08 agosto 2018

Marcel Duchamp, um provocador


O pintor, escultor e poeta francês Marcel Duchamp (1887/1968) morreu há 50 anos e foi um dos precursores da arte conceitual e introduziu a ideia de ready made como objeto de arte. Quando tirava uma peça de seu ambiente natural - como fez com uma roda de bicicleta e um banquinho de madeira ou até com uma louça de sanitário masculino - e dava aos objetos a envergadura de um objeto de arte, o que desejava era instigar o pensamento, provocar um raciocínio, destruir a quietude das coisas aceitas e estabelecidas. Ele contribuiu para o infindável debate entre o que é e o que não é arte. Quando pintou bigodes na Monalisa, de da Vince, colocava nitidamente o seu desprezo pela arte clássica. Colocar a Monalisa e um urinol no mesmo patamar é uma provocação. Duchamp foi um provocador.

Começou sua carreira como artista criando pinturas de inspiração impressionista, expressionista e cubista. Dessa fase, destaca-se o quadro Nu descendo a escada, que apresenta uma sobreposição de figuras de aspecto vagamente humano numa linha descendente, da esquerda para a direita, sugerindo a ideia de um movimento contínuo. Esse quadro, na época, foi mal recebido pelos partidários do Cubismo, que o julgaram profundamente irônico para com a proposta artística por eles pretendida.


Como escultor ele atingiu grande fama. Deixou a Europa e foi para Nova York. Em 1917 ele lançou a revista Blind Man (Homem Cego). O objetivo era criar polêmica sobre o urinol que mandou para a exposição de vanguarda em Nova York, e que foi recusado pelo júri, também de vanguarda. O urinol comum, branco e esmaltado que foi enviado ao júri foi um gesto iconoclasta de Duchamp. Há quem veja nas formas do urinol uma semelhança com as formas femininas, de modo que se pode ensaiar uma explicação psicanalítica, quando se tem em mente o membro masculino lançando urina sobre a forma feminina.


Levar uma peça de banheiro para uma exposição de arte atrai adversários. Um mictório não é uma peça bonita por si só, embora isso possa ser discutido. Por outro lado, a arte não significa apenas a apreciação do bonito e mesmo o conceito de bonito é algo muito subjetivo. Com o seu posicionamento, Duchamp não buscava o belo e nem a aprovação do público. Ele procurava o âmago das emoções humanas, as reações instintivas. “Transformar todas as pequenas manifestações externas de energia, em excesso ou desperdiçadas, como por exemplo, o crescimento dos cabelos ou das unhas, a queda da urina ou das fezes, os movimentos impulsivos do medo, do assombro, do riso, a queda da lágrima, os gestos da mãos, o olhar frio, o ronco ao se dormir, a ejaculação, o vômito, o desmaio, etc", disse na época. Compreende-se através dessas preocupações, um pouco sobre a maneira como Marcel Duchamp olhava o mundo.

O que o artista propunha era uma arte conceitual, na qual a ideia era mais importante que a execução da obra pelas mãos do artista. Daí a sua série ready-made (o transporte de um elemento da vida cotidiana, a priori não reconhecido como artístico, para o campo das artes), objetos industriais que ele expunha como obra de arte. Com isto ele deixava de ver toda a arte do passado e cegava o artista moderno deixando-o com um só olho na direção de um pretenso futuro. Ele pretendia despertar uma nova maneira de ver o mundo e as coisas.


Os ready made passaram, então, a ser o elemento de destaque da produção de Duchamp. Mais tarde ele dedicou-se ao estudo da "quarta dimensão", o que, de alguma forma, orientou a sua criatividade artística para problemas óticos. Os Rotoreliefs, discos coloridos que, quando girados com extrema rapidez, produziam efeitos óticos, é mais uma de suas tentativas de se aproximar das pesquisas que fazia. O estudo do olhar sobre a arte interessou muito a Duchamp, que se opunha àquilo que ele próprio dizia ser a "arte retiniana", ou seja, uma arte que agrada à vista. Pode-se, de certo modo, compreender toda a arte de Duchamp como um esforço para se afastar da "arte retiniana" e passar para uma arte mais "cerebral", em que se ressaltam os aspectos mais intelectuais do labor artístico. Dessa forma, os ready made, inclusive, são uma tentativa de escapar da "arte retiniana", uma vez que confrontam o público, oferecendo-lhes algo que ele próprio já viu algures, forçando-o a pensar e refletir sobre a questão da arte enquanto linguagem.

Vale a pena ressaltar que a obra de Duchamp deixou um legado importante para as experimentações artísticas subsequentes, tais como o Dadaísmo, o Surrealismo, o Expressionismo Abstrato, a Arte Conceitual, entre outros. No século da hiper visualidade é necessário rever a arte. O desafio é ver com novos olhos.

2 comentários:

nnevess disse...

Um objeto em si é arte alguma...talvez o "conceitual" caiba.

Arte é aquilo que ultrapassa ao que o criador idealizou, pensou para a obra; não existindo isso é pura panfletagem.

nnevess disse...

Referência bibliográfica Josué Montelo -"Arte ou Desastre"!