia,
em excesso ou desperdiçadas, como por exemplo, o crescimento dos cabelos ou das
unhas, a queda da urina ou das fezes, os movimentos impulsivos do medo, do
assombro, do riso, a queda da lágrima, os gestos da mãos, o olhar frio, o ronco
ao se dormir, a ejaculação, o vômito, o desmaio, etc", disse na época.
Compreende-se através dessas preocupações, um pouco sobre a maneira como Marcel
Duchamp olhava o mundo.
O que o artista propunha era uma arte
conceitual, na qual a ideia era mais importante que a execução da obra pelas
mãos do artista. Daí a sua série ready-made (o transporte de um elemento da
vida cotidiana, a priori não reconhecido como artístico, para o campo das
artes), objetos industriais que ele expunha como obra de arte. Com isto ele
deixava de ver toda a arte do passado e cegava o artista moderno deixando-o com
um só olho na direção de um pretenso futuro. Ele pretendia despertar uma nova
maneira de ver o mundo e as coisas.
Os ready made passaram, então, a ser o
elemento de destaque da produção de Duchamp. Mais tarde ele dedicou-se ao
estudo da "quarta dimensão", o que, de alguma forma, orientou a sua
criatividade artística para problemas óticos. Os Rotoreliefs, discos coloridos
que, quando girados com extrema rapidez, produziam efeitos óticos, é mais uma
de suas tentativas de se aproximar das pesquisas que fazia. O estudo do olhar
sobre a arte interessou muito a Duchamp, que se opunha àquilo que ele próprio
dizia ser a "arte retiniana", ou seja, uma arte que agrada à vista.
Pode-se, de certo modo, compreender toda a arte de Duchamp como um esforço para
se afastar da "arte retiniana" e passar para uma arte mais
"cerebral", em que se ressaltam os aspectos mais intelectuais do
labor artístico. Dessa forma, os ready made, inclusive, são uma tentativa de
escapar da "arte retiniana", uma vez que confrontam o público,
oferecendo-lhes algo que ele próprio já viu algures, forçando-o a pensar e
refletir sobre a questão da arte enquanto linguagem.
Vale a pena ressaltar que a obra de
Duchamp deixou um legado importante para as experimentações artísticas
subsequentes, tais como o Dadaísmo, o Surrealismo, o Expressionismo Abstrato, a
Arte Conceitual, entre outros. No século da hiper visualidade é necessário
rever a arte. O desafio é ver com novos olhos.
2 comentários:
Um objeto em si é arte alguma...talvez o "conceitual" caiba.
Arte é aquilo que ultrapassa ao que o criador idealizou, pensou para a obra; não existindo isso é pura panfletagem.
Referência bibliográfica Josué Montelo -"Arte ou Desastre"!
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