A Lista (Oswaldo Montenegro)
Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber
Quantas mentiras você condenava
Quantas você teve que cometer
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você
Áries (21 de março a 20 de abril)
[Thiago de Melllo, In: "Horóscopo para os que estão Vivos"]
“Eu sei que Marte te ajuda, companheiro.
Conheço bem de perto esse poder apaixonado,
a generosa força do teu signo de fogo.
Mas não confies demasiado. Cuidado contigo,
vejo um cansaço ao oeste do teu olho.
É preciso ter paciência com as vaidades verdes.
Escuta a canção do vento que inventa
o redemoinho nas palavras,
e quando o sol estiver a pino
evita as próprias palavras:
um autêntico Áries deve preferir não dizer
quando o dizer é confundir.
O sectarismo está cravando no teu sonho
os seus dentes de nácar,
e nem te dás conta.
Ademais, não são de nácar.
Não desanimes nunca, segue trabalhando
pelo reinado da claridão,
que, como sabes, ou precisas saber,
tem o gosto da vida
e a cor do sangue antes do amanhecer.
Tua luta te reserva grandes alegrias,
tanto mais belas porque repartidas,
e no começo do verão
resolverás definitivamente
teu grande problema secreto:
mas só se tiveres força
de olhar o sol de frente.
Pelo outono,
ligeiras perturbações cardiovasculares,
proporcionais ao medo
que circula em tuas artérias.
Os mais jovens,
ou os que ainda não perderam a juventude,
devem adiar sua noite de bodas
por umas poucas luas
e ganhar bem esse tempo
para aprender devagarinho
que o compartir não dói e te acrescenta
de uma força maior que a das estrelas.
Os Áries que já se casaram,
que tratem de levar o barco
por águas mansas,
sem fazer mal a ninguém.
Haverá um instante na primavera
no qual os varões de Marte
que ainda resguardam a infância
(cuidado que ela está agonizante no peito!)
estarão extremamente sensíveis
à beleza das mulheres em geral.
Nem todos sucumbirão.
No meio do último decanato,
chegará um sol cinzento com grandes ameaças
à pobre face deste lindo mundo nosso.
Mas não te alteres:
continua fazendo a tua partem
humilde e organizado,
na construção da alegria.
As mulheres morenas
devem acalmar o gênio,
e preferir
sobriamente
o sortilégio do quartzo rosado."
30 março 2007
29 março 2007
Imprensa alternativa & poesia marginal
Tragédia: Vladimir Maiakovski, Godofredo Filho e o Modernismo na Bahia, O poeta Arthur de Salles em Sergipe, e Imprensa Alternativa & Poesia Marginal anos 70. Esses são os títulos das obras do jornalista, pesquisador e professor Gilfrancisco lançado no mercado editorial sergipano através da Faculdade Atlântico. Em poucos mais de 100 páginas Gilfrancisco resgata a história de Wlademir Herzog para o jornalismo e de Waly Salomão, Torquato Neto, José Carlos Capinam, Antônio Risério, Paulo Leminski, Abel Silva, Cacaso e Claudius Portugal para a cultura.
Segundo Ângelo Barroso, no prefácio, “os anos 60 serviram para a afirmação de alguns grupos de poetas que buscavam soluções no aproveitamento visual da página em branco, na sonoridade das palavras e nos recursos gráficos, dentre esses grupos vamos ter a poesia concreta e a poesia Práxis, sem deixar de salientar a importância da poesia marginal. Que se desenvolveu fora dos grandes esquemas editoriais e comercias (...) Nos diabólicos e repressivos anos 70, a poesia rompeu o compromisso com a realidade, com o intelectualismo e com o hermetismo modernista dos anos 20 e partiu para ser marginal, diluidora, anti-cultural, pós-moderna, sem constituir um movimento unificado, poetas jovens se declararam marginais e pipocaram de norte a sul do país”.
Assim Gilfrancisco vasculhou folhetos, jornais, revistas, antologias e disco de vinil para reunir essa antologia e registrar nesse livro. A Sociedade Alternativa & Poetas na Praça (aqueles do Largo da Piedade) não foram esquecidos, Waly Salomão senhor das línguas & das linguagens, os versos proscritos de Ana Cristina César, Capinam – Soi loco por ti América, Torquato Neto um poeta desfolha a bandeira, Liminski o poeta samurai kamiquase, a poesia marginal de Mário Jorge, Cacaso um marginal transgressor, Chacal viajante de loucos pensamentos, os poetas Abel Silva, Claudius Portugal, Antonio Risério, Marginalidade Plácida na MPB. Além das letras de músicas de Patinhas, Cacaso, Capinam, Abel, Ronaldo Bastos, Jorge Mautner, Wali, Torquato Neto, Leminski, Tavinho Paes, Beu Machado, Chacal e muitos outros.
A herança do ideal da chamada beat generation (cujos valores revolucionaram o comportamento dos jovens dos Estados Unidos no período do pós-guerra) está impregnada no espírito da poesia marginal de Chacal e seus jovens colegas do Rio de Janeiro praticavam em 1975. Eles não queriam parecer com Carlos Drummond de Andrade, mas sim com Bob Dylan. Não almejavam apenas fazer poemas, mas viver poeticamente. O termo "marginal" não remete à noção de fora-da-lei e se aplica a autores que tinham dificuldade para emplacar suas obras em editoras de grande porte. Não é à toa, que eles foram imortalizados pela expressão "geração do mimeógrafo", já que se valiam dessa máquina para levar ao público consumidor, de forma ágil e barata, livros de pequena tiragem bancados por conta própria.
A poesia marginal também seguiu a trilha aberta pela imprensa alternativa, de que se destacam os jornais "Opinião", "Movimento" e "Pasquim". O florescimento da poesia marginal é fruto do choque entre a atmosfera repressiva, no plano político interno, e a metamorfose comportamental que se verificava em esfera mundial - o movimento hippie, o festival de Woodstock.
Também conhecida como imprensa nanica, designa os veículos produzidos por entidades independentes, numa alternativa aos órgãos tradicionais nos quesitos ideologia, estilo e abordagem temática. O jornal O Pasquim, que circulou no Brasil entre os anos 60 e 80, a agência nova-iorquina Alternative Press Syndicate e o periódico Boca de Rua, produzido e distribuído por moradores de rua, em Porto Alegre/RS, constituem modelos emblemáticos de órgãos da imprensa alternativa. Foram órgãos de resistência do livre pensar.
Por isso, o livro de Gilfrancisco é de grande importância para a atual geração. Licenciado em Letras pela Universidade Católica de Salvador, Gilfrancisco é professor universitário e desenvolve a atividade paralela de jornalista contribuindo com trabalhos em diversos intercâmbios de comunicação. Já dizia o poeta Abel Silva, “hoje, no Brasil, o papel do escritor é tornar a literatura necessária”. A do nosso João Santana Filho (o Pastinhas) tem o Sinal de Amor e Perigo: “Enquanto o amor for pecado e o trabalho um fardo/pesado passado presente mal dado/as flores feridas se curam no orvalho/mas os homens sedentos não encontram regato/ que banha seu corpo e lave sua alma/o desejo é forte mas não salva”.
Segundo Ângelo Barroso, no prefácio, “os anos 60 serviram para a afirmação de alguns grupos de poetas que buscavam soluções no aproveitamento visual da página em branco, na sonoridade das palavras e nos recursos gráficos, dentre esses grupos vamos ter a poesia concreta e a poesia Práxis, sem deixar de salientar a importância da poesia marginal. Que se desenvolveu fora dos grandes esquemas editoriais e comercias (...) Nos diabólicos e repressivos anos 70, a poesia rompeu o compromisso com a realidade, com o intelectualismo e com o hermetismo modernista dos anos 20 e partiu para ser marginal, diluidora, anti-cultural, pós-moderna, sem constituir um movimento unificado, poetas jovens se declararam marginais e pipocaram de norte a sul do país”.
Assim Gilfrancisco vasculhou folhetos, jornais, revistas, antologias e disco de vinil para reunir essa antologia e registrar nesse livro. A Sociedade Alternativa & Poetas na Praça (aqueles do Largo da Piedade) não foram esquecidos, Waly Salomão senhor das línguas & das linguagens, os versos proscritos de Ana Cristina César, Capinam – Soi loco por ti América, Torquato Neto um poeta desfolha a bandeira, Liminski o poeta samurai kamiquase, a poesia marginal de Mário Jorge, Cacaso um marginal transgressor, Chacal viajante de loucos pensamentos, os poetas Abel Silva, Claudius Portugal, Antonio Risério, Marginalidade Plácida na MPB. Além das letras de músicas de Patinhas, Cacaso, Capinam, Abel, Ronaldo Bastos, Jorge Mautner, Wali, Torquato Neto, Leminski, Tavinho Paes, Beu Machado, Chacal e muitos outros.
A herança do ideal da chamada beat generation (cujos valores revolucionaram o comportamento dos jovens dos Estados Unidos no período do pós-guerra) está impregnada no espírito da poesia marginal de Chacal e seus jovens colegas do Rio de Janeiro praticavam em 1975. Eles não queriam parecer com Carlos Drummond de Andrade, mas sim com Bob Dylan. Não almejavam apenas fazer poemas, mas viver poeticamente. O termo "marginal" não remete à noção de fora-da-lei e se aplica a autores que tinham dificuldade para emplacar suas obras em editoras de grande porte. Não é à toa, que eles foram imortalizados pela expressão "geração do mimeógrafo", já que se valiam dessa máquina para levar ao público consumidor, de forma ágil e barata, livros de pequena tiragem bancados por conta própria.
A poesia marginal também seguiu a trilha aberta pela imprensa alternativa, de que se destacam os jornais "Opinião", "Movimento" e "Pasquim". O florescimento da poesia marginal é fruto do choque entre a atmosfera repressiva, no plano político interno, e a metamorfose comportamental que se verificava em esfera mundial - o movimento hippie, o festival de Woodstock.
Também conhecida como imprensa nanica, designa os veículos produzidos por entidades independentes, numa alternativa aos órgãos tradicionais nos quesitos ideologia, estilo e abordagem temática. O jornal O Pasquim, que circulou no Brasil entre os anos 60 e 80, a agência nova-iorquina Alternative Press Syndicate e o periódico Boca de Rua, produzido e distribuído por moradores de rua, em Porto Alegre/RS, constituem modelos emblemáticos de órgãos da imprensa alternativa. Foram órgãos de resistência do livre pensar.
Por isso, o livro de Gilfrancisco é de grande importância para a atual geração. Licenciado em Letras pela Universidade Católica de Salvador, Gilfrancisco é professor universitário e desenvolve a atividade paralela de jornalista contribuindo com trabalhos em diversos intercâmbios de comunicação. Já dizia o poeta Abel Silva, “hoje, no Brasil, o papel do escritor é tornar a literatura necessária”. A do nosso João Santana Filho (o Pastinhas) tem o Sinal de Amor e Perigo: “Enquanto o amor for pecado e o trabalho um fardo/pesado passado presente mal dado/as flores feridas se curam no orvalho/mas os homens sedentos não encontram regato/ que banha seu corpo e lave sua alma/o desejo é forte mas não salva”.
28 março 2007
Há 100 anos nascia Milton Caniff
No dia 28 de fevereiro de 1907, em Hillsboro, Ohio, nascia Milton Caniff, um dos maiores autores de histórias em quadrinhos, criador das séries Dickie Dare (1934), Terry e os Piratas (1934), Male Call (literalmente, A Chamada do Macho, 1942) e Steve Canyon (1947). Assim, 2007 é o ano do centenário de nascimento de Caniff e muitos trabalhos sobre sua obra serão relançados.
Dickie Dare, criado para a Associated Press Features, narra as aventuras de um garoto que sempre se metia em situações de perigo. Ao assumir sua nova criação, Terry e os Piratas, Caniff conquistou 30 milhões de leitores. Naquela época, 1934, Harold Foster glorificava a África com seu Tarzan, enquanto Alex Raymond fazia Jim das Selvas explorar o Sudeste da Ásia incansavelmente; o mundo do futuro já pertencia a Flash Gordon, e as cidades estavam tomadas por detetives e agentes secretos como Dick Tracy e X-9. Então, sobrava o Oriente - mais precisamente a China. Segundo o próprio Caniff, “a intenção era conquistar o leitor que, chateado com a monotonia de sua vida, sonhava com o encanto do longínquo Oriente”. A tira relatava as aventuras de um jovem americano (Terry) e seu companheiro adulto (Pat Ryan) na China, lutando contra traficantes de ópio e malfeitores de toda espécie, passando por muitas mulheres bonitas. Quando a guerra começou, os piratas passaram a ser os japoneses e Terry passou a defender a China contra o invasor em nome dos EUA. Caniff desenhou Terry e os Piratas até 1946 quando abandonou a série em troca do seu novo personagem, Steve Canyon. Terry passou para as mãos do medíocre George Wunder.
Um ano depois Caniff cria na série Terry e os Piratas uma das mais interessantes personagens femininas dos quadrinhos: Dragon Lady, ou Madame Dragão. Ao que parece, Caniff se inspirou na atriz Joan Crawford, e em um recorte de jornal sobre uma mulher pirata que teria existido de fato, aterrorizado os mares da China nos anos 30 e em uma lenda chinesa, segundo a qual o espírito dos dragões encarnaria em certos seres humanos que se tornariam perigosos e ameaçadores. Dragon Lady é, de fato, um pouco disso tudo. Uma mulher lindíssima, meio oriental meio ocidental, cujo nome verdadeiro é Lai Choi San, ou seja, Montanha de Riqueza, e que lidera um bando de piratas.
Dickie Dare, criado para a Associated Press Features, narra as aventuras de um garoto que sempre se metia em situações de perigo. Ao assumir sua nova criação, Terry e os Piratas, Caniff conquistou 30 milhões de leitores. Naquela época, 1934, Harold Foster glorificava a África com seu Tarzan, enquanto Alex Raymond fazia Jim das Selvas explorar o Sudeste da Ásia incansavelmente; o mundo do futuro já pertencia a Flash Gordon, e as cidades estavam tomadas por detetives e agentes secretos como Dick Tracy e X-9. Então, sobrava o Oriente - mais precisamente a China. Segundo o próprio Caniff, “a intenção era conquistar o leitor que, chateado com a monotonia de sua vida, sonhava com o encanto do longínquo Oriente”. A tira relatava as aventuras de um jovem americano (Terry) e seu companheiro adulto (Pat Ryan) na China, lutando contra traficantes de ópio e malfeitores de toda espécie, passando por muitas mulheres bonitas. Quando a guerra começou, os piratas passaram a ser os japoneses e Terry passou a defender a China contra o invasor em nome dos EUA. Caniff desenhou Terry e os Piratas até 1946 quando abandonou a série em troca do seu novo personagem, Steve Canyon. Terry passou para as mãos do medíocre George Wunder.
Um ano depois Caniff cria na série Terry e os Piratas uma das mais interessantes personagens femininas dos quadrinhos: Dragon Lady, ou Madame Dragão. Ao que parece, Caniff se inspirou na atriz Joan Crawford, e em um recorte de jornal sobre uma mulher pirata que teria existido de fato, aterrorizado os mares da China nos anos 30 e em uma lenda chinesa, segundo a qual o espírito dos dragões encarnaria em certos seres humanos que se tornariam perigosos e ameaçadores. Dragon Lady é, de fato, um pouco disso tudo. Uma mulher lindíssima, meio oriental meio ocidental, cujo nome verdadeiro é Lai Choi San, ou seja, Montanha de Riqueza, e que lidera um bando de piratas.
Em 1941 Terry cresce e se torna tenente e piloto da Força Aérea. Ao engajar Terry Lee (Terry e os Piratas) na Força Aérea e retratar com fidelidade as paisagens, os aviões, as armas de guerras, as fardas dos soldados, Milton Caniff conquista não apenas o gosto patriota dos americanos, mas também o interesse político do Governo. O Departamento de Estado encomendou o Serviço Noticioso de Campanha uma história especial para ser publicada nos jornais do exército e para estimular o moral da tropa. Surge Male Call (Miss Lace), pin-up extremamente sensual em roupas negras, e que evocava freudianamente a figura materna com seus seios opulentos e o decote generoso, para aplacar a dor e a sede dos soldados no front.
