Na galeria de personagens criados pela genialidade de Henfil, os Fradins têm um lugar especial. Eles nasceram por imposição de Roberto Drummond, editor da Alterosa, e foram inspirados em dois freis dominicanos mineiros. O Cumprido é o religioso carola e careta, covarde, mas também lírico, romântico e sonhador. Já Baixim é o Henfil pós-freis dominicanos, com uma nova visão de Igreja, que conhece a hipocrisia do mundo e a combate através da ironia e da agressão. Os Fradins têm ainda o mérito de introduzir em páginas impressas expressões como putsgrilla, tutaméia, cacilda, além do gesto simbólico e sua onomatopeia, o top top, que caíram no gosto dos leitores.
Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “O Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu, numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e o Cumprido ficou para trás. É isso. O Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. O Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com o Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) O Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo. Já vi: não era anarquizar, agredir essa gente, como o Baixinho agride”.
Acompanhado os dois Fradins, o Preto que Ri, um frei negro, que ri de sua própria desgraça, e o Tamanduá que Chupa Cérebros. O Cabôco estreou no Pasquim em 1972 e de todos os personagens de Henfil foi o que causou mais polêmica e inimizades ao autor. Dono de um cemitério atípico, Cabôco só enterrava pessoas que estavam vivas. Para personalidades públicas que, no entendimento de Henfil, haviam colaborado de alguma forma com a ditadura, caia no cemitério dos mortos-vivas. E o Cabôco tinha como cúmplice o Tamanduá, que sugava cérebros de suas vítimas para conhecer os pensamentos mais escondidos.
FRADIM
Quando decidiu lançar o Fradim em revistas, Henfil criou um elenco de personagens mais leves para acompanhar a publicação. Surgiu Zeferino, um nordestino da caatinga, esfomeado e sedento, acompanhado de uma minuscula graúna, seu único personagem feminino, que após morrer e ressuscitar em três dias, pôs um ovo e gerou a Grauninha, um personagem delicado que morreu de inanição pouco depois. E ainda um bode devorador de livros, Francisco Orelana, vestindo seu constante chapéu coco, e que foi inspirado num bode real, da criação do cantador Elomar Figueira de Mello. Como antagonistas, o onça Glorinha, e Lati, um coronel do interior.
Com o negro Orelhão, criado nas páginas de O Dia, Henfil desenha a crítica social, com um humor direto, falando claramente aos pobres da cidade, sobre seus problemas mais imediatos. Também para esse público surgiram no Jornal dos Spots seus personagens de futebol: Urubu (torcida do Flamengo, composta em sua maioria de negros), Bacalhau (torcida do Vasco, portugueses), Pó de Arroz (torcida do Fluminense, de pessoas ricas), Cri-Cri (torcida do Botafogo, por conta de sua chatice), Gato Pingado (torcida do América, muito pequena). E para os mais intelectualizados Ubaldo, o Paranoico, um personagem criado com a anistia de 1070, e que sempre se recusou a admitir que os tempos estariam mudando. Segundo Márcio Malta, a chave de Henfil para o sucesso popular foi abordar o futebol não só por seu cunho esportivo, mas também pelo mundo real – partindo da esfera econômica – em que chamou atenção para as contradições sociais entre as torcidas.
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