Considerada a terra da felicidade, uma espécie de nascedouro da pátria, essa baianidade que o dicionário Aurélio afirma ser “um amor intenso à Bahia, à sua gente e aos seus costumes” se refere à capital e ao recôncavo baiano. Alguns estudiosos, como o historiador Cid Teixeira, cresceram vivenciando o movimento nas ruas da cidade, o jeito de andar, o ritmo e os hábitos dos soteropolitanos. “Há um certo jeito de ser que não acredita no relógio, mas numa noção de tempo muito ligada a esse viver. Sabe que nada tem necessidade de ser levada demasiadamente a sério (não confundir com irresponsabilidade). Trata-se de aprender o quanto a vida é relativa. Há também uma certa familiaridade no tratamento com desconhecidos, que não deve ser confundida com intimidade”, explica.
O antropólogo Milton Moura afirma, em um dos debates sobre identidade cultural exibidos no site Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que na Bahia há uma espécie de “versão identitária” emblemática, uma visão que “privilegia o passado, a origem africana da população negro-mestica, a presença dos orixás, como a continuação da África na Bahia. Um erotismo pululante (...). Nós caminhamos pelas ruas como se dançássemos, o que é verdade. Somos cheios de lascívia, portanto estaríamos muito mais propensos a amar do que trabalhar”. Entre as características associadas à baianidade, a preguiça parece ser a mais rejeitada e considerada improcedente tanto por estudiosos, quanto pelo povo na rua. O professor Gey Espinheira afirma que o mito da preguiça baiana foi criado pela classe média alta paulista.
Para o antropólogo Roberto Albergaria, existem dois tipos de idéias que resumem a Bahia. A Bahia endógena (emergeria de baixo para cima), o ethos baiano, uma alma da cidade que se constituiu depois de 400 anos de sincretismo, de mistura afro-luso-tupi. E isso daria um a cara típica e regional à Bahia, que nos anos 30/40 vai evoluindo e se condensando. Essa é a teoria endógena, espontaneista, da baianidade. A outra teoria afirma que isso é um mito constitutivo de identidade, mas não passa de um mito. No fundo, a Bahia foi constituída de fora para dentro e de cima para baixo. De fora para dentro porque ela é uma imagem opositora daquilo que foi o Rio de Janeiro no século passado. O Rio se tornou a metrópole, capital do Brasil, e a Bahia vai se constituir por oposição, vai representar o passado, a tradição, a negritude, as raízes.
No início do século XX o Rio vai deixar de ser a capital, a metrópole brasileira, e vai se deslocar para São Paulo, que vai crescer, representar a civilização, o futuro, e a Bahia vai representar o passado. São Paulo representa a razão e a Bahia a mística. São Paulo representa o trabalho e a Bahia, a preguiça, o mito da preguiça baiana é inventada lá. São Paulo representa a civilidade, a discrição. A Bahia representa a exuberância, a cordialidade. Essa imagem contrastiva vai se reforçando nos anos 60/70, quando Salvador se tornou um balneário alternativo. Nos anos 60 os alternativos paulistanos consideravam a Bahia como balneário de desbunde (basta lembrar Arembepe). A indústria turística também reforçou essa imagem. E várias camadas de imagens foram se superpondo.
A indústria cultural local e a economia do entretenimento foram fortemente ligada ao Carnaval, ao turismo e à música popular que exercera nas décadas seguintes uma significativa influência quanto ao impacto “identitário” do ser baiano. Foi a indústria cultural que ampliou o discurso da baianidade, transformando-o em um produto lucrativo através do turismo e da economia do lúdico. A idéia passou a ser investida pelas mídias impressa e eletrônica nos últimos decênios. Da arquitetura para a literatura, das artes plásticas para a canção popular, do cinema para as peças teatrais, compôs um quadro vivo da Bahia e daí o mito baiano. O ensaísta Antônio Risério definiu que os pilares do “mito baiano está assentado num tripé: antiguidade histórica, originalidade cultural, beleza natural e urbana. Foi a partir desses elementos, que são reais, que o mito evoluiu, dos tempos coloniais aos dias de hoje”. Para o sociólogo Milton Moura a baianidade é dotada de certos traços característicos, como a familiaridade, a sensualidade, a religiosidade e, em grande medida, a negociação política.
A música produzida na Bahia é muito mais do que uma simples manifestação estética. De ritmos imediatista, pragmático e notadamente comercial (letras pouco elaboradas e refrões fáceis) a axé music, pagode, arrocha e hip hop tem larga penetração na mídia de todo o país, contribuindo sobremaneira para a afirmação da imagem de uma Bahia idealizada com forte apelo de temas como verão, praia, alegria, sensualidade. Por outro lado, o inventário musical que compreende manifestações tradicionais do Recôncavo passando por Caymmi até Caetano Veloso, Moraes Moreira é mais um continuum de tradição musical do Recôncavo re-elaborado. Essa produção cultural reatualiza a Bahia mística do imaginário popular. Tem ainda a gramática local, espécie de “língua-franca” que decodifica os códigos locais ou regionais. Para muitos o baiano tem fala mansa, arrastada, preguiçosa.
Esse jeito de ser baiano sobrevive onde a cultura popular se mantém viva: na barraca da Feira de São Joaquim, no tabuleiro da baiana, na conversa de botequim, nos fuxicos de vizinha, na camaradagem que ainda reina em alguns bairros, no catolicismo popular da sala dos milagres da Igreja do Bonfim, nas senhoras de idade que, tomadas pela energia do orixá, se erguem, e rodopiam pelo terreno a dançar com a mesma desenvoltura das meninas que passeiam exalando um charme que não está em roupas caras, mas talvez disfarçado num certo gesto de se portar e sorrir. Outra característica da Bahia é o prazer em trazer muita gente para comer na sua mesa, de graça, inclusive pessoas que você não conhece. Isso está presente nas trezenas de Santo Antônio, nos terreiros de candomblé, em festas tradicionais como a Lavagem do Bonfim, Lavagem de Itapuã.