Seu último personagem, Steve Canyon era tenente-coronel da Força Aérea que espelhou a traumática atuação dos EUA na guerra do Vietnam. Em abril de 1988 o mestre dos quadrinhos morreu em Nova York, aos 81 anos com câncer no pulmão. Considerado o Rembrandt dos Comic Strips (título de um livro biográfico a seu respeito), Caniff foi um dos primeiros a sofrer a influência da linguagem cinematográfica e um dos poucos que fizeram da tira um formato capaz de conter beleza plástica e boa estrutura narrativa. Dono de um estilo seco, telegráfico, direto, usando termos precisos e abordando temas polêmicos, conseguiu um equilíbrio total na colocação de suas aventuras com a realidade da época.
Sua linguagem de cinema nos quadrinhos frequentemente levava a comparações com o cineasta John Ford. Ao enquadrar os personagens da historieta Terry e os Piratas numa edição de domingo, a cores, ele colocou o herói e a heroína, deitados na capa, iluminados apenas pelas pontas vermelhas de seus cigarros. Caniff foi considerado um dos poucos desenhistas de quadrinhos que conseguiu elevar seu trabalho ao nível de pura arte. Seja no seu tempo, técnica de desenhos, na linguagem cinematográfica, também no seu comportamento como profissional. Foi um dos fundadores da National Association of Cartoonists, em 1946, tendo sido seu presidente. Recebeu três doutorados honorários, condecorações e inúmeros prêmios. Ganhou, por exemplo, o Reuben e o Field´s, em 1946 e 1971. Em 1981, recebeu o Coveted Maxwell A. Kriendler Memorial, e em 1987 foi considerado o Primeiro Membro Honorário da Eight Air Force Historical Society, em reconhecimento à sua sensual Miss Lace.
Milton Caniff captou não apenas o espírito de um povo e de uma época, mas mostrou com as HQs poder, sem perder a plasticidade e qualidade narrativa, receber a influência da realidade e, em casos singulares como foi o seu, interagir com ela.
27 março 2007
Caymmi, “ilimitado como o oceano que ele canta”
Sua poesia é de essências, precisa e substantiva. Clara e doce. Bonita e sensual como as mulheres que canta, com um misto de malícia e delicadeza. E em linguagem e dicção tão populares quanto os personagens que recriou. Seu estilo inimitável de compor e cantar influenciou várias gerações de músicos brasileiros. Importantes homenagens dentro e fora do Brasil marcaram os anos 80 para Caymmi. Em 1984, no seu septuagésimo aniversário, ele foi condecorado em Paris pelo ministro da cultura francês, Jack Lang, com a Comenda das Artes e Letras da França, atribuída a importantes personalidades culturais. No ano seguinte, inaugurou-se em Salvador a Avenida Dorival Caymmi.
“Mangueira vê no céu dos orixás/o horizonte rosa/no verde do mar/a alvorada veste a fantasia/pra exaltar Caymmi e a velha Bahia/ô ô ô/quanto esplendor/nas igrejas soam hinos de louvor/e pelos terreiros de magia/o ecoar anuncia o novo dia/nessa terra fascinante/a capoeira foi morar/o mundo se encanta(bis)/com as cantigas que fazem sonhar (bis)/lua cheia/leva a jangada pro mar/oh! sereia como é belo o seu cantar/das estrelas/a mais linda tá no Gantois/Mangueira berço do samba/ Caymmi a inspiração/que mora no meu coração/Bahia terra sagrada/de Iemanja e Iansan/Mangueira super campeã/tem xinxim e acarajé/tamborim e samba no pé (bis)” (Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira tem, letra de Lvo, Paulinho e Lula). Em 1986, no Rio, o artista virou enredo da Estação Primeira de Mangueira, com o qual a escola de samba venceu o desfile do carnaval daquele ano. Caymmi foi o primeiro baiano a ganhar o Prêmio Jorge Amado. O compositor foi escolhido por unanimidade para receber o Prêmio Nacional Jorge Amado de Literatura e Arte, edição 2006, dedicado à música popular brasileira.
Tem muitos compositores que lhe homenagearam. Na canção “Nação”, João Bosco, Aldir Blasnc e Paulo Emílio cantam “Dorival Caymmi falou para Oxum/com Silas tou em boa companhia/o céu abraça a terra/deságua o Rio na Bahia”. Em “Buda nagô”, Gilberto Gil revela: “Dorival é um buda nagô/filho da casa real da inspiração/como príncipe principiou/a nova idade da canção”. Toquinho e Vinícius de Moraes em “Tarde de Itapoã” entoavam: “Depois, na praça Caymmi,/sentir preguiça no corpo/e,numa esteira de vime,/beber uma água de coco”.
“Acho o Caymmi ilimitado, como o oceano que ele canta”, definiu Tom Jobim. Já o escritor e amigo Jorge Amado o pintou como “o cantor das graças da Bahia”. Ele foi um dos primeiros compositores a gravar suas próprias canções, numa época em que o habitual era o autor entregar a música para um cantor. Antonio Carlos Jobim lhe admira as modulações de meio-tom. Baden Powell foi buscar nele a base dos sambas-afros. Edu Lobo se ouve nas músicas do baiano. O segredo da linguagem musical de Caymmi, segundo o crítico Luís Antônio Giron (Suplemento Mais, abril 1994) está na simplicidade e na funcionalidade. “Foi autodidata. Começou a tocar violão alterando os acordes perfeitos (dos quais se compõe o sistema tonal), introduzindo dissonâncias, arpejando as cordas com descontinuidade. Possuía na juventude a intuição do artesão, aquele eu redescobre e encena nos dedos a história do som.
“Afastou-se desde o início com a quadratura do samba e da canção porque adotou o único método que tinha à disposição: o modalismo (sistema baseado em escalas diversas) típico da música baiana. Soube dar leveza às cantigas do candomblé e absorveu o espírito da música da cidade”. Em 1992 Chico Buarque compôs e gravou “Paratodos” onde em um trecho canta: “Nessas tortuosas trilhas/a viola me redime/creia, ilustre cavalheiro/contra fel, moléstia, crime/use Dorival Caymmi/vá de Jackson do Pandeiro”.
Já a homenagem de Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro está em “Oba de Xangô”. Diz a letra: “Caymmi é um criador abençoado/navegador das águas da canção/é o compositor do mar predestinado/seu violão tem cordas de sargaço/e foi cortado de um pedaço de uma velha embarcação//Caymmi é um deus do mar reencarnado/por isso que seu canto é uma oração/e para quem descobre o som ele é sagrado/o vento é que lhe sopra melodia/estrela dalva, poesia/e a voz é de arrebentação//Caymmi tem espuma no cabelo/e o seu olhar é o sete estrelo/que a três filhos já criou/guardião das tuas lendas, pescador/pintor do que compõe um cantador//Caymmi é o rei do mar, é o soberano/cavaleiro do oceano, Iemanjá que coroou//De todas as marés sabe o segredo/é o canoeiro de São Pedro/o Oba mais velho de Xangô”.
“É tarde/A manhã já vem/Todos dormem/A noite também/Só eu velo/Por você, meu bem/Dorme anjo/O boi pega Neném/Lá no céu/Deixam de cantar/Os anjinhos/Foram se deitar/Mamãezinha Precisa descansar/Dorme, anjo/Papai vae lhe ninar/"Boi, boi, boi,/Boi da cara preta/Pega essa menina/Que tem medo de careta" Acalanto (Dorival Caymmi)
“Mangueira vê no céu dos orixás/o horizonte rosa/no verde do mar/a alvorada veste a fantasia/pra exaltar Caymmi e a velha Bahia/ô ô ô/quanto esplendor/nas igrejas soam hinos de louvor/e pelos terreiros de magia/o ecoar anuncia o novo dia/nessa terra fascinante/a capoeira foi morar/o mundo se encanta(bis)/com as cantigas que fazem sonhar (bis)/lua cheia/leva a jangada pro mar/oh! sereia como é belo o seu cantar/das estrelas/a mais linda tá no Gantois/Mangueira berço do samba/ Caymmi a inspiração/que mora no meu coração/Bahia terra sagrada/de Iemanja e Iansan/Mangueira super campeã/tem xinxim e acarajé/tamborim e samba no pé (bis)” (Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira tem, letra de Lvo, Paulinho e Lula). Em 1986, no Rio, o artista virou enredo da Estação Primeira de Mangueira, com o qual a escola de samba venceu o desfile do carnaval daquele ano. Caymmi foi o primeiro baiano a ganhar o Prêmio Jorge Amado. O compositor foi escolhido por unanimidade para receber o Prêmio Nacional Jorge Amado de Literatura e Arte, edição 2006, dedicado à música popular brasileira.
Tem muitos compositores que lhe homenagearam. Na canção “Nação”, João Bosco, Aldir Blasnc e Paulo Emílio cantam “Dorival Caymmi falou para Oxum/com Silas tou em boa companhia/o céu abraça a terra/deságua o Rio na Bahia”. Em “Buda nagô”, Gilberto Gil revela: “Dorival é um buda nagô/filho da casa real da inspiração/como príncipe principiou/a nova idade da canção”. Toquinho e Vinícius de Moraes em “Tarde de Itapoã” entoavam: “Depois, na praça Caymmi,/sentir preguiça no corpo/e,numa esteira de vime,/beber uma água de coco”.
“Acho o Caymmi ilimitado, como o oceano que ele canta”, definiu Tom Jobim. Já o escritor e amigo Jorge Amado o pintou como “o cantor das graças da Bahia”. Ele foi um dos primeiros compositores a gravar suas próprias canções, numa época em que o habitual era o autor entregar a música para um cantor. Antonio Carlos Jobim lhe admira as modulações de meio-tom. Baden Powell foi buscar nele a base dos sambas-afros. Edu Lobo se ouve nas músicas do baiano. O segredo da linguagem musical de Caymmi, segundo o crítico Luís Antônio Giron (Suplemento Mais, abril 1994) está na simplicidade e na funcionalidade. “Foi autodidata. Começou a tocar violão alterando os acordes perfeitos (dos quais se compõe o sistema tonal), introduzindo dissonâncias, arpejando as cordas com descontinuidade. Possuía na juventude a intuição do artesão, aquele eu redescobre e encena nos dedos a história do som.
“Afastou-se desde o início com a quadratura do samba e da canção porque adotou o único método que tinha à disposição: o modalismo (sistema baseado em escalas diversas) típico da música baiana. Soube dar leveza às cantigas do candomblé e absorveu o espírito da música da cidade”. Em 1992 Chico Buarque compôs e gravou “Paratodos” onde em um trecho canta: “Nessas tortuosas trilhas/a viola me redime/creia, ilustre cavalheiro/contra fel, moléstia, crime/use Dorival Caymmi/vá de Jackson do Pandeiro”.
Já a homenagem de Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro está em “Oba de Xangô”. Diz a letra: “Caymmi é um criador abençoado/navegador das águas da canção/é o compositor do mar predestinado/seu violão tem cordas de sargaço/e foi cortado de um pedaço de uma velha embarcação//Caymmi é um deus do mar reencarnado/por isso que seu canto é uma oração/e para quem descobre o som ele é sagrado/o vento é que lhe sopra melodia/estrela dalva, poesia/e a voz é de arrebentação//Caymmi tem espuma no cabelo/e o seu olhar é o sete estrelo/que a três filhos já criou/guardião das tuas lendas, pescador/pintor do que compõe um cantador//Caymmi é o rei do mar, é o soberano/cavaleiro do oceano, Iemanjá que coroou//De todas as marés sabe o segredo/é o canoeiro de São Pedro/o Oba mais velho de Xangô”.
“É tarde/A manhã já vem/Todos dormem/A noite também/Só eu velo/Por você, meu bem/Dorme anjo/O boi pega Neném/Lá no céu/Deixam de cantar/Os anjinhos/Foram se deitar/Mamãezinha Precisa descansar/Dorme, anjo/Papai vae lhe ninar/"Boi, boi, boi,/Boi da cara preta/Pega essa menina/Que tem medo de careta" Acalanto (Dorival Caymmi)
26 março 2007
Literatura recria vida
A literatura além de ser transmissora de informações, cria em cada leitor aquilo que os sentidos o levam a interpretar. Através da leitura podemos vivenciar aquilo que lemos e criar dentro de nós a imagem proposta pelo texto. Tanto pode ser verídica como pode ser ficção. Muitas vezes a literatura nos ajuda a interpretar a realidade. Certos escritores têm o poder de colocar um instrumento para se ver alguns aspectos do real e do simbólico. Quando a situação é estranha, absurda ou labiríntica, por exemplo, pensamos numa realidade kafkiana. Se você revisitar o passado motivado por uma fotografia, palavra ou mesmo perfume, a situação é proustiana. E quando se mistura ficção e realidade a situação é borgeana. Outros exemplos: Quando o patético e o cômico se fundem cruelmente e tipicamente grotesco reconhecemos uma atmosfera rodrigueana. Se a cena é infernal, mórbida e torturante classificamos de dantesca. E se a situação é de angústia e ansiedade é bem típica de Clarice Lispector.
Esses autores, Franz Kafka, Marcel Proust, Jorge Luis Borges, Nelson Rodrigues, Dante, Clarice Lispector e muitos outros inventaram um modo de ver e interpretar a realidade, organizaram o sentido disperso em nossa angústia e ansiedade diante do caos. Mapearam algo novo em nossa mente. Depois que eles viram as coisas daquele jeito passamos a vê-las com facilidade como se sempre tivesse existido.
O termo kafkiano está associado à burocracia estatal, à condenação do indivíduo, à melancolia e a ironia judaica presente no escritor. Tudo isto está reproduzido em detalhes no absurdo mundo criado e vivenciado por Kafka com suas tramas labirínticas e seu estilo único. Já o élan vital da obra proustiana revigora não apenas a memória da sociedade francesa do fin de siècle, tal como a narrativa de “O Caminho de Guermantes”, mas, sobretudo, revive o microcosmo subjetivo do narrador. A memória proustiana estende-se como com fio entre passado e presente, definindo na analogia e nas associações múltiplas entre percepção, representação e memórias, o princípio condutor da narrativa. Proust não opera com a memória voluntária, mas sim com a involuntária, que independe do esforço consciente da lembrança e traz à tona, através de uma canção ou um odor, por exemplo, recordações de um tempo pretérito, uma cidade ou um amor perdido. O gosto do biscoito Madeleine molhado ao chá faz aflorar involuntariamente a lembrança de Combray, onde passava férias quando criança. A partir daí o autor revive um tempo perdido da infância. O personagem proustiano não é real, real é o que sentimos, o que experimentamos, mentalmente, desse personagem. É a coisa exterior que faz a ligação entre o percebido presente (o biscoito no chá) e aquele percebido esquecido por vivências mais fortes e presentes. Assim a totalidade perdida é restaurada.
O labiríntico, plural e complexo universo borgeano é o de um escritor de fértil inteligência, mistérios e saberes, contraditório manipulador de palavras que faz coexistirem idéias, submetidas a um tratamento estético, à ordem do imaginário, em uma combinação prodigiosa. Em sua riqueza de linguagem e capacidade inventiva ele abre as portas do universo e revela os múltiplos aspectos do ser humano. A busca incessante no labirinto é uma imagem muito borgeana. É a busca pelo conhecimento, pelo saber, a busca do homem por saber quem é. Só eu, para isso, ele depende da morte. A biblioteca (raiz de sua infância) também é uma figura recorrente em sua obra. O fantástico também é um dos pilares em suas narrativas. Ele dedicou sua vida toda a compor enigmas para o leitor decifrar e a engendrar charadas de fino gosto literário cujas soluções são sempre inesperadas. Inventou uma forma de narrar e a ela subordinou seu próprio convívio com familiares e amigos, quando não sua própria. Em geral se valoriza mais em Borges a figura do ensaísta e do contista que a do poeta. Mas ele é um dos poetas fundamentais da língua espanhola no século 20, um dos inventores da poesia moderna em língua espanhola.
