26 abril 2010

Humor armado de Henfil (1)

Ele contribuiu para renovar o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho, Henfil (1944-1988), o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores consequências.


“Para mim, os fradinhos são personagens clássicos da história em quadrinhos universal. Uma das lições que eles nos deixaram é a de você se permitir tudo, ir cada vez mais longe, sem tabus. Qual a marca característica do Henfil? Sua integridade”, atestou o humorista Jô Soares. Para o cartunista Paulo Caruso, “ele foi uma das pessoas mais brilhante da geração que saiu do Pasquim. Tinha uma vivacidade enorme, brincando o tempo todo, um humor incrível mesmo. Um outro lado do Henfil: ele tinha uma capacidade fascinante para criar”.


“Dos cartunistas brasileiros era o que mais se aproximava do que se costuma chamar de gênio”, disse o cartunista Jaguar. “O desenho dele não é de prazer, é mais um instrumento de crítica, uma navalha afiada. Ele não deixava escapar nada com seu traço”, revelou o crítico de arte Frederico Morais.


Sua capacidade de se entregar às ideias sem se prender aos homens já diferenciava o dublê de político e humorista. Ele nunca precisou se filiar a qualquer partido ou causa para se transformar no militante mais ousado. Avesso à luta armada, que considerava uma armadilha dos militares para derrotar mais facilmente uma esquerda em frangalhos, Henfil estava familiarizado com as táticas da guerrilha. Embora estivesse convicto de sua opção pelo humor armado, ele ajudou os militantes da Ação Popular e do PC do B de todas as maneiras, além do Partido dos Trabalhadores. Liderava as cotizações para contratar advogados para os presos políticos, escondia militantes em sua casa e servia como motorista, guiando seu próprio carro nas ações dos grupos.


TRAJETÓRIA


Mas quem pensa que tudo isso surgiu na carreira de Henfil de modo premeditado, engana-se completamente. Na verdade, ele tem uma trajetória pouco comum. E já andou pulando como sapo para ver se conseguia escapa

r das pragas de urubu que, vez por outra, surgiam em seu caminho. Proveniente de família mineira do norte de Minas – seu pai foi barraqueiro do São Francisco, tropeiro, vaqueiro, pescador. Depois a família mudou-se para Belo Horizonte, deixando para trás o polígono das secas. Foi em Belo Horizonte que começou a desenhar com mais intensidade. Tinha então 17 anos e seus desenhos eram charges copiadas de revistas francesas. Os desenhos foram apresentados ao diretor do jornal O Binômio, Lúcio Nunes que, embora gostasse dos desenhos, afirmou não poder publicá-los porque o jornal só publicava charges políticas.

Desde que começou a publicar seus cartuns, na revista mineira Alterosa, antes de 1964, teve consciência da precariedade da atividade jornalística. E, mais grave: em 1973, numa entrevista ao Pasquim, reconheceu que “o desenho significa a morte da ideia, orque vira papel, tinta nanquim, clichê, jornal”. Por isso Henfil procurava sempre o movimento. Assim, desenvolveu um traço ágil a partir dos cartuns do Diário de Minas. Mais tarde, no seu trabalho no Jornal dos Spots criou personagens populares como o Urubu, que virou símbolo do Flamengo, o Cri-Cri, o Pó de Arroz e o Gato Pingado.


Começou a trabalhar como revisor na extinta revista Alterosa, editada pelo escritor Roberto Drummond, que o descobriu para a charge ao ver uns desenhos pornográficos que ele havia feito para os operários da gráfica. Foi aí que nasceu o nome Henfil (juntando o hen de Henrique, com o fil de Filho) e seus primeiros e mais marcantes personagens, os Fradins Cumprido e Baixim, inspirados em dois freis dominicanos.


Com o fechamento da Alterosa, levou os personagens para o Diário de Minas. Em 1965 começou a trabalhar no Diário de Minas, fazendo os cartuns que aprendera já no colégio noturno, o exílio dos escolares repetentes. De lá foi para o Rio, no Jornal dos Spots, onde nasceu a galera de tipos de times de futebol. Os Fradins só foram ressuscitados nas páginas do Pasquim, em 1969. Em 1971 as tiras foram reunidas em um álbum, e dois anos depois se transformaram em revista mensal. Depois foi o Rio de Janeiro com toda sua explosão de mar.

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