O antropólogo Milton Moura afirma, em um dos debates sobre identidade cultural exibidos no site Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que na Bahia há uma espécie de “versão identitária” emblemática, uma visão que “privilegia o passado, a origem africana da população negro-mestica, a presença dos orixás, como a continuação da África na Bahia. Um erotismo pululante (...). Nós caminhamos pelas ruas como se dançássemos, o que é verdade. Somos cheios de lascívia, portanto estaríamos muito mais propensos a amar do que trabalhar”. Entre as características associadas à baianidade, a preguiça parece ser a mais rejeitada e considerada improcedente tanto por estudiosos, quanto pelo povo na rua. O professor Gey Espinheira afirma que o mito da preguiça baiana foi criado pela classe média alta paulista.
Para o antropólogo Roberto Albergaria, existem dois tipos de idéias que resumem a Bahia. A Bahia endógena (emergeria de baixo para cima), o ethos baiano, uma alma da cidade que se constituiu depois de 400 anos de sincretismo, de mistura afro-luso-tupi. E isso daria um a cara típica e regional à Bahia, que nos anos 30/40 vai evoluindo e se condensando. Essa é a teoria endógena, espontaneista, da baianidade. A outra teoria afirma que isso é um mito constitutivo de identidade, mas não passa de um mito. No fundo, a Bahia foi constituída de fora para dentro e de cima para baixo. De fora para dentro porque ela é uma imagem opositora daquilo que foi o Rio de Janeiro no século passado. O Rio se tornou a metrópole, capital do Brasil, e a Bahia vai se constituir por oposição, vai representar o passado, a tradição, a negritude, as raízes.
No início do século XX o Rio vai deixar de ser a capital, a metrópole brasileira, e vai se deslocar para São Paulo, que vai crescer, representar a civilização, o futuro, e a Bahia vai representar o passado. São Paulo representa a razão e a Bahia a mística. São Paulo representa o trabalho e a Bahia, a preguiça, o mito da preguiça baiana é inventada lá. São Paulo representa a civilidade, a discrição. A Bahia representa a exuberância, a cordialidade. Essa imagem contrastiva vai se reforçando nos anos 60/70, quando Salvador se tornou um balneário alternativo. Nos anos 60 os alternativos paulistanos consideravam a Bahia como balneário de desbunde (basta lembrar Arembepe). A indústria turística também reforçou essa imagem. E várias camadas de imagens foram se superpondo.
A indústria cultural local e a economia do entretenimento foram fortemente ligada ao Carnaval, ao turismo e à música popular que exercera nas décadas seguintes uma significativa influência quanto ao impacto “identitário” do ser baiano. Foi a indústria cultural que ampliou o discurso da baianidade, transformando-o em um produto lucrativo através do turismo e da economia do lúdico. A idéia passou a ser investida pelas mídias impressa e eletrônica nos últimos decênios. Da arquitetura para a literatura, das artes plásticas para a canção popular, do cinema para as peças teatrais, compôs um quadro vivo da Bahia e daí o mito baiano. O ensaísta Antônio Risério definiu que os pilares do “mito baiano está assentado num tripé: antiguidade histórica, originalidade cultural, beleza natural e urbana. Foi a partir desses elementos, que são reais, que o mito evoluiu, dos tempos coloniais aos dias de hoje”. Para o sociólogo Milton Moura a baianidade é dotada de certos traços característicos, como a familiaridade, a sensualidade, a religiosidade e, em grande medida, a negociação política.
A música produzida na Bahia é muito mais do que uma simples manifestação estética. De ritmos imediatista, pragmático e notadamente comercial (letras pouco elaboradas e refrões fáceis) a axé music, pagode, arrocha e hip hop tem larga penetração na mídia de todo o país, contribuindo sobremaneira para a afirmação da imagem de uma Bahia idealizada com forte apelo de temas como verão, praia, alegria, sensualidade. Por outro lado, o inventário musical que compreende manifestações tradicionais do Recôncavo passando por Caymmi até Caetano Veloso, Moraes Moreira é mais um continuum de tradição musical do Recôncavo re-elaborado. Essa produção cultural reatualiza a Bahia mística do imaginário popular. Tem ainda a gramática local, espécie de “língua-franca” que decodifica os códigos locais ou regionais. Para muitos o baiano tem fala mansa, arrastada, preguiçosa.
Esse jeito de ser baiano sobrevive onde a cultura popular se mantém viva: na barraca da Feira de São Joaquim, no tabuleiro da baiana, na conversa de botequim, nos fuxicos de vizinha, na camaradagem que ainda reina em alguns bairros, no catolicismo popular da sala dos milagres da Igreja do Bonfim, nas senhoras de idade que, tomadas pela energia do orixá, se erguem, e rodopiam pelo terreno a dançar com a mesma desenvoltura das meninas que passeiam exalando um charme que não está em roupas caras, mas talvez disfarçado num certo gesto de se portar e sorrir. Outra característica da Bahia é o prazer em trazer muita gente para comer na sua mesa, de graça, inclusive pessoas que você não conhece. Isso está presente nas trezenas de Santo Antônio, nos terreiros de candomblé, em festas tradicionais como a Lavagem do Bonfim, Lavagem de Itapuã.
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