Esses autores, Franz Kafka, Marcel Proust, Jorge Luis Borges, Nelson Rodrigues, Dante, Clarice Lispector e muitos outros inventaram um modo de ver e interpretar a realidade, organizaram o sentido disperso em nossa angústia e ansiedade diante do caos. Mapearam algo novo em nossa mente. Depois que eles viram as coisas daquele jeito passamos a vê-las com facilidade como se sempre tivesse existido.
O termo kafkiano está associado à burocracia estatal, à condenação do indivíduo, à melancolia e a ironia judaica presente no escritor. Tudo isto está reproduzido em detalhes no absurdo mundo criado e vivenciado por Kafka com suas tramas labirínticas e seu estilo único. Já o élan vital da obra proustiana revigora não apenas a memória da sociedade francesa do fin de siècle, tal como a narrativa de “O Caminho de Guermantes”, mas, sobretudo, revive o microcosmo subjetivo do narrador. A memória proustiana estende-se como com fio entre passado e presente, definindo na analogia e nas associações múltiplas entre percepção, representação e memórias, o princípio condutor da narrativa. Proust não opera com a memória voluntária, mas sim com a involuntária, que independe do esforço consciente da lembrança e traz à tona, através de uma canção ou um odor, por exemplo, recordações de um tempo pretérito, uma cidade ou um amor perdido. O gosto do biscoito Madeleine molhado ao chá faz aflorar involuntariamente a lembrança de Combray, onde passava férias quando criança. A partir daí o autor revive um tempo perdido da infância. O personagem proustiano não é real, real é o que sentimos, o que experimentamos, mentalmente, desse personagem. É a coisa exterior que faz a ligação entre o percebido presente (o biscoito no chá) e aquele percebido esquecido por vivências mais fortes e presentes. Assim a totalidade perdida é restaurada.
O labiríntico, plural e complexo universo borgeano é o de um escritor de fértil inteligência, mistérios e saberes, contraditório manipulador de palavras que faz coexistirem idéias, submetidas a um tratamento estético, à ordem do imaginário, em uma combinação prodigiosa. Em sua riqueza de linguagem e capacidade inventiva ele abre as portas do universo e revela os múltiplos aspectos do ser humano. A busca incessante no labirinto é uma imagem muito borgeana. É a busca pelo conhecimento, pelo saber, a busca do homem por saber quem é. Só eu, para isso, ele depende da morte. A biblioteca (raiz de sua infância) também é uma figura recorrente em sua obra. O fantástico também é um dos pilares em suas narrativas. Ele dedicou sua vida toda a compor enigmas para o leitor decifrar e a engendrar charadas de fino gosto literário cujas soluções são sempre inesperadas. Inventou uma forma de narrar e a ela subordinou seu próprio convívio com familiares e amigos, quando não sua própria. Em geral se valoriza mais em Borges a figura do ensaísta e do contista que a do poeta. Mas ele é um dos poetas fundamentais da língua espanhola no século 20, um dos inventores da poesia moderna em língua espanhola.
A Divina Comédia descreve uma viagem de Dante através do inferno, purgatório e paraíso. Já o trabalho de Nélson Rodrigues mostra que em todas as tragédias da vida ele transformou em peças de teatro, contos, crônicas e romances. O pai da moderna dramaturgia brasileira abriu caminho para o uso coloquial da língua e inovações na temática dos textos teatrais. Ele transformou as páginas futebolísticas em verdadeiro épico nacional, as crônicas diárias em manifestações do ser de temperamento do povo brasileiro e suas próprias memórias em um drama envolvente e desconcertante, causou a maior revolução no teatro nacional, levando-o, pela primeira vez, a uma dimensão a um só tempo cosmopolita, universal e contemporâneo. O mítico, o psicológico e as tragédias cariocas estão na sua dramaturgia. Por entre peças, contos-romances e crônicas, o escritor nos legou um elenco de frases e personagens cravados na memória brasileira como arquétipos dos abismos da condição humana.
A grande preocupação de Clarice Lispector em seus livros sempre foi a linguagem. Em todos os seus contos e romances, há essa permanente busca pela linguagem, nesse trato da linguagem sempre renovadora, ela experimentou o seu modo de narrar e estruturar seus livros, criando uma das obras mais singulares da nossa literatura. Outro escritor que não se pode esquecer é Guimarães Rosa. O valor da linguagem particular de Rosa não está no rebuscamento das palavras no uso de arcaísmos, mas sim nos neologismos, na recriação, na invenção das palavras, sempre tendo como ponto de partida a fala dos sertanejos, suas expressões, suas particularidades. Com isso, as palavras recriadas ganham força e significados novos.
23 março 2007
Música & Poesia
Miedo ( Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis
Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienem miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienem miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tienem miedo de subir y miedo de bajar
Tienem miedo de la noche y miedo del azul
Tienem miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da
El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor
Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá
Tenho medo de ascender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como un laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar
Tienem miedo de reir y miedo de llorar
Tienem miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienem miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor
El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar
Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo
Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão
Medo de fechar a cara, medo de encarar
Medo de calar a boca, medo de escutar
Medo de passar a perna, medo de cair
Medo de fazer de conta, medo de dormir
Medo de se arrepender, medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez
Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Miedo... que da miedo del miedo que da
Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienem miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienem miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tienem miedo de subir y miedo de bajar
Tienem miedo de la noche y miedo del azul
Tienem miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da
El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor
Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá
Tenho medo de ascender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como un laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar
Tienem miedo de reir y miedo de llorar
Tienem miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienem miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da
Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá
O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor
El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar
Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha
Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo
Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão
O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão
Medo de fechar a cara, medo de encarar
Medo de calar a boca, medo de escutar
Medo de passar a perna, medo de cair
Medo de fazer de conta, medo de dormir
Medo de se arrepender, medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez
Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Miedo... que da miedo del miedo que da
Soneto de separação (Vinicius de Moraes)
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
22 março 2007
Genaro de Carvalho
Artista plástico. Genaro Antonio Dantas de Carvalho nasceu a 10 de novembro de 1926, na Gamboa de Cima, Salvador e faleceu no dia 02 de janeiro de 1971. O apego às artes veio de seu pai, Carlos Alberto, comerciante e pintor domingueiro. Aos 18 anos viaja para o Rio, estudando na Sociedade Brasileira de Belas Artes e, ao mesmo tempo, completando o seu curso científico no Colégio Andrews. No mesmo ano volta a Bahia e participa, juntamente com o pintor Carlos Bastos e o escultor Mário Cravo, do movimento de Arte Moderna, abrindo uma frente contra o academismo de então. Um ano depois Genaro sofre um distúrbio na tiróide, seguida de forte crise nervosa e é assistido pelo médico Peregrino Júnior. A pintura foi sua terapêutica, destinada a garantir a coordenação dos movimentos e a disciplinação da atenção, conseguindo recuperá-lo.
Em 1944, Genaro está entre os participantes da 1ª Mostra de Arte Moderna na Bahia. No mesmo ano teve formação em desenho com Henrique Campos Cavaleiro, na Sociedade Brasileira de Belas Artes, do Rio. No ano seguinte, aproximando-se do médico e escritor Peregrino Júnior, por motivo de saúde, mereceu desse orientação no seu interesse pela obra sobre a Amazônia, da autoria do médico. O próprio artista assinalaria, posteriormente, o nome de Peregrino Júnior como uma das fontes de influência na concepção temática, de caráter ecológico, que assumiria mais tarde. Fez sua primeira exposição individual em 1945, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, e um ano após, no Museu Nacional de Belas Artes, RJ. Somente em 1947 faz seu “debut” na Bahia, expondo na Biblioteca Pública de Salvador e, em seguida, em Fortaleza. Entre 1946 e 1949 participa do movimento de arte moderna na Bahia, viajando para a França, teve aprendizagem junto a André Lhote e de lá mandava crônicas sobre arte para uma coluna de jornal de Salvador sob o título Pintura.
O ano de 1950 é decisivo na carreira do artista. Primeiro, conclui, após prolongado trabalho, o afresco de 200 m2 denominado Festas Regionais, no Hotel da Bahia. Este trabalho lhe confere o prestígio crítico como um dos raros pintores brasileiros a dominar o muralismo. Segundo, por ter participado de quatro salões na França e, finalmente, foi naquela mesma data que fez sua primeira tapeçaria intitulada Plantas Tropicais, medindo 2 m X 1,40 cm. Em 1952 seu temperamento irrequieto e versátil o leva a percorrer novos caminhos no campo estético. Dedica-se à decoração de interiores, fazendo desenhos para móveis modernos, estilo “funcional”, ao lado dos arquitetos Lev Smarcevsky e Antônio Rebouças. Em 1954, Genaro foi visitado na Bahia pelo artista francês Jean Lurçat, consagrado tapeceiro e pintor, motivado pela admiração que lhe causaram os murais do Hotel da Bahia. A consagração do seu trabalho, no entanto, virá em 1955, quando a enciclopédia Delta-Larousse cita Genaro como o fundador da tapeçaria-mural no Brasil. Expõe, então, pela primeira vez, na Petite Galerie do Rio de Janeiro, tapeçarias. Em 1957, no Museu de Arte Moderna em SP e no Museu de Arte Moderna no Rio, e, no ano seguinte no Museu de Arte Moderna (Pampulha), em BH. 1959 é grandemente ocupado por viagem aos Estados Unidos e um ano após faz exposições em Porto Alegre, São Paulo, na Bahia, no Rio, em Zurich (Suiça) e Hamburgo (Alemanha).
Mas Genaro não se contém nos tapetes e quadros onde explora tudo que a cor pode dar, fixando, com talento as nuances tropicais com sensualidade. Parte para os tecidos e por encomenda desenha toda uma linha para a coleção Brasiliane (1960) da Companhia Teodoro Industrial. Em 1961 expõe em Buenos Aires e passa bastante tempo em Mar del Plata, onde pinta uma série de cartões para tapeçaria. 1962 é o ano que inaugura com uma mostra de 60 obras, entre tapeçarias, desenhos e pinturas, a Petite Galerie de SP, expondo, no mês seguinte, dezembro, na galeria de igual nome, no Rio. Em 1963 ele se dispõe a um grande esforço de comunicação de sua arte, sem usar mercado: organiza a exposição para o navio-escola Custódio de Mello, no cruzeiro de vários continentes, e, em setembro do mesmo ano, faz a experiência de uma exposição ar livre, no Campo Grande, em Salvador. Em 1964, visita os EUA e no ano seguinte participa da 2º Bienal Internacional de Tapeçaria em Lausanne, Suíça, a convite, e ainda no mesmo ano, participa de uma exposição coletiva no Museu Hermitage de Leningrado e em Hamburgo. Com um acervo de 30 tapeçarias e 30 cartões-modelos, inaugura em 1966 a sede Brazilian-American Cultural Institute, em Washington. Em 1969 vê publicado o livro Genaro da série Plásticos da Bahia, com 10 reproduções policrômicas da pintura para tapeçaria e 11 desenhos de figuras. Abril de 1971 marca a exposição da série Mulatas, na capela do antigo Solar do Unhão, sede do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Do ponto de vista crítico a última etapa de Genaro é explícita recondução ao figurativo. As mulatas são figuradas sob rigor anatômico e os elementos vegetais se reproduzem em seus novos quadros sob a própria denominação botânica, conforme se verifica nos catálogos de 1971. Sobre sua pintura dessa última fase, escreveram Jorge Amado, Mário Schemberg, Maria Eugênia Franco, Romano Galeffi, Carlos Eduardo da Rocha, Odylo Costa Filho, e outros. Genaro ainda estava no Rio de Janeiro acompanhando sua última exposição quando, por algum motivo de saúde, desejou voltar rápido para a sua cidade. Há alguns anos já padecia de hipertensão. Faleceu, em consequência de acidente vascular cerebral, a 02 de julho de 1971, em Salvador, Bahia. O desenho, a pintura e a tapeçaria foram os meios de expressividade de Genaro de Carvalho. Para os seus críticos mais íntimos, será justo somar-se o muralismo, a decoração de interior, as colagens e as assemblagens. Bem poucos artistas brasileiros, em vida, tiveram a consagração espiritual e material conseguida por Genaro de Carvalho. Sua arte, hoje, se espalha pelos quatro cantos do Mundo.
Em 1944, Genaro está entre os participantes da 1ª Mostra de Arte Moderna na Bahia. No mesmo ano teve formação em desenho com Henrique Campos Cavaleiro, na Sociedade Brasileira de Belas Artes, do Rio. No ano seguinte, aproximando-se do médico e escritor Peregrino Júnior, por motivo de saúde, mereceu desse orientação no seu interesse pela obra sobre a Amazônia, da autoria do médico. O próprio artista assinalaria, posteriormente, o nome de Peregrino Júnior como uma das fontes de influência na concepção temática, de caráter ecológico, que assumiria mais tarde. Fez sua primeira exposição individual em 1945, na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, e um ano após, no Museu Nacional de Belas Artes, RJ. Somente em 1947 faz seu “debut” na Bahia, expondo na Biblioteca Pública de Salvador e, em seguida, em Fortaleza. Entre 1946 e 1949 participa do movimento de arte moderna na Bahia, viajando para a França, teve aprendizagem junto a André Lhote e de lá mandava crônicas sobre arte para uma coluna de jornal de Salvador sob o título Pintura.
O ano de 1950 é decisivo na carreira do artista. Primeiro, conclui, após prolongado trabalho, o afresco de 200 m2 denominado Festas Regionais, no Hotel da Bahia. Este trabalho lhe confere o prestígio crítico como um dos raros pintores brasileiros a dominar o muralismo. Segundo, por ter participado de quatro salões na França e, finalmente, foi naquela mesma data que fez sua primeira tapeçaria intitulada Plantas Tropicais, medindo 2 m X 1,40 cm. Em 1952 seu temperamento irrequieto e versátil o leva a percorrer novos caminhos no campo estético. Dedica-se à decoração de interiores, fazendo desenhos para móveis modernos, estilo “funcional”, ao lado dos arquitetos Lev Smarcevsky e Antônio Rebouças. Em 1954, Genaro foi visitado na Bahia pelo artista francês Jean Lurçat, consagrado tapeceiro e pintor, motivado pela admiração que lhe causaram os murais do Hotel da Bahia. A consagração do seu trabalho, no entanto, virá em 1955, quando a enciclopédia Delta-Larousse cita Genaro como o fundador da tapeçaria-mural no Brasil. Expõe, então, pela primeira vez, na Petite Galerie do Rio de Janeiro, tapeçarias. Em 1957, no Museu de Arte Moderna em SP e no Museu de Arte Moderna no Rio, e, no ano seguinte no Museu de Arte Moderna (Pampulha), em BH. 1959 é grandemente ocupado por viagem aos Estados Unidos e um ano após faz exposições em Porto Alegre, São Paulo, na Bahia, no Rio, em Zurich (Suiça) e Hamburgo (Alemanha).
