14 dezembro 2006

Bartolomeu de Gusmão

Padre, cientista. Bartolomeu Lourenço de Gusmão era filho do cirurgião-mor do presídio de Santos, o português Francisco Lourenço Rodrigues, e de dona Maria Álvares. O casal teve seis filhos, dos quais cinco tornaram-se padres e freiras (duas). Apenas um não se ordenou. Bartolomeu de Lourenço foi batizado no dia 19 de dezembro de 1685, na Vila do Porto de Santos, São Paulo. Sua família era muito amiga de Alexandre de Gusmão, um sacerdote que veio de Portugal para o Brasil, em 1644, e ingressou logo na Companhia de Jesus, tornando-se mais tarde reitor da Ordem dos Jesuítas, na cidade de Cachoeira, Recôncavo Baiano. O padre Alexandre teria, numa de suas viagens a Santos, convencido a família Lourenço a deixar o pequeno Bartolomeu ir estudar no distrito de Belém - próximo a Cachoeira - onde fundou um seminário em 1687. Mais tarde ele adotou o sobrenome Gusmão.

Depois de fazer os estudos no Colégio dos Jesuítas, em Santos, ainda na infância, Bartolomeu veio morar na Bahia, cuja capital era então a maior e mais importante cidade da América Latina. Ele veio completar o Curso de Humanidades, no Seminário de Belém da Cachoeira, dirigido pelo protetor, padre Alexandre de Gusmão, revelando-se inclinação pelos estudos de Física e Mecânica. O Seminário de Belém foi o local onde o cientista desenvolveu suas principais pesquisas nas áreas de física e matemática. Cursou o seminário jesuíta de Belém onde se fez noviço, mas deixou a Companhia para receber ordens como padre secular. Estudou em Lisboa no período de 1701 a 1705. De volta a Salvador, ainda na adolescência, construiu uma bomba elevatória para abastecer o colégio dos padres com a água do rio Paraguassu. Foi sua primeira invenção. Pouco tempo depois, aos 15 anos, construiu pela primeira vez um pequeno balão esférico, cheio de ar, aquecido por um fogo, que saía de um prato cerâmico a ele pendurado. Ou seja, por volta de 1700, a Bahia seria palco da primeira construção de um aeróstato (nome científico do balão), fato este que consta, inclusive, numa das atas da Câmara Municipal de Salvador e do livro História da Companhia de Jesus no Brasil, do jesuíta Serafim Leite. Ele se dedicava com entusiasmo ao invento que haveria de imortalizá-lo, consagrando-se como o verdadeiro precursor da aeronáutica no mundo, tentando os primeiros ensaios do vôo humano.

As notícias sobre os experimentos com o engenho se espalharam pela região. E o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão começou a sofrer muitas chacotas e perseguição. Tendo chegado a Lisboa, recomendado ao Marquês de Abrantes, aproximou-se de D.João V, a quem contou os estudos e as experiências sobre a possibilidade da locomoção pelos ares. O monarca mostrou-se interessado. Ele chegou a exibir sua experiência, em 1709, ao rei. Na ocasião, segundo alguns historiadores, “o balão atingiu a altura do telhado da Sala das Embaixadas, no Paço Real de Lisboa”. Mas o balão chocou-se de encontro às cortinas da sala, causando um incêndio. Diante do fracasso ele não desanimou e entregou-se aos trabalhos de reconstrução do aparelho. A partir daí o padre ficou famoso, e passou a ser chamado “padre voador”. Ele demonstrava também apreciáveis qualidades de orador sacro, tendo posição de destaque. Manejava com maestria as línguas latina, francesa e italiana, como traduzia com facilidade o grego e o hebraico. De seus sermões apenas três peças são conhecidas: Sermão da Virgem Maria, Sermão de Nossa Senhora do Desterro e Sermão da festa do Corpo de Deus, e foram publicados por Afonso d’Escragnolle Taunay, juntamente com o texto do opúsculo impresso em 1710, contendo a descrição de outro invento do sacerdote brasileiro. Intitula-se o folheto: Vários modos de esgotar sem gente as naus que fazem água. Fez versos e participou da Academia dos Anônimos.

Chegou a ocupar a cadeira de Matemática da Universidade de Coimbra, e, posteriormente, como membro da Real Academia de História. Por ironia, a história mundial não dá ao padre o título de inventor dos balões. Na época, D. João V mandou que lhe dessem a subvenção para que continuasse os estudos. A junta dos três estados negou-se a entregar-lhe o auxílio, sob a alegação de que não havia dinheiro. Sob as maiores dificuldades e sofrendo perseguições de toda espécie, viu-se envolvido em processo no Tribunal da Inquisição. As experiências foram proibidas pela Inquisição, sob a alegação de que “eram diabólicas”. O padre Gusmão foi vítima de insidiosa campanha de difamação. Caiu assim em desgraça, depois de envolvido em complicada intriga, que o obrigou a expatriar-se, fugindo para a Espanha, onde se recolheu ao hospital de Toledo. Foi encarcerado, sob rigoroso jejum, acusado de praticar infernais artes mágicas. Os jesuítas conseguiram, após grande esforço, libertá-lo. Gravemente enfermo, Gusmão foi recolhido ao Hospital de Misericórdia. Não era só os sofrimentos do corpo, mas os do espírito, diante da ingratidão dos homens. Tal estado de alma apressou-lhe a morte. Na noite de 19 de novembro de 1724, na cidade de Toledo, Espanha, ele faleceu, sendo sepultado na Igreja de São Romão. Em 1783, os Irmãos Montgolfier mostraram suas experiências com balões ao rei da França, Luís XVI, ficando, até hoje, com a glória de serem os primeiros inventores.

