14 março 2007

Linguagem proibida

O caráter chulo desta ou daquela palavra ou acepção prende-se aos tabus fisiológicos (especialmente sexuais) que envolvem o corpo humano no contexto social, ou seja, a revelação entre o comportamento público e privado. Transgredir o limite entre o privado e o público (quer no ato, quer no dito) significa “ofender” conveniências/convenções éticas, religiosas ou jurídica – donde a “ofensa”ser usada como “insulto”. Sendo o palavrão ofensa/insulto, e consequentemente policiado na linguagem escrita mais que na falada (já que esta segue menos regras que aquela), fica restrito/rebaixado, respectivamente, à pornografia e à vulgaridade, apenas tolerado sob a camuflagem do eufemismo.

A obscenidade é imoral, mas, para sê-lo, precisa ser dita. O “escondido”deve mostrar-se de alguma forma. E para exibir-se como “escondido” deve utilizar-se de um código próprio: um código que simultaneamente anuncie e oculte sua própria fala. A linguagem é um campo privilegiado que oferece amplas possibilidades para esse jogo, pois as palavras se prestam a duplos sentidos, permitindo a ambigüidade necessária.

Fica o dito, pelo não dito – essa parece ser a fórmula ideal da linguagem erótica. Essa é a ordem da linguagem proibida, instaurando uma linguagem da ordem, ainda que pelo avesso. Pois, nem o obsceno pode fugir à uma ordenação cultural, e a colocação da sexualidade em discurso obedece a uma normatização. Na obra é “A Linguagem Proibida: um estudo sobre a linguagem erótica” Dino Preti revelando uma das formas de discurso popular que os temas proibidos assumiram no Brasil da virada do século. Através das definições do dicionário pode-se perceber a dupla moral de uma época em que o comportamento burguês de “bons costumes” procura mascarar a latente ideologia machista. O processo metafórico se organiza sempre a partir do ponto de vista masculino, e ao desmontá-lo o autor deflagra algumas das formas de opressão da mulher na nossa sociedade.

Há um grande número de termos em torno do ato sexual e dos órgãos genitais. Ao examinarmos a série sinonímica que designa o órgão sexual masculino notamos a semelhança física entre os elementos comparados. Daí a sua permanência até nossos dias. Alguns desapareceram porque eram objetos da época, de uso mais restrito. Em rápida análise desses sinônimos, observa-se que neles estão presentes os temas de violência, força, agressividade (cacete, cano, chuço, ferro, lança, malho, manivela, músculo, pau, pistola, Petrópolis, trabuco, vara, varão), de resistência, rigidez (eixo, ferro, jacarandá, malho, maniçoba, nabo, pau, peroba, Petrópolis), de agilidade, astúcia (bagre, gato, músculo) e de dimensão (banana, bisnaga, cano, espiga, lingüiça, nabo, paio, Petrópolis, travão, varão).

A um sentimento de força, poder e de violência, essencialmente masculino, corresponde uma afirmação de fraqueza e impotência feminina, com imagens desvalorizadoras referentes às suas partes pudendas, tais como engenhoca, fenda, greta, quintanda, ruptura (órgão genital) e bolacha, bombordo, disco, esfera, furo, gelatina, melancia, orifício, rosca, quiosque (para as partes anais). Enquanto o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só.

Assim, a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria, no vocabulário obsceno, e nos processos lingüísticos de expressão da malícia, se apresentam como formas lingüísticas estigmatizadas e de baixo prestígio, condenadas pelos padrões culturais, o que as transformou, com poucas exceções, em tabus lingüísticos. Como os costumes, submetidos a um processo competitivo de forças sociais opostas, em que se alternam e se equilibram leis de continuidade e da renovação, controladas pelo grau de aceitabilidade do povo, em diferentes épocas, assim também o estoque lexical sofre a influência das pressões sociais que ora o prendem a tradição de uma hipotética “boa linguagem”, ora o libertam para a aceitação de novos vocábulos, novos conceitos, surgidos da necessidade de expressar idéias e atividades mais recentes.

Sob a perspectiva moral, por exemplo, as frágeis linhas que marcam os limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam dentro da comunidade, são transpostas para o campo do léxico. Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras tornam-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proíbem-se ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus” termos, apropriados ou inadequados aos mais variados contextos.

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