Mas Genaro não se contém nos tapetes e quadros onde explora tudo que a cor pode dar, fixando, com talento as nuances tropicais com sensualidade. Parte para os tecidos e por encomenda desenha toda uma linha para a coleção Brasiliane (1960) da Companhia Teodoro Industrial. Em 1961 expõe em Buenos Aires e passa bastante tempo em Mar del Plata, onde pinta uma série de cartões para tapeçaria. 1962 é o ano que inaugura com uma mostra de 60 obras, entre tapeçarias, desenhos e pinturas, a Petite Galerie de SP, expondo, no mês seguinte, dezembro, na galeria de igual nome, no Rio. Em 1963 ele se dispõe a um grande esforço de comunicação de sua arte, sem usar mercado: organiza a exposição para o navio-escola Custódio de Mello, no cruzeiro de vários continentes, e, em setembro do mesmo ano, faz a experiência de uma exposição ar livre, no Campo Grande, em Salvador. Em 1964, visita os EUA e no ano seguinte participa da 2º Bienal Internacional de Tapeçaria em Lausanne, Suíça, a convite, e ainda no mesmo ano, participa de uma exposição coletiva no Museu Hermitage de Leningrado e em Hamburgo. Com um acervo de 30 tapeçarias e 30 cartões-modelos, inaugura em 1966 a sede Brazilian-American Cultural Institute, em Washington. Em 1969 vê publicado o livro Genaro da série Plásticos da Bahia, com 10 reproduções policrômicas da pintura para tapeçaria e 11 desenhos de figuras. Abril de 1971 marca a exposição da série Mulatas, na capela do antigo Solar do Unhão, sede do Museu de Arte Moderna da Bahia.
Do ponto de vista crítico a última etapa de Genaro é explícita recondução ao figurativo. As mulatas são figuradas sob rigor anatômico e os elementos vegetais se reproduzem em seus novos quadros sob a própria denominação botânica, conforme se verifica nos catálogos de 1971. Sobre sua pintura dessa última fase, escreveram Jorge Amado, Mário Schemberg, Maria Eugênia Franco, Romano Galeffi, Carlos Eduardo da Rocha, Odylo Costa Filho, e outros. Genaro ainda estava no Rio de Janeiro acompanhando sua última exposição quando, por algum motivo de saúde, desejou voltar rápido para a sua cidade. Há alguns anos já padecia de hipertensão. Faleceu, em consequência de acidente vascular cerebral, a 02 de julho de 1971, em Salvador, Bahia. O desenho, a pintura e a tapeçaria foram os meios de expressividade de Genaro de Carvalho. Para os seus críticos mais íntimos, será justo somar-se o muralismo, a decoração de interior, as colagens e as assemblagens. Bem poucos artistas brasileiros, em vida, tiveram a consagração espiritual e material conseguida por Genaro de Carvalho. Sua arte, hoje, se espalha pelos quatro cantos do Mundo.
21 março 2007
“O amor vê não com os olhos, mas com a mente”.
Alguns poetas davam a entender que a origem do amor era totalmente orgânica. Outros acreditavam à atividade profunda do coração a verdadeira origem. Para o estudioso Bronislaw Malinowski em seu livro The Sexual Life of Savages (Londres, 1929), o amor “é uma paixão que atormenta a mente e o corpo em maior ou menor extensão; conduz muitos a um impasse, um escândalo ou uma tragédia; mas raramente, ilumina a vida e faz com que o coração se expanda e transborde de alegria”.
Apesar de a beleza atrair nossa atenção, o sentido duradouro da beleza de uma pessoa revela-se em estágios. Pode ser através das qualidades criadas pelo entusiasmo, inteligência, sagacidade, curiosidade, doçura, paixão, talento e graça. Como disse Shakespeare em “Sonhos de uma Noite de Verão”: “O amor vê não com os olhos, mas com a mente”. “Amar é um deserto e seus temores/vida que vai nas celas dessas dores/não sabe voltar/me dá teu calor/vem me fazer feliz por que eu te amo/você deságua em mim e eu oceano/e esqueço que amor é quase uma dor/só sei viver/se for por você”, revela o apaixonado Djavan na bela Oceano.
Para o baiano Raimundo Sodré, “amar é coisa fina/é porcelana da China/que não deve se quebrar/porque uma dor desatina/e as garras desta felina/coração dilacera” (Desejo de Amar). Para Edil Pacheco e João Nogueira, “é bom viver de amor/e até morrer de amor é bom”. Na canção De Amor é Bom eles afirmam que “o amor não quer poder/não quer dinheiro não/o amor n]ao quer beber/o vinho da ilusão/o amor é bem querer/é a fonte da emoção/então lugar de amor/é mesmo o coração”. Já Renato Russo diz que “é ó o amor que conhece o que é verdade” (Monte Castelo).
Na composição de Isolda e Milton Carlos, Roberto Carlos declara: “Eu quero seu amor a qualquer preço/quero que você me tenha até pelo avesso/pra me sentir envolvida em seus cabelos/faça de mim o que quiser/você é meu homem, sou sua mulher” (Pelo Avesso). Um dos maiores clássicos da MPB, “Eu Sei que Vou te Amar”, os poetas Tom Jobim e Vinicius de Moraes se declaram à amada: “Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar/a cada despedida eu vou te amar, desesperadamente eu sei que eu/vou te amar e cada verso meu será pra te/dizer que eu sei que vou te/amar por toda a minha vida eu/sei que vou chorar, a cada ausência tua eu vou chorar, mas cada volta/tua há de apagar o que essa ausência tua me causou, eu/sei que vou sofrer, a eterna desventura de viver, a espera de viver ao lado teu por/toda a minha vida”.
Não dá para esquecer a bela “Eu Te Amo”, de Tom Jobim e Chico Buarque: “Ah, se já perdemos a noção da hora/se juntos já jogamos tudo fora/me conta agora como hei de partir/Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios/rompi com o mundo, queimei meus navios/me diz pra onde é que inda posso ir/Se nós, nas travessuras das noites eternas/já confundimos tanto as nossas pernas/diz com que pernas eu devo seguir/Se entornaste a nossa sorte pelo chão/se na bagunça do teu coração/meu sangue errou de veia e se perdeu/como, se na desordem do armário embutido/meu paletó enlaça o teu vestido/e o meu sapato inda pisa no teu/como, se nos amamos feito dois pagãos/teus seios inda estão nas minhas mãos/me explica com que cara eu vou sair/não, acho que estás te fazendo de tonta/te dei meus olhos pra tomares conta/agora conta como hei de partir”
Um beijo fez com que Johnny Alf descobrisse o amor: “É só olhar, depois sorrir, depois gostar/você olhou, você sorriu, me fez gostar/quis controlar meu coração/mas foi tão grande a emoção/de sua boca ouvi dizer ´quero você´/quis responder, quis lhe abraçar/tudo falhou/porém você me segurou e me beijou/agora eu posso argumentar/se perguntarem o que é amar” (O Que é Amar). Já Chitãozinho e Xororó e Zé Ramalho afirmam em “Sinônimos” que sinônimo de amor é amar: “Quanto o tempo o coração, leva pra saber/que o sinônimo de amar é sofrer/no aroma de amores pode haver espinhos/ é como ter mulheres e milhões e ser sozinho/ na solidão de casa, descansar/ o sentido da vida, encontrar/ ninguém pode dizer onde a felicidade está// O amor é feito de paixões/ e quando perde a razão/não sabe quem vai machucar/quem ama nunca sente medo/de contar o seu segredo/sinônimo de amor é amar”
Apesar de a beleza atrair nossa atenção, o sentido duradouro da beleza de uma pessoa revela-se em estágios. Pode ser através das qualidades criadas pelo entusiasmo, inteligência, sagacidade, curiosidade, doçura, paixão, talento e graça. Como disse Shakespeare em “Sonhos de uma Noite de Verão”: “O amor vê não com os olhos, mas com a mente”. “Amar é um deserto e seus temores/vida que vai nas celas dessas dores/não sabe voltar/me dá teu calor/vem me fazer feliz por que eu te amo/você deságua em mim e eu oceano/e esqueço que amor é quase uma dor/só sei viver/se for por você”, revela o apaixonado Djavan na bela Oceano.
Para o baiano Raimundo Sodré, “amar é coisa fina/é porcelana da China/que não deve se quebrar/porque uma dor desatina/e as garras desta felina/coração dilacera” (Desejo de Amar). Para Edil Pacheco e João Nogueira, “é bom viver de amor/e até morrer de amor é bom”. Na canção De Amor é Bom eles afirmam que “o amor não quer poder/não quer dinheiro não/o amor n]ao quer beber/o vinho da ilusão/o amor é bem querer/é a fonte da emoção/então lugar de amor/é mesmo o coração”. Já Renato Russo diz que “é ó o amor que conhece o que é verdade” (Monte Castelo).
Na composição de Isolda e Milton Carlos, Roberto Carlos declara: “Eu quero seu amor a qualquer preço/quero que você me tenha até pelo avesso/pra me sentir envolvida em seus cabelos/faça de mim o que quiser/você é meu homem, sou sua mulher” (Pelo Avesso). Um dos maiores clássicos da MPB, “Eu Sei que Vou te Amar”, os poetas Tom Jobim e Vinicius de Moraes se declaram à amada: “Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar/a cada despedida eu vou te amar, desesperadamente eu sei que eu/vou te amar e cada verso meu será pra te/dizer que eu sei que vou te/amar por toda a minha vida eu/sei que vou chorar, a cada ausência tua eu vou chorar, mas cada volta/tua há de apagar o que essa ausência tua me causou, eu/sei que vou sofrer, a eterna desventura de viver, a espera de viver ao lado teu por/toda a minha vida”.
Não dá para esquecer a bela “Eu Te Amo”, de Tom Jobim e Chico Buarque: “Ah, se já perdemos a noção da hora/se juntos já jogamos tudo fora/me conta agora como hei de partir/Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios/rompi com o mundo, queimei meus navios/me diz pra onde é que inda posso ir/Se nós, nas travessuras das noites eternas/já confundimos tanto as nossas pernas/diz com que pernas eu devo seguir/Se entornaste a nossa sorte pelo chão/se na bagunça do teu coração/meu sangue errou de veia e se perdeu/como, se na desordem do armário embutido/meu paletó enlaça o teu vestido/e o meu sapato inda pisa no teu/como, se nos amamos feito dois pagãos/teus seios inda estão nas minhas mãos/me explica com que cara eu vou sair/não, acho que estás te fazendo de tonta/te dei meus olhos pra tomares conta/agora conta como hei de partir”
Um beijo fez com que Johnny Alf descobrisse o amor: “É só olhar, depois sorrir, depois gostar/você olhou, você sorriu, me fez gostar/quis controlar meu coração/mas foi tão grande a emoção/de sua boca ouvi dizer ´quero você´/quis responder, quis lhe abraçar/tudo falhou/porém você me segurou e me beijou/agora eu posso argumentar/se perguntarem o que é amar” (O Que é Amar). Já Chitãozinho e Xororó e Zé Ramalho afirmam em “Sinônimos” que sinônimo de amor é amar: “Quanto o tempo o coração, leva pra saber/que o sinônimo de amar é sofrer/no aroma de amores pode haver espinhos/ é como ter mulheres e milhões e ser sozinho/ na solidão de casa, descansar/ o sentido da vida, encontrar/ ninguém pode dizer onde a felicidade está// O amor é feito de paixões/ e quando perde a razão/não sabe quem vai machucar/quem ama nunca sente medo/de contar o seu segredo/sinônimo de amor é amar”
20 março 2007
O mar da vida (2)
A vida começou no mar, o local das nossas origens. O mar, o oceano, as águas salgadas, os rios doces que nos separam e nos unem para fora e para dentro de nossas identidades múltiplas e únicas. Não dá para esquecer o mar de Fernando Pessoa (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”), dos jangadeiros do nordeste, de Caymmi (“O mar quando quebra na praia/É bonito, é bonito”), o mar dos navegadores portugueses, o mar de Castro Alves e de Gonçalves Dias, o mar de João Bosco (“Sou caçador de tesouros/Nas minas do mar”), o mar de Chico Buarque (“Sei que há léguas a nos separar/Tanto mar, tanto mar”), e de Tom Jobim (“O resto é mar, é tudo que não sei contar/São coisas lindas que eu tenho pra te dar”), o mar morte de Jorge Amado e o vivo de Gabriela, cravo e canela e o mar mito da origem e da consumação, o mar de Camões.
A superfície do planeta Terra é recoberta por uma imensa massa líquida (cerca de 71%) que alguns chamam de oceano mundial, tradicionalmente dividido em entidades geográficas menores - o Pacífico, o Atlântico, o Índico, o Ártico. Cada um deles engloba diversas porções menores, os mares, delimitados normalmente por ilhas ou por recortes do litoral. Os oceanos desempenham papel crucial no equilíbrio natural da Terra, especialmente por atuarem como reguladores térmicos. As influências oceânicas diretas sobre as áreas continentais, de maneira geral, não chegam além dos 100 quilômetros da costa. Contudo, é justamente nas áreas distantes até cerca 60 quilômetros do litoral que se concentra perto de 75% da população mundial. Tudo o que ocorre nos oceanos, inclusive as diversas formas de poluição, interessa direta ou indiretamente à maioria da humanidade.
Os oceanos são locais de passagem, de contatos comerciais e culturais e também fontes de recursos bastante diversificados. A tradicional atividade pesqueira e a extração do petróleo têm se verificado de forma cada vez mais intensa. Em função da importância econômica dessas riquezas, a exploração dos espaços marítimos constitui, cada vez mais, objeto de competição internacional. Em várias regiões do mundo ocorrem disputas de soberania sobre áreas oceânicas. Gregos e turcos, há décadas, discutem a soberania sobre espaços marítimos do Mar Egeu, que abriga sob a plataforma continental importantes jazidas petrolíferas. Ilhas oceânicas também são focos de disputa: a China e outros quatro países do Sudeste Asiático disputam a posse de alguns arquipélagos do Mar da China Meridional. As Ilhas Curilas são, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, foco de controvérsias entre Rússia e Japão. O arquipélago das Malvinas (ou Falkland) foi o epicentro da guerra que envolveu a Grã Bretanha e a Argentina, em 1982.
Durante muito tempo o homem acreditou que os oceanos pudessem ser uma espécie de "lixeira" do planeta. As imensas massas líquidas dos oceanos seriam capazes de "digerir" a sujeira e o lixo lançados por cidades e indústrias. No último século, contudo, o desenvolvimento urbano-industrial e o acelerado crescimento demográfico geraram quantidades extraordinárias de dejetos orgânicos e inorgânicos. A continuidade do lançamento de dejetos nos oceanos poderá comprometê-los seriamente, como fonte de alimentos e área de lazer para as gerações futuras.
A ação do homem sobre a natureza muitas vezes tem sido nefasta, causando problemas graves não só para o meio ambiente mas também para as próprias sociedades humanas. Um dos maiores desastres ambientais e humanos que se tem notícia vem se verificando nas últimas décadas na Ásia Central, mais especificamente nas regiões próximas do mar de Aral. Esse mar, que na verdade é um lago, abrange terras do Casaquistão e do Usbequistão, duas repúblicas que, até 1991, faziam parte da extinta União Soviética. Em língua turca, o Aral é comparado à uma ilha: “uma ilha de água num mar de desertos”. O recuo da superfície do mar foi deixando em seu leito seco milhares de hectares de áreas desérticas, recobertas por sais que os ventos dispersam por uma vasta região. A água residual do mar, assim como aquela do curso inferior dos rios tiveram seu teor de sal aumentado assim como a carga de resíduos químicos e bacteriológicos fruto da utilização abusiva de adubos, pesticidas e desfolhantes químicos.
À catástrofe ambiental, aliou-se a decadência econômica e social da região que já figurava como uma das mais pobres de toda a ex-URSS. Mais de um milhão de pessoas já estão ou estarão expostas à ameaças de poluição tóxica, resultantes de uma múltipla contaminação química em seus corpos. Dentre os habitantes da região, as mulheres e as crianças são as mais afetadas. Nos últimos 20 anos houve um aumento brutal de doenças que atacam os rins, o fígado, especialmente câncer, como também um incremento desmesurado de doenças artríticas e bronquite crônica. A independência das repúblicas da antiga Ásia Central soviética em 1991, acendeu esperanças de melhora da situação. Os programas de assistência colocados em prática, especialmente por organizações internacionais, todavia, surtiram pouco efeito. Contudo sua presença tem possibilitado alertar a opinião pública internacional para a situação dramática vivida pelas populações atingidas pela catástrofe, vítimas de políticas econômicas absurdas postas em prática por governos autoritários.
