04 dezembro 2006

Abre a roda que o samba vai passar


O samba surgiu na Bahia, mas se popularizou nacionalmente através do Rio de Janeiro, que, com uma indústria fonográfica forte, teve um papel fundamental na divulgação dessa música. Ao primeiro toque do tambor, homens e mulheres se colocavam a postos, em círculos. E iam se alternando no centro da roda, dançando sozinhos ou em pares, enquanto os outros acompanhavam em palmas. “A dança consiste num bambolear sereno do corpo, acompanhado de um pequeno movimento dos pés, da cabeça e dos braços. Estes movimentos aceleram-se, conforme a música se torna mais viva e arrebatada, e, em breve, se admira um prodigioso saracotear de quadris”, informa o antropólogo Edison Carneiro em seu livro “Samba de umbigada”. Quando dançam sozinhos, convidam outro a substituí-lo com uma umbigada, que chamam de “semba”.

Filho legítimo das danças africanas, especialmente dos povos de língua banto, o samba veio dos batuques e lundus. Onde se plantava cana, tabaco, algodão, café e minas de ouro, havia negros e onde havia negros, havia dança e música, lembra Carneiro. Assim, os batuques foram se espalhando pelo país e se misturando com sonoridades e danças dos portugueses e dos índios, dando origem ao coco (no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas), ao jongo (no Rio, São Paulo, Minas e Goiás) e ao samba (no Maranhão, Bahia, Guanabara e São Paulo), afirma o pesquisador.

Considerado obscena, ofensivo, os sambas eram vistos como locais de orgia e bebedeira, dignos da mais severa perseguição. Apesar de tudo, o samba sobreviveu. Os negros eram a maioria da população e o samba, a forma que eles conheciam de celebrar, se divertir, brincar. E apesar da base africana, o samba é natural do Brasil, onde descobriu novos instrumentos, coreografias e sotaques.

Os pesquisadores são unânimes em afirmar que o centro de tudo, o local onde o samba ganhou vida foi no recôncavo baiano, onde a música estava nas plantações, na pesca, na hora de construir, no lazer. O samba, naquela época cadenciava o trabalho. O coração do samba no recôncavo é a região que inclui Santo Amaro, Acupe, Santiago do Iguape e Cachoeira. E foi de Cachoeira que saiu Hilária Batista de Almeida, ou Tia Ciata, a mulata baiana que, no começo do século XX, ensinou o Brasil a sambar. Ela promovia em sua casa festas onde estava presentes os grandes músicos da época e foi lá que surgiu “Pelo Telefone”, o samba que lançaria no mercado fonográfico um novo gênero musical. A gravação de Donga foi em 1917, mas antes dele, em 1902, o santo-amarense Baiano foi o responsável pela primeira gravação feita no Brasil, o lundu “Isto é Bom”, do baiano Xisto Bahia. A partir daí o samba se espalhou por todo o país.

Há várias vertentes do samba como o choro, um samba em forma de canção, ou a bossa nova, ritmia do samba a serviço do requinte melódico da região. O samba de roda foi a grande fonte de inspiração do pagode baiano, assim como o samba duro e o pagode carioca.

Depois que a Unesco reconheceu o samba de roda como Obra-prima do Patrimômnio Oral e Imaterial da Humanidade, todas as atenções se voltaram para essa expressão cultural que, desde os tempos da escravidão, floresce no entorno da Baía de Todos os Santos. O samba de roda do Recôncavo Baiano sobrevive em dezenas pequenas comunidades interioranas, sendo a principal manifestação folclórica nas datas festivas, comemorações do dia a dia ou nos batuques que animam o encontro de amigos nos butecos.

“Desde que o Samba é Samba”, composição do mano Caetano diz: “A tristeza é senhora,/Desde que o samba é samba é assim/A lágrima clara sobre a pele escura,/a noite e a chuva que cai lá fora/Solidão apavora,/tudo demorando em ser tão ruim/Mas alguma coisa acontece,/no quando agora em mim /Cantando eu mando a tristeza embora//O samba ainda vai nascer,/O samba ainda não chegou/O samba não vai morrer,/veja o dia ainda não raiou//O samba é o pai do prazer,/o samba é o filho da dor/O grande poder transformador”.

Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Roberto Mendes e outros artistas baianos já se renderam à beleza do ritmo tendo gravado vários samba de roda. De raiz africana, era a diversão dos escravos e se subdivide em vários formatos como a chula, o samba de corrida, o de parada, de quadra, o samba duro, entre outros. O samba não é apenas um ritmo, é algo mais que uma simples música, ele evidencia o sentimento de um povo, uma espécie de herança que passa de gerações a gerações sendo, portanto, um conjunto de emoções.

O poeta Vinícius de Moraes sintetizou, com extrema felicidade, a origem do samba brasileiro, seu compromisso com a herança africana e as contribuições que lhe foram trazidas pela cultura européia, ao dizer que “o samba nasceu lá na Bahia e se hoje é branco na poesia, ele é negro demais no coração...”.E Zé Keti completa: “Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/Quero mostrar ao mundo que tenho valor/Eu sou o rei do terreiro/Eu sou o samba/Sou natural daqui do Rio de Janeiro/Sou eu quem levo a alegria/Para milhões de corações brasileiros/Salve o samba, queremos samba/Quem está pedindo é a voz do povo de um país/Salve o samba, queremos samba/Essa melodia de um Brasil feliz”. (Gutemberg Cruz)

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