Tunay considera-o homem de gênio: “o primeiro americano a realizar, no cenário mundial, uma invenção notável”. O padre Bartolomeu de Gusmão ocupou-se de outras máquinas: um moinho mais veloz que os existentes; um sistema de lentes para assar carne ao sol (inspirado, como a própria Passarola, de Arquimedes); maquinaria para a exploração racional das turfeiras. Seu aeróstato é reconhecido internacionalmente como o primeiro do gênero. A montgolfière, dos irmãos Joseph e Etienne Montgolfier, é de 1783. Curiosamente, os dois franceses celebrizaram-se ainda pela invenção de um aparelho para elevar água, de 1792, de novo, exatamente como o padre Bartolomeu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Gutemberg,
Para obter mais informações sobre Bartolomeu de Gusmão, gostaria de manter contato.
Siegurd Dunce
dunce@uol.com.br
Salvador-Bahia

Anônimo disse...

Bartolomeu de Gusmão foi um dos grandes luso-brasileiros esquecidos, agora evocado pelo Prof. Joaquim Fernandes
( Historiador, Universidade Fernando Pessoa )na sua recente obra “O Grande Livro dos Portugueses Esquecidos”
( Temas&Debates&Círculo de Leitores, 2008 )

Prefácio de Carlos Fiolhais:





Cientistas, escritores, matemáticos e inventores que deixaram um importante contributo em áreas como a química, a lógica, a física, a medicina. Resgatando muitas dessas figuras ao esquecimento, o historiador Joaquim Fernandes concretizou uma inédita pesquisa sobre os homens e mulheres que deixaram uma inquestionável marca na História.


«Deveria ser um manual escolar.»
Tiago Cavaco, Revista Ler

«É revelador que O Grande Livro dos Portugueses Esquecidos seja também e em grande medida uma colecção dos mais nobres traidores da Pátria. Traição aqui como a mais sublime devoção possível a um país. Boa parte desses valorosos concidadãos foi em vida apelidada de Judas pela sua própria terra. O mínimo que se espera é postumamente fazer justiça às suas memórias.»
Tiago Cavaco, Revista Ler

Sabia que na corte de Catarina, a Grande, existia um médico português? Próximo da czarina, Ribeiro Sanches serviu a soberana russa sendo considerado um dos grandes percursores da reforma pombalina. Em Londres ardeu em praça pública Cavaleiro de Oliveira, escritor e diplomata que não se quis calar editando polémicos escritos. Encarcerado na Junqueira morreu aquele a que os alemães chamaram de “Newton português” – Bento de Moura, físico e inventor. Herói da independência do Brasil, Andrade da Silva descobriu o terceiro elemento químico, o lítio.

Talentosos, lutadores e por vezes ignorados em vida, contam-se os atribulados percursos de vida de homens e mulheres que, dentro ou fora do país, deixaram um inquestionável contributo.

Esquecidos, mas de extraordinárias vidas, é na verdade uma aventura a descoberta destes portugueses pelo mundo...


Do Prefácio:

«A identidade nacional faz-se a partir da memória, mas a memória portuguesa é estranhamente selectiva. O historiador Joaquim Fernandes, neste seu livro bem documentado sobre os "portugueses esquecidos", vem lembrar-nos muitos nomes que, apesra de o merecerem, não têm conseguido passar no crivo da nossa memória colectiva. As razões serão as mais variadas. Mas talvez a mais comum seja o facto de grande parte desses notáveis se terem ausentado do seu país natal (ou permanecido ausentes do país natal de seus pais). Muitos deles perseguidos na sua própria terra foram para longe e ficaram longe na nossa memória. Outros ficaram por cá, desafiando condições difíceis, mas foi como se tivessem ido para longe. Também foram injustamente ignorados.»


Da Introdução: (...)

“Invocamos neste inventário – que não poderia ser definitivo, antes ilustrativo – o tríptico em que assenta o afrontamento e a incompreensão da sociedade portuguesa perante muitos criadores e pensadores da diversidade científica e cultural, das heterodoxias ideológicas e religiosas: errância, ignorância, intolerância, definem, a nosso ver, os nódulos conflituais que resulta(ra)m do cruzamento entre as minorias mais inconformistas e o corpo maioritário da nação.
Pretende-se com esta divulgação histórica recuperar a memória de um longo cortejo de portugueses cuja obra, vilipendiada ou cerceada por obstáculos ideológicos vários, se diluiu nas ruínas de uma injusta amnésia colectiva. De uma forma didáctica, este espaço visa ajudar à formação de uma opinião leitora mais crítica que propicie novos espaços para a tolerância, incentive o reforço da nossa auto-estima comum e incorpore um conhecimento mais justo dos préstimos da cultura científica portuguesa para a constituição do saber universal. (...)”

Gutemberg disse...

Amigos

Escrevi sobre Bartolomeu Gusmão em meu livro Gente da Bahia Volume 2, lançado em 1998