A superfície do planeta Terra é recoberta por uma imensa massa líquida (cerca de 71%) que alguns chamam de oceano mundial, tradicionalmente dividido em entidades geográficas menores - o Pacífico, o Atlântico, o Índico, o Ártico. Cada um deles engloba diversas porções menores, os mares, delimitados normalmente por ilhas ou por recortes do litoral. Os oceanos desempenham papel crucial no equilíbrio natural da Terra, especialmente por atuarem como reguladores térmicos. As influências oceânicas diretas sobre as áreas continentais, de maneira geral, não chegam além dos 100 quilômetros da costa. Contudo, é justamente nas áreas distantes até cerca 60 quilômetros do litoral que se concentra perto de 75% da população mundial. Tudo o que ocorre nos oceanos, inclusive as diversas formas de poluição, interessa direta ou indiretamente à maioria da humanidade.
Os oceanos são locais de passagem, de contatos comerciais e culturais e também fontes de recursos bastante diversificados. A tradicional atividade pesqueira e a extração do petróleo têm se verificado de forma cada vez mais intensa. Em função da importância econômica dessas riquezas, a exploração dos espaços marítimos constitui, cada vez mais, objeto de competição internacional. Em várias regiões do mundo ocorrem disputas de soberania sobre áreas oceânicas. Gregos e turcos, há décadas, discutem a soberania sobre espaços marítimos do Mar Egeu, que abriga sob a plataforma continental importantes jazidas petrolíferas. Ilhas oceânicas também são focos de disputa: a China e outros quatro países do Sudeste Asiático disputam a posse de alguns arquipélagos do Mar da China Meridional. As Ilhas Curilas são, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, foco de controvérsias entre Rússia e Japão. O arquipélago das Malvinas (ou Falkland) foi o epicentro da guerra que envolveu a Grã Bretanha e a Argentina, em 1982.
Durante muito tempo o homem acreditou que os oceanos pudessem ser uma espécie de "lixeira" do planeta. As imensas massas líquidas dos oceanos seriam capazes de "digerir" a sujeira e o lixo lançados por cidades e indústrias. No último século, contudo, o desenvolvimento urbano-industrial e o acelerado crescimento demográfico geraram quantidades extraordinárias de dejetos orgânicos e inorgânicos. A continuidade do lançamento de dejetos nos oceanos poderá comprometê-los seriamente, como fonte de alimentos e área de lazer para as gerações futuras.
A ação do homem sobre a natureza muitas vezes tem sido nefasta, causando problemas graves não só para o meio ambiente mas também para as próprias sociedades humanas. Um dos maiores desastres ambientais e humanos que se tem notícia vem se verificando nas últimas décadas na Ásia Central, mais especificamente nas regiões próximas do mar de Aral. Esse mar, que na verdade é um lago, abrange terras do Casaquistão e do Usbequistão, duas repúblicas que, até 1991, faziam parte da extinta União Soviética. Em língua turca, o Aral é comparado à uma ilha: “uma ilha de água num mar de desertos”. O recuo da superfície do mar foi deixando em seu leito seco milhares de hectares de áreas desérticas, recobertas por sais que os ventos dispersam por uma vasta região. A água residual do mar, assim como aquela do curso inferior dos rios tiveram seu teor de sal aumentado assim como a carga de resíduos químicos e bacteriológicos fruto da utilização abusiva de adubos, pesticidas e desfolhantes químicos.
À catástrofe ambiental, aliou-se a decadência econômica e social da região que já figurava como uma das mais pobres de toda a ex-URSS. Mais de um milhão de pessoas já estão ou estarão expostas à ameaças de poluição tóxica, resultantes de uma múltipla contaminação química em seus corpos. Dentre os habitantes da região, as mulheres e as crianças são as mais afetadas. Nos últimos 20 anos houve um aumento brutal de doenças que atacam os rins, o fígado, especialmente câncer, como também um incremento desmesurado de doenças artríticas e bronquite crônica. A independência das repúblicas da antiga Ásia Central soviética em 1991, acendeu esperanças de melhora da situação. Os programas de assistência colocados em prática, especialmente por organizações internacionais, todavia, surtiram pouco efeito. Contudo sua presença tem possibilitado alertar a opinião pública internacional para a situação dramática vivida pelas populações atingidas pela catástrofe, vítimas de políticas econômicas absurdas postas em prática por governos autoritários.
19 março 2007
O mar da vida (1)
“O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Há um registro de poesia popular no pior momento da seca de 1887, na Paraíba que diz: “É-me preciso mudar/ Da terra que amo e moro/Terra que muito adoro,/ A minha pátria natal/Magino na beira-mar,/ Me entristece o coração,/Lagadiço, lameirão,/Pois a fome não é peca,/Nesta tão terrível seca,/ Foge, povo do sertão!” Os compositores Sá e Guarabira profetizaram: Vão mexer no rio São Francisco. “O homem chega já desfaz a natureza/Tira gente põe represa, diz que tudo vai mudar /O São Francisco lá pra cima da Bahia/ Diz que dia menos dia, vai subir bem devagar/E passo a passo, vai cumprindo a profecia/ Do beato que dizia que o sertão ia alagar/O sertão vai virar mar/ Dói no coração/ o medo que algum dia/O mar também vire sertão”.
A água potável é um recurso finito, que se reparte desigualmente pela superfície terrestre. Em seu ciclo natural a água é um recurso renovável, mas suas reservas não são ilimitadas. Diversos especialistas têm alertado que, se o consumo continuar crescendo como nas últimas décadas, todas as águas superficiais do planeta estarão comprometidas daqui a alguns anos. A carência de água é resultado da combinação de efeitos naturais, demográficos, sócio-econômicos e até culturais. Chuvas escassas, alto crescimento demográfico, desperdício e poluição de mananciais se combinam para gerar uma situação denominada de “estresse hídrico”.
A escassez de água em áreas do mundo, especialmente no Oriente Médio, tem feito surgir tensões geopolíticas geradas por conta da disputa pelo domínio e utilização de fontes de água, especialmente rios, quando estes atravessam regiões de vários Estados. Um dos pontos da explosiva Questão Palestina diz respeito à utilização das fontes hídricas existentes na Cisjordânia, região localizada junto ao baixo vale do rio Jordão. Síria, Iraque e Turquia há muito tempo vêm tendo desavenças sérias no que diz respeito à utilização das águas dos rios Tigre e Eufrates, que têm suas nascentes em território turco mas, que cruzam áreas dos outros dois países. Muitos especialistas já chegam a afirmar que os eventuais conflitos que ocorrerem no Oriente Médio ao longo do século XXI serão causados cada vez mais pela água e cada vez menos pelo petróleo.
Apesar de 75% da superfície do planeta ser recoberta por massas líquidas, a água doce não representa mais que 3% desse total. O problema é que apenas um terço da água (presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera) é acessível. O restante está imobilizado nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos. Atualmente cerca de 50% das terras emersas já enfrentam um estado de penúria em água. De cada cinco seres humanos, um está privado de água de boa qualidade para consumo e cerca de metade dos habitantes do planeta não dispõe de uma rede de abastecimento satisfatória. Ao longo do século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete. Ao mesmo tempo, nas últimas cinco décadas, a poluição dos mananciais reduziu as reservas hídricas em um terço.
Os recursos disponíveis atualmente poderiam ser utilizados de forma mais eficaz se fossem reduzidas a poluição, desenvolvidos processos de reciclagem das águas, houvesse uma melhor conservação das redes de distribuição, fosse evitado o desperdício e aceleradas as pesquisas sobre culturas agrícolas menos exigentes à água e mais tolerantes ao sal. A dessalinização da água do mar só é realizada em poucos países e, mesmo assim, as quantidades obtidas não cobrem as grandes necessidades.
Quatro grandes bacias hidrográficas – Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Paraná - são responsáveis por 85% de nossa produção hídrica. Apesar do Brasil possuir abundância de águas superficiais, esses recursos hídricos não estão distribuídos eqüitativamente pelo território. A aparente abundância de água no Brasil tem sustentado uma cultura de desperdícios, enquanto legitima a carência de investimentos em programas de uso e proteção de mananciais.
O Brasil celebrou em janeiro deste ano uma década de sanção da Lei das Águas, que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos. Um dos poucos centros dessa lei – inspirada no modelo francês, que permite a administração participativa e descentralizada dos recursos hídricos – estabelece que a gestão deve ser realizada por bacia hidrográfica e que a água passa a ter valor econômico. Na opinião de especialistas no tema, mesmo com a vigência por dez nos da Lei das Águas, atualmente a gestão dos recursos hídricos no Brasil ainda é incipiente. Uma das principais falhas apontadas se refere à pequena participação pública nos comitês de bacias.
“E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/vê-la desfiar seu fio,/ que também se chama vida,/ver a fábrica que ela mesma,/ teimosamente, se fabrica,/vê-la brotar como há pouco/ em nova vida explodida;/mesmo quando é assim pequena/ a explosão , como a ocorrida;/mesmo quando é uma explosão/ como a de pouco, franzina;/mesmo quando é uma explosão/ de uma vida severina” (Morte e Vida Severina:auto de Natal pernambucano,de João Cabral de Melo Neto)
A água potável é um recurso finito, que se reparte desigualmente pela superfície terrestre. Em seu ciclo natural a água é um recurso renovável, mas suas reservas não são ilimitadas. Diversos especialistas têm alertado que, se o consumo continuar crescendo como nas últimas décadas, todas as águas superficiais do planeta estarão comprometidas daqui a alguns anos. A carência de água é resultado da combinação de efeitos naturais, demográficos, sócio-econômicos e até culturais. Chuvas escassas, alto crescimento demográfico, desperdício e poluição de mananciais se combinam para gerar uma situação denominada de “estresse hídrico”.
A escassez de água em áreas do mundo, especialmente no Oriente Médio, tem feito surgir tensões geopolíticas geradas por conta da disputa pelo domínio e utilização de fontes de água, especialmente rios, quando estes atravessam regiões de vários Estados. Um dos pontos da explosiva Questão Palestina diz respeito à utilização das fontes hídricas existentes na Cisjordânia, região localizada junto ao baixo vale do rio Jordão. Síria, Iraque e Turquia há muito tempo vêm tendo desavenças sérias no que diz respeito à utilização das águas dos rios Tigre e Eufrates, que têm suas nascentes em território turco mas, que cruzam áreas dos outros dois países. Muitos especialistas já chegam a afirmar que os eventuais conflitos que ocorrerem no Oriente Médio ao longo do século XXI serão causados cada vez mais pela água e cada vez menos pelo petróleo.
Apesar de 75% da superfície do planeta ser recoberta por massas líquidas, a água doce não representa mais que 3% desse total. O problema é que apenas um terço da água (presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera) é acessível. O restante está imobilizado nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos. Atualmente cerca de 50% das terras emersas já enfrentam um estado de penúria em água. De cada cinco seres humanos, um está privado de água de boa qualidade para consumo e cerca de metade dos habitantes do planeta não dispõe de uma rede de abastecimento satisfatória. Ao longo do século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete. Ao mesmo tempo, nas últimas cinco décadas, a poluição dos mananciais reduziu as reservas hídricas em um terço.
Os recursos disponíveis atualmente poderiam ser utilizados de forma mais eficaz se fossem reduzidas a poluição, desenvolvidos processos de reciclagem das águas, houvesse uma melhor conservação das redes de distribuição, fosse evitado o desperdício e aceleradas as pesquisas sobre culturas agrícolas menos exigentes à água e mais tolerantes ao sal. A dessalinização da água do mar só é realizada em poucos países e, mesmo assim, as quantidades obtidas não cobrem as grandes necessidades.
Quatro grandes bacias hidrográficas – Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Paraná - são responsáveis por 85% de nossa produção hídrica. Apesar do Brasil possuir abundância de águas superficiais, esses recursos hídricos não estão distribuídos eqüitativamente pelo território. A aparente abundância de água no Brasil tem sustentado uma cultura de desperdícios, enquanto legitima a carência de investimentos em programas de uso e proteção de mananciais.
O Brasil celebrou em janeiro deste ano uma década de sanção da Lei das Águas, que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos. Um dos poucos centros dessa lei – inspirada no modelo francês, que permite a administração participativa e descentralizada dos recursos hídricos – estabelece que a gestão deve ser realizada por bacia hidrográfica e que a água passa a ter valor econômico. Na opinião de especialistas no tema, mesmo com a vigência por dez nos da Lei das Águas, atualmente a gestão dos recursos hídricos no Brasil ainda é incipiente. Uma das principais falhas apontadas se refere à pequena participação pública nos comitês de bacias.
“E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/vê-la desfiar seu fio,/ que também se chama vida,/ver a fábrica que ela mesma,/ teimosamente, se fabrica,/vê-la brotar como há pouco/ em nova vida explodida;/mesmo quando é assim pequena/ a explosão , como a ocorrida;/mesmo quando é uma explosão/ como a de pouco, franzina;/mesmo quando é uma explosão/ de uma vida severina” (Morte e Vida Severina:auto de Natal pernambucano,de João Cabral de Melo Neto)
16 março 2007
Música & Poesia
FM Rebeldia (Alceu Valença)
Um dia eu tive um sonho
Que havia começado a grande guerra
Entre o morro e a cidade
E o meu amigo Melodia
Era o Comandante-em-Chefe
Da primeira bateria
Lá do morro de São Carlos
Ele falava, eu entendia
Você precisa escutar a rebeldia
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
O pão e circo e o poder da maioria
Um país em harmonia
Com seu povo alimentado
E era um sonho ao som
De um samba tão bonito
Que quase não acredito
Eu não queria acordar
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
Um dia desses
Alguém falava, eu entendia
Nós precisamos conviver em harmonia
Ele falava, eu entendia
Você precisa escutar a rebeldia
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
O pão e circo e o poder da maioria
O país bem poderia
Ter seu povo alimentado
Mapa (Murilo Mendes)
Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido.
Depois chego à consciência da terra.
Ando como os outros,
Me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem,
vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos no ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
Tonto de vidas, de cheiro, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com meus antepassados,
Saio às ruas combatendo personagens imaginários,
Estou com meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou do outro lado do mundo,
daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso
estar presente em todos os atos da vida.
O mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.
Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários,
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor,
outras caras aparecerão na Terra.
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Almas desesperadas eu vos amo.
Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida,
os homens “práticos”...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, viva eu,
que inauguro no mundo um estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor.
Não me inscrevo em nenhuma teoria.
Estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto na praia do Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre,sempre em transformação.
Um dia eu tive um sonho
Que havia começado a grande guerra
Entre o morro e a cidade
E o meu amigo Melodia
Era o Comandante-em-Chefe
Da primeira bateria
Lá do morro de São Carlos
Ele falava, eu entendia
Você precisa escutar a rebeldia
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
O pão e circo e o poder da maioria
Um país em harmonia
Com seu povo alimentado
E era um sonho ao som
De um samba tão bonito
Que quase não acredito
Eu não queria acordar
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
Um dia desses
Alguém falava, eu entendia
Nós precisamos conviver em harmonia
Ele falava, eu entendia
Você precisa escutar a rebeldia
Pantera Negra, FM Rebeldia
Transmitindo da Rocinha
Primeiro comunicado
O pão e circo e o poder da maioria
O país bem poderia
Ter seu povo alimentado
Mapa (Murilo Mendes)
Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido.
Depois chego à consciência da terra.
Ando como os outros,
Me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem,
vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos no ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
Tonto de vidas, de cheiro, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com meus antepassados,
Saio às ruas combatendo personagens imaginários,
Estou com meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou do outro lado do mundo,
daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso
estar presente em todos os atos da vida.
O mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.
Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários,
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor,
outras caras aparecerão na Terra.
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Almas desesperadas eu vos amo.
Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida,
os homens “práticos”...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, viva eu,
que inauguro no mundo um estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor.
Não me inscrevo em nenhuma teoria.
Estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto na praia do Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre,sempre em transformação.
15 março 2007
Reverência ao samba
Compositor de alma, Riachão foi reverenciado como o sambista de maior expressão e longevidade da Bahia. Este ano ele foi personagem-símbolo da maior festa popular do Brasil, o Carnaval. A reverência ao samba como forma de folia momesca foi uma forma de resgate e a busca por uma maior valorização deste gênero. E foi justamente em 1917 (há 90 anos) que o conhecido samba carnavalesco, “Pelo Telefone” estourou no Carnaval. Gravado pela Casa Edison, na voz de Baiano, a composição assinada por Donga e Mauro de Almeida ainda tem muito do maxixe, ritmo hegemônico na época, e vira cantiga nordestina em um dos trechos. E a história do samba já começou marcada pelas misturas que sempre envolveram o gênero. Os puristas preferem o samba original, os apologistas das fusões querem misturar com o rock, frevo e pop.
Quando Noel Rosa compôs o samba “Feitio de Oração” e Vinícius de Moraes em “Samba da Bênção” afirma que “o bom samba é uma forma de oração”, estavam certos. A palavra samba veio do lamento “kusamba”, rezar, orar. “Quem se atreve a me dizer, do que é feito o samba?” pergunta Marcelo Camelo na composição “Samba a Dois”. E quem responde é Caetano Veloso em “Desde que o samba é samba” ao compor: “O samba é o pai do prazer/o samba é o filho da dor/o grande poder transformador”.
“É melhor ser alegre que ser triste/Alegria é a melhor coisa que existe/É assim como a luz no coração/Mas pra fazer um samba um samba com beleza/É preciso um bocado de tristeza/Senão não se faz um samba, não//Senão é como amar uma mulher só linda; e daí?/Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza/Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora/Qualquer coisa que sente saudade/Um molejo de amor machucado,/Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,/Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor/E para ser só perdão//Fazer samba não é contar piada/Quem faz samba assim não é de nada/O bom samba é uma forma de oração/Porque o samba é a tristeza que balança/E a tristeza tem sempre uma esperança/De um dia não ser mais triste não...//Ponha um pouco de amor numa cadência/E vai ver que ninguém no mundo vence/A beleza que tem um samba não/Porque o samba nasceu lá na Bahia/E se hoje ele é branco na poesia/Se hoje ele é branco na poesia/Ele é negro demais no coração” (Samba da benção, de Vinícius de Moraes)
Fernanda Porto e Alba Carvalho falam que nunca foram numa roda de samba, mas seu sambar tem repique e batuque sampleando reco-reco e agogô. “Esse samba é meu groove da vez/com guitarras e drum´n´bass/só pra ver como é que fica/eletrônica e couro da cuíca//Samba assim assado/de hit acelerado, será que é samba assim?/samba assim assado/de hit acelerado, é samba, sim” canta em “Sambassim”. Em 2005 o baiano radicado em São Paulo, Péri lançou seu quarto CD dedicado inteiro ao samba. Mesclando a batida bossa-novista de João Gilberto, a elegância de Paulinho da Viola, e a suavidade da voz e violão ele canta: “o samba é como a vida. Só na maciota. Um samba pequenininho. Um samba diferente. Um samba passarinho. Que voa quando está contente” (Samba Passarinho).
Já o compositor Assis Valente teve nova leitura do seu “Brasil Pandeiro” na voz dos Novos Baianos: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor/eu fui na Penha, fui pedir ao Padroeiro para me ajudar/salve o Morro do Vintém, pendura a saia eu quero ver/eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar/o Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada/anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato/vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará/na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá//Brasil, esquentai vossos pandeiros/iluminai os terreiros que nós queremos sambar/há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente/num batuque de matar//Batucada, batucada, reunir nossos valores/pastorinhas e cantores/expressão que não tem par, ó meu Brasil/Brasil, esquentai vossos pandeiros/iluminai os terreiros que nós queremos sambar/Ô, ô, sambar, iêiê, sambar.../queremos sambar, ioiô, queremos sambar, iaiá”.
E Jadir de Castro e Luiz Bittencourt atacaram de “Samba do Ziriguidum” na voz de Jackson do Pandeiro: “Ziriguidun, ziriguidun/Meu coração num teleco-teco/Puxe e largue/Como no futebol/A onda vai, vai, vai/E, balança mas não cai/E o samba continua/Na base do ziriguidum/Abre a roda moçada/Pra entra mais um/Abre a roda moçada/Pra entra mais um”. Para encerrar só mesmo o “Samba e Amor” de Chico Buarque: “Eu faço samba e amor até mais tar......de/E tenho muito sono de manhã/Escuto a correria da cidade que arde/E apressa o dia de amanhã/De madrugada a gente inda se a.........ma/E a fábrica começa a buzinar/O trânsito contorna a nossa cama – reclama/Do nosso eterno espreguiçar/No colo da benvinda companheira/No corpo do bendito violão/Eu faço samba e amor a noite inteira/Não tenho a quem prestar satisfação/Eu faço samba e amor até mais tar......de/E tenho muito mais o que fazer/Escuto a correria da cidade - que alarde/Será que é tão difícil amanhecer?/Não sei se preguiçoso ou se covarde/Debaixo do meu cobertor de lã/Eu faço samba e amor até mais tarde/E tenho muito sono de manhã”.
Quando Noel Rosa compôs o samba “Feitio de Oração” e Vinícius de Moraes em “Samba da Bênção” afirma que “o bom samba é uma forma de oração”, estavam certos. A palavra samba veio do lamento “kusamba”, rezar, orar. “Quem se atreve a me dizer, do que é feito o samba?” pergunta Marcelo Camelo na composição “Samba a Dois”. E quem responde é Caetano Veloso em “Desde que o samba é samba” ao compor: “O samba é o pai do prazer/o samba é o filho da dor/o grande poder transformador”.
“É melhor ser alegre que ser triste/Alegria é a melhor coisa que existe/É assim como a luz no coração/Mas pra fazer um samba um samba com beleza/É preciso um bocado de tristeza/Senão não se faz um samba, não//Senão é como amar uma mulher só linda; e daí?/Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza/Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora/Qualquer coisa que sente saudade/Um molejo de amor machucado,/Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,/Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor/E para ser só perdão//Fazer samba não é contar piada/Quem faz samba assim não é de nada/O bom samba é uma forma de oração/Porque o samba é a tristeza que balança/E a tristeza tem sempre uma esperança/De um dia não ser mais triste não...//Ponha um pouco de amor numa cadência/E vai ver que ninguém no mundo vence/A beleza que tem um samba não/Porque o samba nasceu lá na Bahia/E se hoje ele é branco na poesia/Se hoje ele é branco na poesia/Ele é negro demais no coração” (Samba da benção, de Vinícius de Moraes)
Fernanda Porto e Alba Carvalho falam que nunca foram numa roda de samba, mas seu sambar tem repique e batuque sampleando reco-reco e agogô. “Esse samba é meu groove da vez/com guitarras e drum´n´bass/só pra ver como é que fica/eletrônica e couro da cuíca//Samba assim assado/de hit acelerado, será que é samba assim?/samba assim assado/de hit acelerado, é samba, sim” canta em “Sambassim”. Em 2005 o baiano radicado em São Paulo, Péri lançou seu quarto CD dedicado inteiro ao samba. Mesclando a batida bossa-novista de João Gilberto, a elegância de Paulinho da Viola, e a suavidade da voz e violão ele canta: “o samba é como a vida. Só na maciota. Um samba pequenininho. Um samba diferente. Um samba passarinho. Que voa quando está contente” (Samba Passarinho).
Já o compositor Assis Valente teve nova leitura do seu “Brasil Pandeiro” na voz dos Novos Baianos: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor/eu fui na Penha, fui pedir ao Padroeiro para me ajudar/salve o Morro do Vintém, pendura a saia eu quero ver/eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar/o Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada/anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato/vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará/na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá//Brasil, esquentai vossos pandeiros/iluminai os terreiros que nós queremos sambar/há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente/num batuque de matar//Batucada, batucada, reunir nossos valores/pastorinhas e cantores/expressão que não tem par, ó meu Brasil/Brasil, esquentai vossos pandeiros/iluminai os terreiros que nós queremos sambar/Ô, ô, sambar, iêiê, sambar.../queremos sambar, ioiô, queremos sambar, iaiá”.
E Jadir de Castro e Luiz Bittencourt atacaram de “Samba do Ziriguidum” na voz de Jackson do Pandeiro: “Ziriguidun, ziriguidun/Meu coração num teleco-teco/Puxe e largue/Como no futebol/A onda vai, vai, vai/E, balança mas não cai/E o samba continua/Na base do ziriguidum/Abre a roda moçada/Pra entra mais um/Abre a roda moçada/Pra entra mais um”. Para encerrar só mesmo o “Samba e Amor” de Chico Buarque: “Eu faço samba e amor até mais tar......de/E tenho muito sono de manhã/Escuto a correria da cidade que arde/E apressa o dia de amanhã/De madrugada a gente inda se a.........ma/E a fábrica começa a buzinar/O trânsito contorna a nossa cama – reclama/Do nosso eterno espreguiçar/No colo da benvinda companheira/No corpo do bendito violão/Eu faço samba e amor a noite inteira/Não tenho a quem prestar satisfação/Eu faço samba e amor até mais tar......de/E tenho muito mais o que fazer/Escuto a correria da cidade - que alarde/Será que é tão difícil amanhecer?/Não sei se preguiçoso ou se covarde/Debaixo do meu cobertor de lã/Eu faço samba e amor até mais tarde/E tenho muito sono de manhã”.
14 março 2007
Linguagem proibida
O caráter chulo desta ou daquela palavra ou acepção prende-se aos tabus fisiológicos (especialmente sexuais) que envolvem o corpo humano no contexto social, ou seja, a revelação entre o comportamento público e privado. Transgredir o limite entre o privado e o público (quer no ato, quer no dito) significa “ofender” conveniências/convenções éticas, religiosas ou jurídica – donde a “ofensa”ser usada como “insulto”. Sendo o palavrão ofensa/insulto, e consequentemente policiado na linguagem escrita mais que na falada (já que esta segue menos regras que aquela), fica restrito/rebaixado, respectivamente, à pornografia e à vulgaridade, apenas tolerado sob a camuflagem do eufemismo.
A obscenidade é imoral, mas, para sê-lo, precisa ser dita. O “escondido”deve mostrar-se de alguma forma. E para exibir-se como “escondido” deve utilizar-se de um código próprio: um código que simultaneamente anuncie e oculte sua própria fala. A linguagem é um campo privilegiado que oferece amplas possibilidades para esse jogo, pois as palavras se prestam a duplos sentidos, permitindo a ambigüidade necessária.
Fica o dito, pelo não dito – essa parece ser a fórmula ideal da linguagem erótica. Essa é a ordem da linguagem proibida, instaurando uma linguagem da ordem, ainda que pelo avesso. Pois, nem o obsceno pode fugir à uma ordenação cultural, e a colocação da sexualidade em discurso obedece a uma normatização. Na obra é “A Linguagem Proibida: um estudo sobre a linguagem erótica” Dino Preti revelando uma das formas de discurso popular que os temas proibidos assumiram no Brasil da virada do século. Através das definições do dicionário pode-se perceber a dupla moral de uma época em que o comportamento burguês de “bons costumes” procura mascarar a latente ideologia machista. O processo metafórico se organiza sempre a partir do ponto de vista masculino, e ao desmontá-lo o autor deflagra algumas das formas de opressão da mulher na nossa sociedade.
Há um grande número de termos em torno do ato sexual e dos órgãos genitais. Ao examinarmos a série sinonímica que designa o órgão sexual masculino notamos a semelhança física entre os elementos comparados. Daí a sua permanência até nossos dias. Alguns desapareceram porque eram objetos da época, de uso mais restrito. Em rápida análise desses sinônimos, observa-se que neles estão presentes os temas de violência, força, agressividade (cacete, cano, chuço, ferro, lança, malho, manivela, músculo, pau, pistola, Petrópolis, trabuco, vara, varão), de resistência, rigidez (eixo, ferro, jacarandá, malho, maniçoba, nabo, pau, peroba, Petrópolis), de agilidade, astúcia (bagre, gato, músculo) e de dimensão (banana, bisnaga, cano, espiga, lingüiça, nabo, paio, Petrópolis, travão, varão).
A um sentimento de força, poder e de violência, essencialmente masculino, corresponde uma afirmação de fraqueza e impotência feminina, com imagens desvalorizadoras referentes às suas partes pudendas, tais como engenhoca, fenda, greta, quintanda, ruptura (órgão genital) e bolacha, bombordo, disco, esfera, furo, gelatina, melancia, orifício, rosca, quiosque (para as partes anais). Enquanto o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só.
Assim, a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria, no vocabulário obsceno, e nos processos lingüísticos de expressão da malícia, se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos. Como os costumes, submetidos a um processo competitivo de forças sociais opostas, em que se alternam e se equilibram leis de continuidade e da renovação, controladas pelo grau de aceitabilidade do povo, em diferentes épocas, assim também o estoque lexical sofre a influência das pressões sociais que ora o prendem a tradição de uma hipotética “boa linguagem”, ora o libertam para a aceitação de novos vocábulos, novos conceitos, surgidos da necessidade de expressar idéias e atividades mais recentes.
Sob a perspectiva moral, por exemplo, as frágeis linhas que marcam os limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam dentro da comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras tornam-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus” termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos.
A obscenidade é imoral, mas, para sê-lo, precisa ser dita. O “escondido”deve mostrar-se de alguma forma. E para exibir-se como “escondido” deve utilizar-se de um código próprio: um código que simultaneamente anuncie e oculte sua própria fala. A linguagem é um campo privilegiado que oferece amplas possibilidades para esse jogo, pois as palavras se prestam a duplos sentidos, permitindo a ambigüidade necessária.
Fica o dito, pelo não dito – essa parece ser a fórmula ideal da linguagem erótica. Essa é a ordem da linguagem proibida, instaurando uma linguagem da ordem, ainda que pelo avesso. Pois, nem o obsceno pode fugir à uma ordenação cultural, e a colocação da sexualidade em discurso obedece a uma normatização. Na obra é “A Linguagem Proibida: um estudo sobre a linguagem erótica” Dino Preti revelando uma das formas de discurso popular que os temas proibidos assumiram no Brasil da virada do século. Através das definições do dicionário pode-se perceber a dupla moral de uma época em que o comportamento burguês de “bons costumes” procura mascarar a latente ideologia machista. O processo metafórico se organiza sempre a partir do ponto de vista masculino, e ao desmontá-lo o autor deflagra algumas das formas de opressão da mulher na nossa sociedade.
Há um grande número de termos em torno do ato sexual e dos órgãos genitais. Ao examinarmos a série sinonímica que designa o órgão sexual masculino notamos a semelhança física entre os elementos comparados. Daí a sua permanência até nossos dias. Alguns desapareceram porque eram objetos da época, de uso mais restrito. Em rápida análise desses sinônimos, observa-se que neles estão presentes os temas de violência, força, agressividade (cacete, cano, chuço, ferro, lança, malho, manivela, músculo, pau, pistola, Petrópolis, trabuco, vara, varão), de resistência, rigidez (eixo, ferro, jacarandá, malho, maniçoba, nabo, pau, peroba, Petrópolis), de agilidade, astúcia (bagre, gato, músculo) e de dimensão (banana, bisnaga, cano, espiga, lingüiça, nabo, paio, Petrópolis, travão, varão).
A um sentimento de força, poder e de violência, essencialmente masculino, corresponde uma afirmação de fraqueza e impotência feminina, com imagens desvalorizadoras referentes às suas partes pudendas, tais como engenhoca, fenda, greta, quintanda, ruptura (órgão genital) e bolacha, bombordo, disco, esfera, furo, gelatina, melancia, orifício, rosca, quiosque (para as partes anais). Enquanto o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só.
