
Dickie Dare, criado para a Associated Press Features, narra as aventuras de um garoto que sempre se metia em situações de perigo. Ao assumir sua nova criação, Terry e os Piratas, Caniff conquistou 30 milhões de leitores. Naquela época, 1934, Harold Foster glorificava a África com seu Tarzan, enquanto Alex Raymond fazia Jim das Selvas explorar o Sudeste da Ásia incansavelmente; o mundo do futuro já pertencia a Flash Gordon, e as cidades estavam tomadas por detetives e agentes secretos como Dick Tracy e X-9. Então, sobrava o Oriente - mais precisamente a China. Segundo o próprio Caniff, “a intenção era conq

Um ano depois Caniff cria na série Terry e os Piratas uma das mais interessantes personagens femininas dos quadrinhos: Dragon Lady, ou Madame Dragão. Ao que parece, Caniff se inspirou na atriz Joan Crawford, e em um recorte de jornal sobre uma mulher pirata que teria existido de fato, aterrorizado os mares da China nos anos 30 e em uma lenda chinesa, segundo a qual o espírito dos dragões encarnaria em certos seres humanos que se tornariam perigosos e ameaçadores. Dragon Lady é, de fato, um pouco disso tudo. Uma mulher lindíssima, meio oriental meio ocidental, cujo nome verdadeiro é Lai Choi San, ou seja, Montanha de Riqueza, e que lidera um bando de piratas.
Em 1941 Terry cresce e se torna tenente e piloto da Força Aérea. Ao engajar Terry Lee (Terry e os Piratas) na Força Aérea e retratar com fidelidade as paisagens, os aviões, as armas de guerras, as fardas dos soldados, Milton Caniff conquista não apenas o gosto patriota dos americanos, mas também o interesse político do Governo. O Departamento de Estado encomendou o Serviço Noticioso de Campanha uma história especial para ser publicada nos jornais do exército e para estimular o moral da tropa. Surge Male Call (Miss Lace), pin-up extremamente sensual em roupas negras, e que evocava freudianamente a figura materna com seus seios opulentos e o decote generoso, para aplacar a dor e a sede dos soldados no front.
Seu último personagem, Steve Canyon era tenente-coronel da Força Aérea que espelhou a traumática atuação dos EUA na guerra do Vietnam. Em abril de 1988 o mestre dos quadrinhos morreu em Nova York, aos 81 anos com câncer no pulmão. Considerado o Rembrandt dos Comic Strips (título de um livro biográfico a seu respeito), Caniff foi um dos primeiros a sofrer a influência da linguagem cinematográfica e um dos poucos que fizeram da tira um formato capaz de conter beleza plástica e boa estrutura narrativa. Dono de um estilo seco, telegráfico, direto, usando termos precisos e abordando temas polêmicos, conseguiu um equilíbrio total na colocação de suas aventuras com a realidade da época.

Sua linguagem de cinema nos quadrinhos frequentemente levava a comparações com o cineasta John Ford. Ao enquadrar os personagens da historieta Terry e os Piratas numa edição de domingo, a cores, ele colocou o herói e a heroína, deitados na capa, iluminados apenas pelas pontas vermelhas de seus cigarros. Caniff foi considerado um dos poucos desenhistas de quadrinhos que conseguiu elevar seu trabalho ao nível de pura arte. Seja no seu tempo, técnica de desenhos, na linguagem cinematográfica, também no seu comportamento como profissional. Foi um dos fundadores da National Association of Cartoonists, em 1946, tendo sido seu presidente. Recebeu três doutorados honorários, condecorações e inúmeros prêmios. Ganhou, por exemplo, o Reuben e o Field´s, em 1946 e 1971. Em 1981, recebeu o Coveted Maxwell A. Kriendler Memorial, e em 1987 foi considerado o Primeiro Membro Honorário da Eight Air Force Historical Society, em reconhecimento à sua sensual Miss Lace.
Milton Caniff captou não apenas o espírito de um povo e de uma época, mas mostrou com as HQs poder, sem perder a plasticidade e qualidade narrativa, receber a influência da realidade e, em casos singulares como foi o seu, interagir com ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário