29 janeiro 2008

O ocultamento da trajetória da mulher (1)

O tratamento diferenciado entre homem e mulher – presente em todas as sociedades humanas – tem suas raízes plantadas na própria história da humanidade, e tais raízes resistem bravamente à ação do tempo. Os traços de caráter do homem e da mulher estão constituídos desde o nascimento e são definitivos. Em decorrência de tal determinismo, o lugar e o desempenho de ambos no curso da história têm obedecido a uma rígida divisão social. Assim, a história da humanidade tem sido a história de personagens masculinos, sejam eles guerreiros, sacerdotes, heróis ou artistas.

E aqui cabe a indagação: a quem interessava o ocultamento da trajetória da mulher? A influência da tradição sempre foi reforçada e, em certa medida, continua sendo até hoje pela religião, instituição de marcado caráter conservador. Com o passar do tempo a mulher transformou-se, ela mesma, num agente de reprodução do sistema, cooptada pela ideologia paternalista, que tem como premissa a legitimidade da autoridade masculina sobre o conjunto da sociedade.

De todos os milhares de mitos da criação imaginados por povos de todos os lugares, as histórias da criação e de Adão e Eva, que abrem o Gênese, dupla narrativa produzida há muito tempo por obscuros semitas foi a que triunfou nas três principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. A psicanálise considera a sociedade ocidental, de origem judaico-cristã, como uma sociedade falocrata (phalo = pênis; krathós = poder) e patriarcal (sob o poder do Pai). O falo (isto é, o pênis como objeto simbólico), representado consciente e inconscientemente como origem de todas as coisas (poder criador), como autoridade (a Lei como lei do Pai) e sabedoria, é aquilo que a mulher não possui e deseje.

A professora Maria Nazareth Alvim de Barros em sua premiada obra “As Deusas, as Bruxas e a Igreja” mostra desde o primeiro culto da história religiosa oferecida a uma Deusa, e os séculos de repressão ao culto feminino. A autora parte do Paleolítico e percorre as diversas manifestações culturais e religiosas. Tudo que nos chegou sobre o papel da mulher no mundo greco-romano diz respeito à exclusão, à subordinação, à submissão. Privilegiou-se o homem. A mulher foi afastada do corpo filosófico, literário, religioso. O domínio intelectual passou a ser exclusividade do macho.

O período compreendido entre 152 a.C. e 68 d.C. ficou marcado por uma grande variedade de judaísmos, em que os diferentes grupos rivais lutavam entre si, procurando dominar o cenário religioso. Enquanto uns preocupavam-se mais com a sobrevivência política e econômica do país, transgredindo alguns aspectos dos mandamentos divinos e contribuindo com a adesão do povo a facções divergentes, outros, como os essênios, se retiraram do centro da cena e, funcionando como pano de fundo no imenso deserto, exerceram grande influência no surgimento do cristianismo.

João Batista, por exemplo, é apontado como limite, transição entre o judaísmo e o cristianismo. Em 70 d.C. surgiu um judaísmo único, normativo, que conhecemos como rabínico e que vigora até os dias atuais, e uma outra forma de judaísmo, o cristianismo que, ao longo dos séculos, foi se transformando e dominando o pensamento religioso ocidental. Surge assim o cristianismo, a religião terceira. A Mãe foi ocultada, o Pai afastado, e a humanidade se encontra diante do Filho.

O cristianismo trazido pelo esperado Messias tentou se colocar como a religião do Filho, como aquele que, abandonando Mãe e Pai, acenava com a possibilidade de uma igualdade, porque transformava toda a humanidade numa irmandade. O catolicismo condenou o sexo e a mulher, estigmatizada pela carne. Elevou-se o casamento a sacramento, mas o ato sexual perdeu sua sacralidade e se revestiu da idéia de coisa suja, vergonhosa, pecaminosa.

Um comentário:

JOSÉ TORQUATO DE BARROS FILHO disse...

Isto não é tudo
Pesquisar o período Babilônico, vendo a criação dos Sacerdotes do Deus Marduk, Deus dos Deuses e depois sò Deus Único, Um Usurpador até a atualidade, Criador de todas ramificações religiosas baseadas nesta premissa. Foi com êle que começou a sistemática destruição do poder feminino. Uma maneira atroz mas coerente do domínio do poder sobre os humanos. A Raiz tá lá, vejam.