Assim, a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria, no vocabulário obsceno, e nos processos lingüísticos de expressão da malícia, se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos. Como os costumes, submetidos a um processo competitivo de forças sociais opostas, em que se alternam e se equilibram leis de continuidade e da renovação, controladas pelo grau de aceitabilidade do povo, em diferentes épocas, assim também o estoque lexical sofre a influência das pressões sociais que ora o prendem a tradição de uma hipotética “boa linguagem”, ora o libertam para a aceitação de novos vocábulos, novos conceitos, surgidos da necessidade de expressar idéias e atividades mais recentes.
Sob a perspectiva moral, por exemplo, as frágeis linhas que marcam os limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam dentro da comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras tornam-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus” termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos.
Linguagem proibida
O caráter chulo desta ou daquela palavra ou acepção prende-se aos tabus fisiológicos (especialmente sexuais) que envolvem o corpo humano no contexto social, ou seja, a revelação entre o comportamento público e privado. Transgredir o limite entre o privado e o público (quer no ato, quer no dito) significa “ofender” conveniências/convenções éticas, religiosas ou jurídica – donde a “ofensa”ser usada como “insulto”. Sendo o palavrão ofensa/insulto, e consequentemente policiado na linguagem escrita mais que na falada (já que esta segue menos regras que aquela), fica restrito/rebaixado, respectivamente, à pornografia e à vulgaridade, apenas tolerado sob a camuflagem do eufemismo.
A obscenidade é imoral, mas, para sê-lo, precisa ser dita. O “escondido”deve mostrar-se de alguma forma. E para exibir-se como “escondido” deve utilizar-se de um código próprio: um código que simultaneamente anuncie e oculte sua própria fala. A linguagem é um campo privilegiado que oferece amplas possibilidades para esse jogo, pois as palavras se prestam a duplos sentidos, permitindo a ambigüidade necessária.
Fica o dito, pelo não dito – essa parece ser a fórmula ideal da linguagem erótica. Essa é a ordem da linguagem proibida, instaurando uma linguagem da ordem, ainda que pelo avesso. Pois, nem o obsceno pode fugir à uma ordenação cultural, e a colocação da sexualidade em discurso obedece a uma normatização. Na obra é “A Linguagem Proibida: um estudo sobre a linguagem erótica” Dino Preti revelando uma das formas de discurso popular que os temas proibidos assumiram no Brasil da virada do século. Através das definições do dicionário pode-se perceber a dupla moral de uma época em que o comportamento burguês de “bons costumes” procura mascarar a latente ideologia machista. O processo metafórico se organiza sempre a partir do ponto de vista masculino, e ao desmontá-lo o autor deflagra algumas das formas de opressão da mulher na nossa sociedade.
Há um grande número de termos em torno do ato sexual e dos órgãos genitais. Ao examinarmos a série sinonímica que designa o órgão sexual masculino notamos a semelhança física entre os elementos comparados. Daí a sua permanência até nossos dias. Alguns desapareceram porque eram objetos da época, de uso mais restrito. Em rápida análise desses sinônimos, observa-se que neles estão presentes os temas de violência, força, agressividade (cacete, cano, chuço, ferro, lança, malho, manivela, músculo, pau, pistola, Petrópolis, trabuco, vara, varão), de resistência, rigidez (eixo, ferro, jacarandá, malho, maniçoba, nabo, pau, peroba, Petrópolis), de agilidade, astúcia (bagre, gato, músculo) e de dimensão (banana, bisnaga, cano, espiga, lingüiça, nabo, paio, Petrópolis, travão, varão).
A um sentimento de força, poder e de violência, essencialmente masculino, corresponde uma afirmação de fraqueza e impotência feminina, com imagens desvalorizadoras referentes às suas partes pudendas, tais como engenhoca, fenda, greta, quintanda, ruptura (órgão genital) e bolacha, bombordo, disco, esfera, furo, gelatina, melancia, orifício, rosca, quiosque (para as partes anais). Enquanto o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só.
Assim, a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria, no vocabulário obsceno, e nos processos lingüísticos de expressão da malícia, se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos. Como os costumes, submetidos a um processo competitivo de forças sociais opostas, em que se alternam e se equilibram leis de continuidade e da renovação, controladas pelo grau de aceitabilidade do povo, em diferentes épocas, assim também o estoque lexical sofre a influência das pressões sociais que ora o prendem a tradição de uma hipotética “boa linguagem”, ora o libertam para a aceitação de novos vocábulos, novos conceitos, surgidos da necessidade de expressar idéias e atividades mais recentes.
Sob a perspectiva moral, por exemplo, as frágeis linhas que marcam os limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam dentro da comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras tornam-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus” termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos.
A obscenidade é imoral, mas, para sê-lo, precisa ser dita. O “escondido”deve mostrar-se de alguma forma. E para exibir-se como “escondido” deve utilizar-se de um código próprio: um código que simultaneamente anuncie e oculte sua própria fala. A linguagem é um campo privilegiado que oferece amplas possibilidades para esse jogo, pois as palavras se prestam a duplos sentidos, permitindo a ambigüidade necessária.
Fica o dito, pelo não dito – essa parece ser a fórmula ideal da linguagem erótica. Essa é a ordem da linguagem proibida, instaurando uma linguagem da ordem, ainda que pelo avesso. Pois, nem o obsceno pode fugir à uma ordenação cultural, e a colocação da sexualidade em discurso obedece a uma normatização. Na obra é “A Linguagem Proibida: um estudo sobre a linguagem erótica” Dino Preti revelando uma das formas de discurso popular que os temas proibidos assumiram no Brasil da virada do século. Através das definições do dicionário pode-se perceber a dupla moral de uma época em que o comportamento burguês de “bons costumes” procura mascarar a latente ideologia machista. O processo metafórico se organiza sempre a partir do ponto de vista masculino, e ao desmontá-lo o autor deflagra algumas das formas de opressão da mulher na nossa sociedade.
Há um grande número de termos em torno do ato sexual e dos órgãos genitais. Ao examinarmos a série sinonímica que designa o órgão sexual masculino notamos a semelhança física entre os elementos comparados. Daí a sua permanência até nossos dias. Alguns desapareceram porque eram objetos da época, de uso mais restrito. Em rápida análise desses sinônimos, observa-se que neles estão presentes os temas de violência, força, agressividade (cacete, cano, chuço, ferro, lança, malho, manivela, músculo, pau, pistola, Petrópolis, trabuco, vara, varão), de resistência, rigidez (eixo, ferro, jacarandá, malho, maniçoba, nabo, pau, peroba, Petrópolis), de agilidade, astúcia (bagre, gato, músculo) e de dimensão (banana, bisnaga, cano, espiga, lingüiça, nabo, paio, Petrópolis, travão, varão).
A um sentimento de força, poder e de violência, essencialmente masculino, corresponde uma afirmação de fraqueza e impotência feminina, com imagens desvalorizadoras referentes às suas partes pudendas, tais como engenhoca, fenda, greta, quintanda, ruptura (órgão genital) e bolacha, bombordo, disco, esfera, furo, gelatina, melancia, orifício, rosca, quiosque (para as partes anais). Enquanto o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só.
Assim, a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria, no vocabulário obsceno, e nos processos lingüísticos de expressão da malícia, se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos. Como os costumes, submetidos a um processo competitivo de forças sociais opostas, em que se alternam e se equilibram leis de continuidade e da renovação, controladas pelo grau de aceitabilidade do povo, em diferentes épocas, assim também o estoque lexical sofre a influência das pressões sociais que ora o prendem a tradição de uma hipotética “boa linguagem”, ora o libertam para a aceitação de novos vocábulos, novos conceitos, surgidos da necessidade de expressar idéias e atividades mais recentes.
Sob a perspectiva moral, por exemplo, as frágeis linhas que marcam os limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam dentro da comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras tornam-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus” termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos.
13 março 2007
Do poema processo ao experimentalismo na linguagem (2)
No setor gráfico o grupo de estudos de linguagem da Bahia editou em 1974 a revista Semiótica com trabalhos de Júlio César Lobo, Haroldo Cajazeira, Almandrade e outros. Sintetizando o problema desta leitura que o poeta novo enfrenta dizia na apresentação: “Não é fazer média, não é querer aperto de mãos, o que nos interessa são as diferenças”. “O que me interessa em arte – dizia Almandrade em sua I Exposição de Poemas Visuais, em abril de 1975 no ICBA (Instituto Cultural Brasil Alemanha) – é criar linguagens ou propor novos sistemas de codificação. A linguagem nunca foi fixa, está sempre em mudança, quando a tecnologia avança surgem novas linguagens, novas formas de arte, novas atitudes, novos comportamentos”. Almandrade estava propondo nova situação para linguagem.
Depois começou a entrar em contato com artistas de outros países participando em exposições de meia/arte ou correspondence art na Argentina, Canadá, Alemanha e outros pises. Em março de 1976 realizou sua segunda exposição. “Eu me preocupo em criar novos códigos, novas linguagens. Criar uma espécie de matriz para outros usos, outras artes”.
Em dezembro de 1972, o movimento poema/processo foi dado por encerrado. Mesmo assim “continua e continuará o poema (/processo) até que seja superado dialeticamente por uma nova forma poética: por um novo processo, que não será neo-processo, assim como houve um neoconcretismo” (Cirne). E hoje, o que estamos vendo é uma literatura de lixo (de 1968 para cá), numa crítica à poluição cultural, social, etc. É a lixeratura, uma espécie de underground brasileiro. E, mesmo sendo difícil trabalhar experimentalmente a linguagem, as experiências, apesar de tudo, continuarão.
Sempre em busca de novas formas de linguagem, o poeta experimental vem pesquisando, ensaiando, verificado, conhecendo e avaliando pela experiência o resultado de suas pesquisas. Desde o cinema até o som, os quadrinhos (1), a semiótica, a fotografia, os ambientais e a semiologia, tudo o que se pratica é como o sentido de obter não um resultado definitivo, mas sim, resultados que possam estar sempre abertos a outras experiências nas diversas dimensões da linguagem.
Notas:
(1) No caso de aproximação do poema à técnica do quadrinho, vale lembrar os exemplos dos poetas concretos (o poema Life ou O Organismo quer Perdurar, de Décio Pignatari). O poema Desintegration, de R. Kostelanetz, é outro bom exemplo: a palavra desintegration vai sucessivamente se desintegrando até desaparecer. Cada frase do poema equivale a um quadrinho. Entre os poetas/processo o que mais se aprofundou na problemática formal dos quadrinhos foi Álvaro de Sá. O seu livro 12 X 9, no dizer de Wlademir Dias Pino, “é uma verdadeira radiografia da estrutura das histórias em quadrinhos”. Na Bahia, Almandrade desenvolve trabalhos extraindo elementos contextuais dos quadrinhos. “Quadrinhos: Parecem cartas de cartomantes arrumadas sobre a mesa. A memória visual do jogo de xadrez, as diversões são indicação de continuidade” (wdp).
“No mundo dos signos o artista é um operário ou guerrilheiro da linguagem armado com a teoria da informação e a semiótica, a todo momento ele está preparado para lutar contra as linguagens acadêmicas propondo novas codificações e envolvendo o público no processo criativo” (Almandrade, 1976)
Este artigo foi publicado no jornal Coisa Nostra (02/07/1976). O Poema/Processo foi um movimento fundado em 1967, aconteceu simultaneamente em vários pontos do Brasil, inclusive na Bahia. Este ano comemora 40 anos de existência. Vamos relembrá-lo em outros momentos. (Gutemberg Cruz)
Depois começou a entrar em contato com artistas de outros países participando em exposições de meia/arte ou correspondence art na Argentina, Canadá, Alemanha e outros pises. Em março de 1976 realizou sua segunda exposição. “Eu me preocupo em criar novos códigos, novas linguagens. Criar uma espécie de matriz para outros usos, outras artes”.
Em dezembro de 1972, o movimento poema/processo foi dado por encerrado. Mesmo assim “continua e continuará o poema (/processo) até que seja superado dialeticamente por uma nova forma poética: por um novo processo, que não será neo-processo, assim como houve um neoconcretismo” (Cirne). E hoje, o que estamos vendo é uma literatura de lixo (de 1968 para cá), numa crítica à poluição cultural, social, etc. É a lixeratura, uma espécie de underground brasileiro. E, mesmo sendo difícil trabalhar experimentalmente a linguagem, as experiências, apesar de tudo, continuarão.
Sempre em busca de novas formas de linguagem, o poeta experimental vem pesquisando, ensaiando, verificado, conhecendo e avaliando pela experiência o resultado de suas pesquisas. Desde o cinema até o som, os quadrinhos (1), a semiótica, a fotografia, os ambientais e a semiologia, tudo o que se pratica é como o sentido de obter não um resultado definitivo, mas sim, resultados que possam estar sempre abertos a outras experiências nas diversas dimensões da linguagem.
Notas:
(1) No caso de aproximação do poema à técnica do quadrinho, vale lembrar os exemplos dos poetas concretos (o poema Life ou O Organismo quer Perdurar, de Décio Pignatari). O poema Desintegration, de R. Kostelanetz, é outro bom exemplo: a palavra desintegration vai sucessivamente se desintegrando até desaparecer. Cada frase do poema equivale a um quadrinho. Entre os poetas/processo o que mais se aprofundou na problemática formal dos quadrinhos foi Álvaro de Sá. O seu livro 12 X 9, no dizer de Wlademir Dias Pino, “é uma verdadeira radiografia da estrutura das histórias em quadrinhos”. Na Bahia, Almandrade desenvolve trabalhos extraindo elementos contextuais dos quadrinhos. “Quadrinhos: Parecem cartas de cartomantes arrumadas sobre a mesa. A memória visual do jogo de xadrez, as diversões são indicação de continuidade” (wdp).
“No mundo dos signos o artista é um operário ou guerrilheiro da linguagem armado com a teoria da informação e a semiótica, a todo momento ele está preparado para lutar contra as linguagens acadêmicas propondo novas codificações e envolvendo o público no processo criativo” (Almandrade, 1976)
Este artigo foi publicado no jornal Coisa Nostra (02/07/1976). O Poema/Processo foi um movimento fundado em 1967, aconteceu simultaneamente em vários pontos do Brasil, inclusive na Bahia. Este ano comemora 40 anos de existência. Vamos relembrá-lo em outros momentos. (Gutemberg Cruz)
12 março 2007
Do poema processo ao experimentalismo na linguagem (1)
Montando palavras-imagens que se desenvolveram no espaço, acrescentando informações em ritmo dinâmico, os poetas de vanguarda abriram novas veredas para a poesia, fazendo valer para o poema a sua visualidade e dinâmica, como queira Mallarmé. Apollinaire dizia que “a nossa inteligência deveria habituar-se a compreender sintético-ideologicamente, em vez de analítico-discursivamente”. Depois do movimento da Poesia Concreta, liderados pelos irmãos Campos (Augusto e Haroldo) e Décio Pignatari e de alguns outros movimentos como o neo-concretismo e o práxis surge o poema/processo que leva à radicalização total a visualização: a palavra some do poema, ficando apenas os sinais.
O Poema/Processo foi lançado como movimento de vanguarda em 11 de dezembro de 1967, através de duas exposições simultâneas, no Rio (Escola Superior de Desenho Industrial) e em Natal (Galeria Sobradinho). Ao mesmo tempo era lançada a revista do grupo, Ponto 1. Os poetas Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Sanderson Negreiros e Álvaro de Sá, os mais atuantes do grupo poema/processo romperam com o próprio conceito abstrato de poesia (= sentimento). Primeiro procurou-se, de forma mais radical, a separação ou dissociação entre o que é poesia de um lado e poema do outro. Para isso, conceituou-se a Poesia como problema ligado à língua (acaso geográfico) e o Poema, o que se faz com experiência, na área da linguagem. Entende-se como linguagem, não o fenômeno lingüístico, isto é, a linguagem falada por um povo, mas sim, a que é cinema (visual) ou matemática (técnica).
