13 setembro 2020

Personagens do cartunista Lage

Quem quiser entender a Bahia de 1969 a 2006 precisa levar a sério o trabalho do cartunista Helio Roberto Lage (1946-2006) e olhar com atenção o comentário cáustico e agudo de suas charges. Mais do que jornalistas, são cronistas do desenho, que respondem diretamente aos acontecimentos com traço e legenda. De traço simples, ele conseguiu captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente. Cartunzão, L´amou tuju L´amu, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar mostra um humor sem retoques – autêntico e mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro, a perplexidade nossa de cada dia.

Em 1969 começou a desenvolver charge e tiras de humor no jornal recém fundado, Tribuna da Bahia. Na série Estorinha do Lage começou a publicar um herói espacial, sátira ao super-herói. Ainda na tira ele criou o papagaio Put. Nos anos 70 começou a desenhar uma página inteira de humor no jornal O Dia, de Piauí. Durou um ano. Em seguida começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo Novaes no Jornal do Brasil. Depois veio a serie Cartunzão, muito irreverente. Para o suplemento A Coisa criou L´amu tuju L´amu abordando os costumes e comportamentos populares. Nos anos 80 começou outra serie de tiras diárias, Tudo Bem onde a mulher, Kátia Regina por exemplo, era a personagem principal, mesmo com a presença constante de Arlindo Orlando.

 


De 1976 a 1980 foi editor de arte da revista Viverbahia quando começou a fazer quadrinhos coloridos. Em 1981 passou a ser editor de arte da revista Axé Bahia e publica os quadrinhos da sensual Dora Mulata. Em 1994 no Jornal da Pituba cria o quadrinho Pituboião, satirizando o dia a dia da comunidade.

 

Segue abaixo algumas das tiras de Lage incluídas em minha pesquisa inédita A,B,C dos personagens do quadrinho brasileiro (De Nhô Quim, de Agostini aos Zeróis, de Ziraldo) para ser publicada em livro:

 


ÂNSIA DE AMAR – Tira diária publicado no rodapé da página 2 do  Caderno de Cultura da Tribuna da Bahia a partir de 1993 mostrando os problemas afetivos. Aborto, traição, ciúme são analisados nas tirinhas. Do preconceito ao amor sublime, a tira diária Ânsia de Amar é um retrato das relações contemporâneas entre homens e mulheres. Com a mesma sagacidade, retratada em seus cartuns, a hipocrisia social e política são vistas nessa obra. A proposta é desmistificar o sexo e até mesmo a pornografia. Sua fonte de trabalho: as conversas em mesas de bar, telefones públicos, histórias contadas por amigos e ele próprio. Neste último caso, Lage (1946-2006), o autor,  aproveita para fazer uma autocrítica. Ou seja, nem o próprio escapa.

 


ÂNSIA DE MAMAR – Publicada na Tribuna da Bahia esta série criada pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) nos anos 1990 desnudava de forma satírica e impiedosa as maracutaias tramadas por um parlamentar e sua incorrigível genitora. O lápis, o espírito crítico e o talento eram os seus materiais de trabalho. As grandes festas do verão baiano, o sofrimento do povo e as artimanhas políticas, sua fonte de inspiração. Rapidamente conquistou o seu mercado. Começou sua carreira em 1967, fazendo charges para a Tribuna da Bahia, jornal onde permaneceu até seu falecimento. Em 1997, foi eleito o melhor cartunista brasileiro pelo Troféu HQ Mix. Treze anos depois de sua morte, é um patrimônio da cidade de Salvador. Ele criou tipos, retratando situações, um grande cronista local. Lage atravessou 40 anos de charges, cartuns e quadrinhos como um observador vigilante e de fino espírito crítico. Como conseqüência, submeteu a seu olhar os presidentes, governadores e prefeitos que administraram o País e a cidade de Salvador durante os anos em que trabalhou em jornais e revistas.

 


BREGA BRAZIL – Série publicada na Tribuna da Bahia a partir de 1991, do cartunista baiano Lage (1946-2006). A tira Brega Brazil satirizava os desmandos do governo Fernando Collor de Mello (1990-1992) através de caricatos personagens. O desenhista contava também as peripécias entre o tesoureiro Paulo César Farias, o PC Farias e seu filho Faria Junior, um garoto de respostas rápidas e muitos dólares na cabeça. Depois da ditadura, finalmente os brasileiros iriam escolher direta e abertamente o seu presidente da República. A primeira eleição da Constituição Cidadã de 1988 elegeu o desconhecido governador das Alagoas, Fernando Collor de Mello. Ele juntou um discurso oposicionista com a moralidade administrativa e conseguiu mobilizar a multidão. Personalista, autocrata, demagogo, conseguiu mobilizara multidão. Ao chegar no poder congelou as contas bancárias para conter a inflação. Não adiantou. Com a economia enfraquecida, uma turbulência política começou a inviabilizar o governo: acusações de corrupção ficaram cada vez mais intenso. Em vez de mandar apurar, Collor reagia atacando a oposição, o Congresso e a mídia com diversas manifestações, passeatas e protestos, a OAB e a ABI deram entrada no Congresso a um pedido de impeachment do presidente. Para tentar fugir da perda dos direitos políticos, Collor renuncia à Presidência da República. Foi o mais negro capítulo da história política do Brasil. Assim, com o apoio das elites, o jovem alagoano vence as eleições e o palácio do governo começava a se tornar o centro de uma vasta rede de corrupção e negociatas, na qual projetos só andam se movidos a propina (e ainda continua hoje). Multidões saem às ruas e o presidente sofre impeachment, mas se livra da prisão. Meses depois ele e a esposa estavam numa ilha do Taiti. Mais tarde o casal se muda para Miami, onde o ex-presidente nega ter a Ferrari de US$120 mil e a casa com torneiras folheadas a ouro que estaria construindo... A suposta quadrilha durante a era Collor em Brasília não seria a única a saquear os cofres da nação. Em suas tiras Lage mostra o povo sem pão nem circo, reclamando de melhorias de vida. Já não existe mais amor em Brega Brazil, o povo lá só quer saber de sexo. Brega Brasil, para o autor, será sempre um país falido, um mero pedaço de terra de ninguém que anos atrás foi confundida como uma pátria e agora grande parte do povo é composta de bichos escrotos, reflexo do grande poder escrotão. E graças ao poder corrupto, irresponsável e inconseqüente, as coisas se deteriora em ritmo acelerado.

