02 janeiro 2008

Uma verdade inconveniente

Homens públicos são os que trabalham em prol do bem comum, estejam ou não no poder. Vencedor das eleições presidenciais de 2000 pelo voto popular, o democrata Al Gore teve de conceder a vitória ao republicano George W. Bush por causa de um imbróglio na Flórida. Foi uma derrota amarga e, para curar-se dela, Gore retornou a um projeto iniciado duas décadas antes, de alertar os americanos para os riscos drásticos do aquecimento global na base do corpo-a-corpo, com palestras em todo e qualquer canto do país.

Lançado em fevereiro de 2006 no Festival Sundance e celebrado como uma obra cult no último Festival de Cinema de Cannes, o filme “Uma Verdade Inconveniente” (An inconveniente truth, 2006) é o registro cinematográfico sobre essa faceta de Gore desconhecida do grande público e já foi visto por milhões de pessoas, principalmente nos Estados Unidos. Protagonizado por Al Gore, o filme é uma severa advertência para a Humanidade sobre a responsabilidade do Homem nas mudanças climáticas. É um documentário ambientalista e, por isso mesmo, político. As imagens, chocantes, mostram as atuais alterações que o nosso Planeta está experimentando e elas são, também, a evidência da irresponsabilidade dos políticos que se negam a reconhecer a urgência de tocar no assunto e o pouco tempo que resta para evitar a catástrofe total.

De forma clara e bastante didática no filme, Al Gore transmite aos indecisos a certeza de que caminhamos para um final apocalíptico. Sem dramatizar com palavras, o que ele mostra são as imagens. O Monte Kilimanjaro 20 anos antes com todo o esplendor do seu cone nevado e hoje, sem neve, sem vida. As geleiras da Antártica que se desmoronam em pedaços gigantescos para se desmancharem nas águas oceânicas levando ao inevitável aumento do nível do mar. É mais do que certo que nas próximas duas décadas milhões de pessoas virarão refugiados ambientais; que as águas farão desaparecer não somente Nova Iorque como grande parte dos Países Baixos e que as defesas construídas contra essa ameaça pelo governo holandês de nada servirão apesar de serem hoje as barreiras mais avançadas tecnologicamente; que Bangladesh, grande parte da Ásia, e todos os estados insulares do Pacífico Sul desaparecerão sob a água, definitivamente.

Através do documentário descobrimos que agora não podemos mais compreender cidadania apenas no âmbito de uma cidade ou país. Definitivamente, a questão é a consciência de plena cidadania planetária. Precisamos nos comportar como o que realmente somos: irmãos morando na mesma casa. E dependendo dela para continuar vivendo. Segundo Gore, se o ritmo de agressões continuar, nos resta pouco mais de uma década para que nosso planeta comece a se tornar hostil à vida humana. Em certo momento ele faz um alerta pungente: o que fazer com milhões de refugiados, expulsos de suas terras de origem? O que se discute aqui não é mais sobre áreas isoladas, mas sobre territórios imensos, praticamente países inteiros estariam condenados a desaparecer sob as águas.

"Uma Verdade Inconveniente" mostra de forma cabal que todos nós, principalmente os países desenvolvidos como Estados Unidos, China, Índia e outros, precisamos rever com a máxima urgência nossas políticas sobre o meio ambiente sob pena de arrastar a humanidade inteira para um problema de solução a cada dia mais difícil. Uma frase no documentário ilustra bem do que se trata: “algumas verdades são difíceis de ouvir porque, se você realmente as ouvir, e entender que elas são realmente verdade, então você tem que mudar. E mudar pode ser bem inconveniente”.


Nas informações do documentário, quase todas as atividades industriais dependem do desflorestamento e da desidratação da Terra. Além do corte das árvores para produzir madeira industrializada e carvão vegetal, a construção de hidroelétricas para gerar energia elétrica com as suas indispensáveis barragens é responsável pela inundação de enormes áreas emissoras de gases de efeito estufa, reduzindo a camada atmosférica e aumentando o nível térmico mundial. Algumas das conseqüências do desflorestamento são: a desertificação, as secas, as inundações e o incremento do número de furacões, tufões e outros tipos de tempestades de grande dimensão. O aquecimento atmosférico que derrete as calotas polares leva à dessalinização das águas oceânicas e a mudanças radicais nos ecossistemas e na capacidade imunológica de todos os seres vivos.

Face a esse catastrófico cenário, Al Gore insiste em que “a solução para a crise climática global exige uma ação rápida, sábia e grande de nossa parte”. Na mensagem aos empresários, ele lembra que “se destruirmos o Planeta não haverá economia que sobreviva”. E ataca frontalmente a causa principal: a cultura dos países industrializados concentrada no consumo, na ganância e na expansão dos negócios em níveis insustentáveis. Todos esses conceitos os ambientalistas do mundo inteiro conhecem de longa data. O inédito é que um político da maior potência do mundo afirme, com todas as letras, que é necessário mudar de vida para que o Planeta possa sobreviver. O filme, dirigido por Davis Guggenheim, ao contrário dos de Michael Moore, não retrata a verdade do passado recente, mas a verdade do futuro imediato. Em 2008, Al Gore fará 60 anos, quarenta deles dedicados à ecologia. E é bom lembrar um provérbio popular que ensina que “Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, e a natureza não perdoa nunca”.


Al Gore, Prêmio Nobel da Paz 2007, foi segundo a premiação, um dos principais políticos ambientalistas. "Seu grande compromisso, refletido em sua atividade política, suas conferências, seus filmes e seus livros reforçaram a luta contra a mudança climática. É provavelmente a pessoa que fez mais para criar uma consciência mundial sobre as medidas que devem ser adotadas", ressaltou o a organização, em comunicado.

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