Para Durval Muniz de Albuquerque, a
região Nordeste surge na “paisagem imaginária” do país, no final da primeira
década do século XX, substituindo a antiga diversão regional do país entre
Norte e Sul, e foi fundada na saudade e na tradição. Surgiu da construção de
uma totalidade político-cultural como reação à sensação de perda de espaços
econômicos e políticos por parte de produtores tradicionais de açúcar e
algodão, dos comerciantes e intelectuais a eles ligados. Assim, lança-se mão de
topos, símbolos, de tipos, de feitos para construir um todo que reagisse à
ameaça de dissolução, numa totalidade maior, agora não dominada por eles: a
nação.
A questão da influência do meio era a
grande arma política do discurso regionalista nortista, desde que a seca foi
descoberta em 1877, como um tema que mobilizava, que emocionava, que podia
servir de argumento para exigir recursos financeiros, construção de obras,
cargos no Estado etc. O discurso da seca e sua “indústria” passam a ser a
“atividade” mais constante e lucrativa nas províncias e depois nos Estados do
Norte, diante da decadência de suas atividades econômicas principais: a
produção de açúcar e algodão.
Assim, o Nordeste surge como a parte do
Norte sujeita às estiagem e, por essa razão, merecedora de especial atenção do
poder público federal. O Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto
imagético-discursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a
respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877. Veio colocá-la como o
problema mais importante desta área.
A seca de 1877/79, a primeira a ter
grande repercussão nacional pela imprensa e a atingir setores médios dos
proprietários de terra, trouxe um volume considerável de recursos para as “últimas
do flagelo” e fez com que as bancadas “nortistas” no Parlamento descobrissem a
poderosa arma que tinha nas mãos, para reclamar tratamento igual ao dado ao
“Sul”. A seca tornou-se a partir daí o problema de todas as províncias e,
depois, dos Estados do Norte.
Para o estudioso Durval, que possui
pós-doutorado pela Universidade de Barcelona, a produção sociológica de
Gilberto Freyre, bem como a dos chamados “romancistas de trinta”, têm no
trabalho com a memória a principal matéria. Eles vão tentar construir o
Nordeste pela rememoração de suas infâncias, em que predominavam formas de
relações sociais agora ameaçadas. Eles resgatam a própria narrativa como
manifestação cultural tradicional e popular, ameaçada pelo mundo moderno, e a
tomam como expressão regional. Enquanto em São Paulos os modernistas procuravam
romper com a narrativa tradicional, assumindo a própria crise do romance no
mundo moderno, no Nordeste o movimento regionalista e tradicionalista volta-se
para resgatar as narrativas populares, a memória como único lugar de vida para
este homem moderno dilacerado entre máquinas, a narrativa como o lugar de
reencontro do homem consigo mesmo, de um espaço com sua identidade ameaçada.
Em seus estudos ele mostra que até nas
músicas de Luiz Gonzaga, no trabalho teatral e literário de Ariano Suassuna o
Nordeste parece estar sempre no passado, na memória. Para ele, “este Nordeste é
uma máquina imagético-discursiva que combate a autonomia,m a inventividade e
apóia a rotina e a submissão, mesmo que esta rotina não seja o objetivo
explícito, consciente de seus autores, ela é uma maquinaria discursiva que
tenta evitar que os homens se apropriem de sua história, que a façam, mas sim
que vivam uma história pronta, já feita pelos outros, pelos antigos; que se ache
´natural´ viver da mesma forma as mesmas injustiças, misérias e discriminações.
Se o passado é melhor que o presente e ele é a melhor promessa do futuro,
caberia a todos se baterem pela voltados antigos territórios esfacelados pela
história”.
Para Gilberto Freyre, o ponto de vista
regional devia nortear os estudos de sociologia e história, porque a noção de
região é aproximada à do meio ou local, habitat, um espaço da natureza sem o
qual era impossível pensar a sociedade. A região é vista como a unidade última
do espaço. Um espaço genético fundante de qualquer atividade humana. Freyre é
também um dos fundadores do discurso que tenta modificar a negatividade das
condições ecológicas do Brasil e, principalmente, do Nordeste. Sua visão é
oposta à de Paulo Prado, por exemplo, para quem o meio era responsável pela
tendência de o brasileiro ser teimoso, taciturno, triste, desconfiado, anulado.
Para Prado, a tropicalidade nos condenava ao fracasso como nação, para Freyre
ela nos singularizava como civilização, nos dava identidade, nos dava caráter
próprio.
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