06 maio 2011

Controle e disciplina dos fiéis (5)

As liberdades democráticas são a principal reivindicação do mundo árabe, região onde concentra a maioria de seguidores do islamismo. Nessa localidade as mulheres são as maiores vítimas da repressão. Amordaçadas através da burca que lhes cobre o corpo, o rosto e a boca, elas não tem direitos sexuais, são submetidas à mutilação genital, não tem direitos patrimoniais, intelectuais ou mesmo de leve locomoção. Não dirigem veículos, não podem mostrar os cabelos, usar roupas que realcem as formas do corpo e são obrigadas a cobrir-se da cabeça aos pés para sair às ruas.


Essa repressão à mulher é um dos temas da obra Erotismo e Pornografia nas Artes que estou escrevendo há cinco anos. Esse material é inédito. Eis um recorte:

A grande maioria das religiões, sempre preocupada com a elevação da alma, nunca soube muito bem o que fazer com o corpo. A preocupação do sexo é a manutenção da vida carnal. Nada a ver com a sublimação proposta pela religião, o sexo valoriza o instante ao invés da eternidade, o físico ao invés do espiritual, o imperfeito ao invés do perfeito. As sociedades matriarcais sempre encaram melhor essa contradição do sexo. A Terra, afinal, é útero (dela nasce a vida) e sepulcro (a ela retornam os mortos). Daí o sexo ser interdito para várias religiões e a arte erótica sempre ter sido razão de polêmica. Além de tentar provocar excitação sexual, a arte erótica tenta reproduzir, em imagens, os objetos do desejo humano. Ou reproduzir, meramente, o ato sexual. A religião confina a sexualidade à zona do secreto, criando a culpabilidade, a proibição. A essa zona onde a proibição dá ao ato proibido uma claridade opaca, ao mesmo tempo “sinistra e divina”, claridade lúgubre que é a da “obscenidade” e do “crime”, e também a da religião.


Uma importante reflexão sobre os diversos fundamentalismos presentes na sociedade moderna e suas consequências na vida das mulheres está no livro da teóloga feminista Nancy Cardoso Pereira, “Palavras...se feitas de carne – leitura feminista e crítica dos fundamentalismos”. O fundamentalismo religioso tem como resultado o impedimento do fortalecimento do Estado democrático e o exercício da cidadania plena de todas as pessoas, em especial das mulheres. As igrejas deixam pouca ou nenhuma margem de diálogos aos seus/suas fiéis para tomarem decisões em relação às questões morais, que envolvem a obrigatoriedade do celibato, a vivência da sexualidade, a autonomia no controle da reprodução, a indissolubilidade do casamento, entre outros.


O livro aborda, além do religioso, os aspectos econômicos, políticos e geopolíticos das ações fundamentadas na tradição e suas consequências nas formatações de poder na sociedade contemporânea. A obra também fez a relação entre tais consequências e a luta feminista, travada por mulheres que brigam, por exemplo, por direitos sexuais e reprodutivos, barrados nas argumentações do fundamentalismo. No livro Nancy Pereira diz como o fundamentalismo está presente na espinha dorsal do império norte-americano e no próprio cristianismo ocidental, que chegou ao Brasil através dos colonizadores. A teóloga também discute a relação incestuosa entre o cristianismo e o modelo de civilização ocidental construído nos alicerces do capitalismo.


“Cinco mulheres morrem no Brasil a cada dia em abortos clandestinos (pelo menos). Na América Latina são 46 a cada dia. No mundo todo, a cada dia, morrem 500 mulheres. Morrem de abandono e medo. Morem porque ousam decidir. Morrem pela redução de argumentos éticos. Morrem pelas trocas de poder e influência entre Estado e Igrejas. Como se já não bastassem a fome,m o desemprego, a doença e o desespero de sobreviver. Morrem deste igrejismo estreito e repressivo incapaz do diálogo com as vivências concretas das mulheres. Morrem desse igrejismo disfarçado em políticas públicas do Estado. A igreja diz que é pecado. O Estado diz que é crime”. Para ela “o fundamentalismo é a expressão majoritária do cristianismo: sexista, autoritário, elitista e moralista” (...) “A religião é uma das linguagens primárias com maior capacidade de mostrar e esconder, de negar a pertença da voz no balbucio da prece, de dissimular o ordinário no extraordinário das revelações”.


Ao longo dos séculos, a teologia vem contribuindo no reforço do amor como vocação das mulheres. “As culturas modernas formataram o feminino como uma predisposição natural para o amor e seus afazeres. Assim, as mulheres estão encurraladas na sensibilidade sem escolha e assimiladas num imaginário caótico e irracional, enquanto os homens ocupam o lugar supostamente confortável do sexo sem amor” (...) “A mulher participa da linguagem amorosa como vítima, como sedutora ou como impossibilidade (...) Assim, entre assexuadas ou corriqueiras (como as esposas/mães), o cristianismo disputa com o mito do amor romântico no ocidente o controle dos discursos sobre as mulheres. Permanecer numa posição inacessível continua sendo uma das tarefas que a cultura ocidental cristã designa para as mulheres. Presas nos discursos do amor (materno, romântico, aos pobres, ao sagrado, à família, etc) ou nos modelos da sensualidade devoradora as mulheres são mantidas numa passividade necessária para a manutenção da hegemonia masculina”.


E é o que observamos nos capítulos a seguir como a música, poesia, literatura, cinema, quadrinhos apresentam a mulher seja no erotismo ou na pornografia. Nos meios de comunicação de massa (no imaginário musical, da telenovela e da propaganda, entre outros) o mito feminino é mostrado como imagem controladora. É preciso uma leitura crítica e criativa sobre esse discurso para desvendar os comprometimentos e as armadilhas da linguagem religiosa que participa no reforço da miséria amorosa em que se encontram homens e mulheres e sua relação com os mecanismos de expropriação e opressão.

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