28 janeiro 2008

Novos transgressores da literatura

O corpo e a violação do corpo, perversão e violência, ruptura do código moral: são esses os temas dos autores da década de 90. A ficção transgressiva como tornou-se conhecida nos Estados Unidos. Eles usam palavras como se fossem agulhas para o bodypiercing.

A escritora espanhola Almudena Grandes, autora de “As Idades de Lulu” (que deu origem ao filme homônimo de Bigas Luna), os norte americanos Dennis Cooper (Safe, Closer e Frisk, Try), Kathy Acker (fio tênue entre o experimental e a pornografia) e William T. Vollman (Butterfly Stories). Além de Breat Easton Ealis (American Psycho) e Will Self (Cock & Bull e Gray Area). Todos escrevem sobre personagens na fronteira da sanidade e recusa qualquer tipo de consolo ao leitor.

Os autores da ficção transgressiva perseguem uma forma sofisticada de literatura. Prezam suas referências, que incluem não apenas Sade, mas outros papas da arte bizarra e mórbida, como William S. Burroughs, Thomas Pynchon e o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Filósofos franceses como Georges Bataille e Jean Baudrillard indicam temas. Nesse cruzamento de temas e referências fortes os livros desses novos autores talvez sejam o melhor resultado obtido no sentido de converter em estilo e canalizar para a criação literária a ansiedade da era da Aids.

Nos anos 70 o escritor britânico James Graham Ballard escreveu uma trilogia do desastre urbano: “High-Rise”, “Concrete Island” e “Crash”. Esse último mostra as conexões existentes entre o amor e a morte – a história de pessoas sexualmente motivadas por carros e acidentes. O homem confunde-se com os objetos por ele criados, pela via do erotismo (Crash!) ou da psicose (Concrete Island). Suas visões de apocalipse foram apresentadas em “The Crystal World” (1965) onde o mundo vai lentamente se transformando num cristal estéril, ou é tragado pela fúria das águas (em The Drought). A ciência e a tecnologia não encaminham a humanidade para o controle total da natureza: criam uma nova natureza igualmente cruel. Em “Rushing to Paradise” (1994) o feminismo e ecologismo tornam-se técnicas perversas de destruição.

MORTE DO AFETO

O primeiro romance porno-tech surgiu em 1973 na Inglaterra, escrito por J.G.Ballard foi “Crash!” que procura desnudar a violência de fim de século. O recurso utilizado é a analogia entre acidentes de carros e atos sexuais. Vidraças quebradas, carrocerias destruídas e volantes esmagados são colocados em paralelo a sucessivas carícias entre mãos, seios, salivas, pênis, retos e ânus. Em um pequeno prefácio extraído da edição francesa do livro, Ballard decreta a principal consequência para a vida humana do século XX: a morte do afeto e a substituição pela busca instintiva do sexo. A palavra caos desaparece entre os violentos acidentes e as relações sexuais que permeiam a narrativa. “Crash!” é um romance pornográfico apenas na aparência. Seu verdadeiro tema é a incomunicabilidade humana e o caos da vida contemporânea. Amargo e violento, “Crash!” choca, mas ajuda a refletir sobre os caminhos negros que a humanidade vem tomando o século XX.

Em abril de 2001 de 2001 a crítica de arte Catherine Millet escandalizou Paris com um livro de confidências: “A Vida Sexual de Catherine M”. À mesa ou à cama onde se deitava Catherine nos clubes privados de Paris, vinham degustá-las 20, 50 homens numa noite, não importa. Um após outro. Ou vários ao mesmo tempo. Astros de cinema, executivos, políticos, artistas plásticos, escritores. Nos intervalos das séries de orgasmos nesses clubes privados, ou nos apartamentos, Catherine tomava banhos e descansava, discutindo com seus parceiros arte conceitual, o azul absoluto do pintor Yves Klern ou o erotismo do escritor Georges Bataille. Uma intelectual articulada que nunca se contentou apenas com as bacanais em clubes convencionais. Sempre em companhia de um ou mais amigos, ia para o Bois de Boulogne, transava nos bancos do bosque, na grama, nos carros. O risco de ser flagrada só aumentava o prazer.

A bailarina Toni Bentley dançou na companhia George Balanchine, de Nova York durante dez anos, além de ter uma segunda carreira bem sucedida – a de escritora de livros sobre dança, que descrevem as agonias e sacrifícios de quem se submete aos rigores do balé. Mas foi com um relato pessoas sobre a opção preferencial pela prática de sexo anal, no livro A Entrega – memórias eróticas (no Brasil editado pela Editora Objetiva), que Bentley chegou ao topo em 2004. Trata-se de uma narrativa inteligente sobre um tema tabu. Escrito na primeira pessoa, o texto contabiliza mais de 200 vezes de prática de sexo anal na vida de Toni e ainda associa o vigor físico da prática do balé ao seu preparo para as jornadas de horas de sexo. Ícone de submissão feminina plena, o sexo anal é defendido por Toni como o caminho para o encontro com si mesma, a libertação dos ideais feministas de emancipação, o prazer absoluto de entrega, através do qual se pode aprender a ser amada.

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