23 abril 2010

Música & Poesia

Rosa-dos-ventos (Chico Buarque)


E do amor gritou-se o escândalo

Do medo criou-se o trágico

No rosto pintou-se o pálido

E não rolou uma lágrima

Nem uma lástima

Pra socorrer


E na gente deu o hábito

De caminhar pelas trevas

De murmurar entre as pregas

De tirar leite das pedras

De ver o tempo correr

Mas, sob o sono dos séculos

Amanheceu o espetáculo

Como uma chuva de pétalas

Como se o céu vendo as penas

Morresse de pena

E chovesse o perdão


E a prudência dos sábios

Nem ousou conter nos lábios

O sorriso e a paixão


Pois transbordando de flores

A calma dos lagos zangou-se

A rosa-dos-ventos danou-se

O leito dos rios fartou-se

E inundou de água-doce

A amargura do mar


Numa enchente amazônica

Numa explosão atlântica

E a multidão vendo em pânico

E a multidão vendo atônita

Ainda que tarde

O seu despertar




Os Homens Ocos (T.S.Eliot. Tradução de Ivan Junqueira)

Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados

Uns nos outros amparados

O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,

Quando juntos sussurramos,

São quietas e inexpressas

Como o vento na relva seca

Ou pés de ratos sobre cacos

Em nossa adega evaporada


Fôrma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor;


Aqueles que atravessaram

De olhos retos, para o outro reino da morte

Nos recordam - se o fazem - não como violentas

Almas danadas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.


II


Os olhos que temo encontrar em sonhos

No reino de sonho da morte

Estes não aparecem:

Lá, os olhos são como a lâmina

Do sol nos ossos de uma coluna

Lá, uma árvore brande os ramos

E as vozes estão no frêmito

Do vento que está cantando

Mais distantes e solenes

Que uma estrela agonizante.


Que eu demais não me aproxime

Do reino de sonho da morte

Que eu possa trajar ainda

Esses tácitos disfarces

Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas

E comportar-me num campo

Como o vento se comporta

Nem mais um passo


- Não este encontro derradeiro

No reino crepuscular


III


Esta é a terra morta

Esta é a terra do cacto

Aqui as imagens de pedra

Estão eretas, aqui recebem elas

A súplica da mão de um morto

Sob o lampejo de uma estrela agonizante.


E nisto consiste

O outro reino da morte:

Despertando sozinhos

À hora em que estamos

Trêmulos de ternura

Os lábios que beijariam

Rezam as pedras quebradas.


IV


Os olhos não estão aqui

Aqui os olhos não brilham

Neste vale de estrelas tíbias

Neste vale desvalido

Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos


Neste último sítio de encontros

Juntos tateamos

Todos à fala esquivos

Reunidos na praia do túrgido rio


Sem nada ver, a não ser

Que os olhos reapareçam

Como a estrela perpétua

Rosa multifoliada

Do reino em sombras da morte

A única esperança

De homens vazios.


V


Aqui rondamos a figueira-brava

Figueira-brava figueira-brava

Aqui rondamos a figueira-brava

Às cinco em ponto da madrugada


Entre a ideia

E a realidade

Entre o movimento

E a ação

Tomba a Sombra

Porque Teu é o Reino


Entre a concepção

E a criação

Entre a emoção

E a reação

Tomba a Sombra

A vida é muito longa


Entre o desejo

E o espasmo

Entre a potência

E a existência

Entre a essência

E a descendência

Tomba a Sombra

Porque Teu é o Reino

Porque Teu é

A vida é

Porque Teu é o


Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Assim expira o mundo

Não com uma explosão, mas com um suspiro.

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