 


DORA MULATA – Quadrinho criado pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) na revista Viverbahia a partir de 1981. A sensual Dora era uma nativa da ilha de Itaparica, na Bahia. Ela se relaciona com um gringo, um francês e um nativo. Triângulo amoroso onde ela tinha preferência pelo francês. Foi publicada também na revista Axé Bahia. Sua maneira objetiva de apresentar, com a simplicidade de seu traço, os vários problemas diferentes ao ser humano, descrevendo com capacidade, firmeza os muitos quadros públicos. O olhar “malandro” das suas personagens, desta vez apresenta o empoderamento da mulher que começa a se emancipar do machismo da época. Artista consciente do seu trabalho e possuidor de um senso crítico bastante apurado, as personagens de Lage são aparentemente simples, feitas de poucos traços que demonstram, na maioria das vezes, a perplexidade das situações de desumanização da vida cotidiana, mas não perde a alegria do viver, seja na orla de Salvador ou nas festas de largo.

 

HISTORIHA DO LAGE – Tira diária publicada pelo cartunista baiano Lage (1946-2006) na Tribuna da Bahia a partir de 1969. Conta as aventuras de um herói espacial, sátira ao super heroi. Um sujeito que vivia no futuro, mas tinha muitas coisas no presente e passado, ambientado na Bahia. Na série ele criou o papagaio Put, personagem irreverente.

 


L´AMU TUJU L ´AMU – Série cômica de autoria do cartunista baiano Lage (1946-2006) em 1975 no suplemento A Coisa da Tribuna da Bahia e no independente Coisa Nostra, em 1976. Trata-se do comportamento amoroso, o relacionamento homem/mulher. O desgaste, a rotina e os problemas que afetam os relacionamentos são abordados no diálogo de um casal que, na maioria das vezes, aparece no ambiente de um quarto. Lage utiliza uma linguagem coloquial, simples, bem popular. “São textos pequenos, mas cheios de malandragem e de erotismo característicos do povo baiano”, atesta Hilda Guanais Fausto no seu projeto de pesquisa para análise do Curso de Comunicação da UFBa. Talvez influenciado até pela sua vida de casado, o autor resolveu apresentar um personagem ligado ao problema de sexo e amor. A tira ajudou também aos leitores. Seu humor é baiano em cada traço, em cada frase e atinge em cheio o alvo traduzindo o estado de espírito, as frustrações e os desejos de cada um dos baianos. Humor que se mistura na multidão, nas festas de largo, que persegue o trio elétrico, que mija a vista de todos nas ladeiras íngremes, que passa fome na semana e vai ao estádio da Fonte Nova aos domingos. Humor moleque, humor povo...

 


PITUBOIÃO – História em quadrinhos criada por Lage (desenho) e Helcio, Ethel Viña, Cesio Roberto, Wander Pinheiro e Renato Oliveira em 1984. A narrativa é construída em torno do candidato a política de Salvador, Bahia, Adalberto Pituboião, sujeito engravatado cuja cabeça não passa de um “tôloco de merda”. Ele está sempre cabisbaixo, meditabundo, desolado e em profunda depressão. Sempre que é possível, consulta na tenda dos milagres de Madame Ethel Vinna, mas, aconselhado por assessores, recorre à psicanálise; E, tomando algumas preocupações, o famoso analista Valter Setubal de Castro Lacerda aceita o caso de Adalberto que quase iria parar numa mesa de bar para “enchera cara”, num boteco lá na Boca do Rio. Na consulta, o psicanalista não agüentava o fedor exalado pelo político baiano mas preocupado procura acalmar o paciente e aconselha a rever suas alianças. Mais tarde na Câmara, diante de toda a mídia presente, Pituboião faz seu discurso: “Neste momento solene em que todo `covarde faz força e todo valente se caga`, quero declarar de pronto a minha renúncia, deixando claro porém, que forças ocultas determinaram esta minha atitude. Portanto, companheiros, sinto-me premido a abandonar esta arena de trabalho inolvidáveis e partir saudoso...”. E Adalberto Pituboião levanta ancoras no seu belíssimo iate `flauta de pan` com destino ao Morro de S.Paulo. “Voltará o nosso herói às lides políticas?. Os leitores suportará tal retorno?. Aguardem”, anuncia o letreiro final da historieta que ocupava duas páginas do Jornal da Pituba (bairro de Salvador) que circulou em 1984 e 1985, publicação da Empresa Jornalística Expansão. Com muito humor, além de política, a série do jornal independente, do bairro, satirizava o dia adiada comunidade. A historieta ocupava duas páginas do jornal criticando o quadro sucessório político, as músicas de sucesso, os buracos de rua, a poluição do Rio Camurugipe, do trânsito caótico e dos problemas sociais da cidade.

 

 

 

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