O poema de processo – diz Wlademir Dias Pino, precursor do movimento (A Ave 1956, Sólida 1966) -, sob esta condição, não está preocupado com o estado poético, como fator de maiores estudos, nem mesmo com a experimentação lingüística; mas tem o propósito de deixar bem claro que essa separação mostra, de maneira indiscutível, que o poema é físico – até mesmo total – em sua visualidade gráfica, enquanto que a poesia é puramente abstrata. Tanto assim é que é comum a expressão poesia de arquitetura.
Poema;Processo é aquele que, a cada nova experiência, inaugura processos informacionais. Essa informação pode ser estética ou não: o importante é que seja funcional e, portanto, consumida. Para Moacy Cirne o poema/processo “não é uma mera ou simples continuação do concretismo: o poema/processo é uma continuidade radical, implicando desdobramento semiológicos próprios, de uma das direções da poesia concreta”. O ideal de poema/processo é a estrutura. Manter a estrutura em aberto, em constante processo, ou seja, em constante relacionamento de suas partes, para que o objeto estético seja mostrado por dentro, em seu processo. O movimento do poema/processo (p/p), nunca teve teoria, mas apenas apanhados metalinguísticos de experimentação prática, reunidos dos mais diversos poetas e das mais diversas partes do país e até mesmo do mundo.
Propondo um rompimento qualitativo com a poesia tradicional (modernista e pós modernista) pela radicalização das linguagens, foi realizada em abril de 1968, no Museu de Arte Moderna da Bahia a IV Exposição Nacional de Poema/Processo. Entre os participantes do movimento (com nove estados representados) estavam Erthos Albino de Souza – desenvolve mais a poesia concreta – e Anselmo Santos – faz levantamento de linguagens. A exposição constou de objetos-poemas e cartazes-poemas, além dos debates e conferências.
Quatro anos depois, em 1972, Haroldo Cajazeira forma com Orlando Pinheiro, Nivalda Costa, Jurema Brandão e Julio César Lobo um grupo de estudos de linguagem. Foi por essa época que Antônio Luis Morais de Andrade, estudante de Arquitetura, artista plástico, poeta, aparece com seus objetos-poemas na página Gente Jovem pede Passagem do Jornal da Bahia. A grande riqueza visual aliada à semântica da proposta fazem de Almandrade um dos mais criativos operários da linguagem. Um construtor. Em 1973 participa da Bienal de São Paulo com o Grupo Etsedron. Nesse mesmo ano é realizado no Jardim da Piedade a Feira da Poesia (em 72 foi realizado a I Exposição Coletiva de Poesia Experimental). Segundo Almandrade, as pessoas (estudantes e intelectuais) não aceitavam o novo enquanto que o povo, que não conhece nada sobre aquele assunto, aceitava, compreendia e participava. Na feira havia um livro de Erthos, todo perfurado, feito pelo cartão de computador. Pois bem, teve gente que resolveu perguntar onde estava a poesia naquele livro. Será que fugiu pelos buraquinhos?
O Poema/Processo foi lançado como movimento de vanguarda em 11 de dezembro de 1967, através de duas exposições simultâneas, no Rio (Escola Superior de Desenho Industrial) e em Natal (Galeria Sobradinho). Ao mesmo tempo era lançada a revista do grupo, Ponto 1. Os poetas Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Sanderson Negreiros e Álvaro de Sá, os mais atuantes do grupo poema/processo romperam com o próprio conceito abstrato de poesia (= sentimento). Primeiro procurou-se, de forma mais radical, a separação ou dissociação entre o que é poesia de um lado e poema do outro. Para isso, conceituou-se a Poesia como problema ligado à língua (acaso geográfico) e o Poema, o que se faz com experiência, na área da linguagem. Entende-se como linguagem, não o fenômeno lingüístico, isto é, a linguagem falada por um povo, mas sim, a que é cinema (visual) ou matemática (técnica).
O poema de processo – diz Wlademir Dias Pino, precursor do movimento (A Ave 1956, Sólida 1966) -, sob esta condição, não está preocupado com o estado poético, como fator de maiores estudos, nem mesmo com a experimentação lingüística; mas tem o propósito de deixar bem claro que essa separação mostra, de maneira indiscutível, que o poema é físico – até mesmo total – em sua visualidade gráfica, enquanto que a poesia é puramente abstrata. Tanto assim é que é comum a expressão poesia de arquitetura.
Poema;Processo é aquele que, a cada nova experiência, inaugura processos informacionais. Essa informação pode ser estética ou não: o importante é que seja funcional e, portanto, consumida. Para Moacy Cirne o poema/processo “não é uma mera ou simples continuação do concretismo: o poema/processo é uma continuidade radical, implicando desdobramento semiológicos próprios, de uma das direções da poesia concreta”. O ideal de poema/processo é a estrutura. Manter a estrutura em aberto, em constante processo, ou seja, em constante relacionamento de suas partes, para que o objeto estético seja mostrado por dentro, em seu processo. O movimento do poema/processo (p/p), nunca teve teoria, mas apenas apanhados metalinguísticos de experimentação prática, reunidos dos mais diversos poetas e das mais diversas partes do país e até mesmo do mundo.
Propondo um rompimento qualitativo com a poesia tradicional (modernista e pós modernista) pela radicalização das linguagens, foi realizada em abril de 1968, no Museu de Arte Moderna da Bahia a IV Exposição Nacional de Poema/Processo. Entre os participantes do movimento (com nove estados representados) estavam Erthos Albino de Souza – desenvolve mais a poesia concreta – e Anselmo Santos – faz levantamento de linguagens. A exposição constou de objetos-poemas e cartazes-poemas, além dos debates e conferências.
Quatro anos depois, em 1972, Haroldo Cajazeira forma com Orlando Pinheiro, Nivalda Costa, Jurema Brandão e Julio César Lobo um grupo de estudos de linguagem. Foi por essa época que Antônio Luis Morais de Andrade, estudante de Arquitetura, artista plástico, poeta, aparece com seus objetos-poemas na página Gente Jovem pede Passagem do Jornal da Bahia. A grande riqueza visual aliada à semântica da proposta fazem de Almandrade um dos mais criativos operários da linguagem. Um construtor. Em 1973 participa da Bienal de São Paulo com o Grupo Etsedron. Nesse mesmo ano é realizado no Jardim da Piedade a Feira da Poesia (em 72 foi realizado a I Exposição Coletiva de Poesia Experimental). Segundo Almandrade, as pessoas (estudantes e intelectuais) não aceitavam o novo enquanto que o povo, que não conhece nada sobre aquele assunto, aceitava, compreendia e participava. Na feira havia um livro de Erthos, todo perfurado, feito pelo cartão de computador. Pois bem, teve gente que resolveu perguntar onde estava a poesia naquele livro. Será que fugiu pelos buraquinhos?
09 março 2007
Música & Poesia
O Que é, o Que é? (Gonzaguinha)
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...)
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!Eu sei... (Eu sei...)
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...)
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!Eu sei... (Eu sei...)
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita
E a vida?E a vida o que é diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é, o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem da segundo,
Há quem fale que é um divino Mistério profundo
É o sopro do Criador
Numa atitude repleta de amor
Você diz que é luta e prazer;
Ele diz que a vida é viver;
Ela diz que o melhor é morrer,
Pois amada não éE o verbo sofrer.
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar.. (E cantar e cantar...)
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus!Eu sei... (Eu sei...)
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita.
José (Carlos Drummond de Andrade)
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
08 março 2007
Alma da mulher
Os primeiros letristas da nossa música popular viam a mulher como vulnerável e traiçoeira. Depois, musa inatingível. Tudo isso porque a religião e a ciência afirmavam que o papel da mulher era de uma pessoal frágil, emocionalmente instável, fútil. Outros viam a mulher como o diabo de saias. Esses estereótipos ainda estavam presentes até a década de 70. Em 1980 a cantora e compositora Joyce trouxe um novo modelo de mulher: “Ô mãe! Me explica, me ensina,/me diz o que é feminina?/-Não é no cabelo ou no dengo ou no olhar/é ser menina em todo lugar” (Feminina). De Ivan Lins e Francisco Bosco veio a imagem da nova mulher brasileira na voz de Simone: “Ela tem nome de mulher guerreira/e se veste de um jeito que só ela/ela vive entre o aqui e o alheio/as meninas não gostam muito dela (...)/o que faz ela ser quase um segredo/é ser ela assim tão transparente (...)/ela é livre e ser livre a faz brilhar/ela é filha da terra, céu e mar, Dandara!” (Dandara).
“Há um brilho de faca/onde o amor vier/e ninguém tem o mapa/da alma da mulher”. A canção “Entre a Serpente e a Estrela” é um verso de Aldir Blanc para a música de Terry Stafford e P. Frazer (Armadillo by Money). Já a cantora Rita Lee em “Todas as Mulheres do Mundo” canta: “Toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz, toda mulher se faz de coitada, toda mulher é meio Leila Diniz”. E a própria Lee em “Cor de Rosa Choque” define: “Um certo sorriso de quem nada quer/sexo frágil não foge à luta/e nem só de cama vive a mulher(...)/mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”.
Quem melhor conheceu a alma da mulher foi o cantor e compositor Chico Buarque. “Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar e essas coisas que diz toda mulher” (Cotidiano), “Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz, e atrás dessa mulher mil homens sempre tão gentis” (Deixe a Menina), “Vou voltar, haja o que houver, eu vou voltar. Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás, palavra de mulher, eu vou voltar” (Palavra de Mulher).E muitas outras...
Visionário, Gilberto Gil canta “louvo a força do homem e a beleza da mulher” (Louvação) e “quem sabe, o superhomem venha nos restituir a glória, mudando como um deus o curso da história por causa da mulher” (Super Homem). E Caetano Veloso questiona: “Mas a gente nunca sabe mesmo o que é que quer uma mulher” (Pecado Original) e continua no mistério: “a mulher se enfeita, mas ela é um livro místico e somente a alguns a que tal graça se consente é dado lê-la” (Elegia). E Gonzaguinha fascina: “e eu sinto a menina brotando da coisa linda que é ser tão mulher” (Infinito Desejo).
Marina Lima e Antonio Cícero dão a pista: “Eu gosto de ser mulher, que mostra mais o que sente, o lado quente de ser que canta mais docemente” (O Lado Quente do Ser) e C. César revela: “para pisar no coração de uma mulher basta calçar um coturno, com os pés de anjo noturno” (Mulher eu Sei). Ataulfo Alves confessou seu erro: “lembro-te agora que não e só casa e comida que prende por toda a vida o coração de uma mulher” (Errei Sim). Ismael Silva, N.Bastos e Francisco Alves falam desse jogo: “A mulher é um jogo difícil de acertar, e o homem como um bobo não se cansa de jogar”. Já Adoniran Barbosa despacha: “Não seja bobo, não se escracha, mulher, patrão e cachaça em qualquer canto se acha”. Ataulfo Alves responde: “Mulher a gente encontra em toda parte, só não encontra a mulher que a gente tem no coração” (Pois É).
“Há um brilho de faca/onde o amor vier/e ninguém tem o mapa/da alma da mulher”. A canção “Entre a Serpente e a Estrela” é um verso de Aldir Blanc para a música de Terry Stafford e P. Frazer (Armadillo by Money). Já a cantora Rita Lee em “Todas as Mulheres do Mundo” canta: “Toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz, toda mulher se faz de coitada, toda mulher é meio Leila Diniz”. E a própria Lee em “Cor de Rosa Choque” define: “Um certo sorriso de quem nada quer/sexo frágil não foge à luta/e nem só de cama vive a mulher(...)/mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”.
Quem melhor conheceu a alma da mulher foi o cantor e compositor Chico Buarque. “Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar e essas coisas que diz toda mulher” (Cotidiano), “Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz, e atrás dessa mulher mil homens sempre tão gentis” (Deixe a Menina), “Vou voltar, haja o que houver, eu vou voltar. Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás, palavra de mulher, eu vou voltar” (Palavra de Mulher).E muitas outras...
Visionário, Gilberto Gil canta “louvo a força do homem e a beleza da mulher” (Louvação) e “quem sabe, o superhomem venha nos restituir a glória, mudando como um deus o curso da história por causa da mulher” (Super Homem). E Caetano Veloso questiona: “Mas a gente nunca sabe mesmo o que é que quer uma mulher” (Pecado Original) e continua no mistério: “a mulher se enfeita, mas ela é um livro místico e somente a alguns a que tal graça se consente é dado lê-la” (Elegia). E Gonzaguinha fascina: “e eu sinto a menina brotando da coisa linda que é ser tão mulher” (Infinito Desejo).
Marina Lima e Antonio Cícero dão a pista: “Eu gosto de ser mulher, que mostra mais o que sente, o lado quente de ser que canta mais docemente” (O Lado Quente do Ser) e C. César revela: “para pisar no coração de uma mulher basta calçar um coturno, com os pés de anjo noturno” (Mulher eu Sei). Ataulfo Alves confessou seu erro: “lembro-te agora que não e só casa e comida que prende por toda a vida o coração de uma mulher” (Errei Sim). Ismael Silva, N.Bastos e Francisco Alves falam desse jogo: “A mulher é um jogo difícil de acertar, e o homem como um bobo não se cansa de jogar”. Já Adoniran Barbosa despacha: “Não seja bobo, não se escracha, mulher, patrão e cachaça em qualquer canto se acha”. Ataulfo Alves responde: “Mulher a gente encontra em toda parte, só não encontra a mulher que a gente tem no coração” (Pois É).
Billy Blanco e S.Silva têm um modelo: “Eu vou voltar de vez pra solidão pois ela foi fiel, nunca mentiu, nada pediu. É o modelo mais perfeito de mulher, pois volta sempre fica o tempo que eu quiser” (Modelo de Mulher). Ainda é Blanco que compôs: “Ela diz não mas depois vem o bom do amor, o talvez, e amanhã diz que sim como toda mulher” (Lágrima Flor). Ivan Lins e Vitor Martins em “Mãos de Afeto”, gravada por Nana Caymmi abordaram a alma feminina: “Preparei minhas mãos de afeto/pra esse rapaz encantado/pra esse rapaz namorado./o mais belo capataz de todos/os cafezais/o mais belo vaqueiro de todos/os cerrados/o mais belo vaqueiro de todos/os cerrados//Eu tinha um ombro de algodão/pra ajeitar seu sono/eu tinha uma água morna/pra lavar o seu suor/e o meu corpo um fogueira/pra esquentar seu frio/e minha barriga livre/pra gerar seu filho//Preparei minhas mãos de afeto/pra esse rapaz encantado/pra esse rapaz namorado/que partiu pra nunca mais/traído nos cafezais/e os seus olhos roubaram o/verde dos cerrados/e os meus olhos lavaram todos/os meus pecados”
Simone fez sucesso com “Atrevida”, da dupla Lins e Martins: “Estou mais atrevida/mordaz e ferina/estou cheia de vida/sagaz e ladina/já não sou mais a mesma/respiro outros ares/navego outros mares/são tantos olhares/convites, sorrisos/eu gosto, eu preciso, pois é.../que ficou impossível não ver/mudei de você/por isso me esqueça.../virei a cabeça//Nas noites mal dormidas/rezava seu nome/olhava na janela/chorava seu nome/mexia em sua roupa/gemia seu nome/morria de sede/subia as paredes/me amava sozinha/você não me vinha, pois é.../que ficou impossível não ver/mudei de você/já não me inicia/já não me arrepia//estou mais atrevida/to cheia de vida/você não me provoca/nem quando me toca/agora eu tenho é fome/de homem que seja feliz”.
E Dorival Caymmi na sua simplicidade cantou que “um amigo meu me disse que em samba canta-se melhor flor e mulher” (Das Rosas) e P. Vanzoline, em “Paz”, disse: “Mulher que não dá samba eu não quero mais”. Noel Rosa foi taxativo: “Pra que mentir se tu ainda não tens a malícia de toda mulher” (Pra que Mentir). E Pepeu e Moraes Moreira descobriram a força: “A todos mostrava naquele momento a força que tem a mulher brasileira” (Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira).
Assinar:
Postagens (Atom)