09 agosto 2018

Preconceito e empoderamento nos quadrinhos de Jeremias: Pele


O 18º título do prestigiado selo Graphic MSP estreou em 2012 e se tornou referência no segmento, reunindo o melhor do traço nacional em HQs produzidas pelos mais diversos artistas. Em uma reinterpretação ousada, porém necessária, como enaltece Mauricio de Sousa, em seu prefácio, o roteirista Rafael Calça e o desenhista Jefferson Costa dão vida a uma história forte, dura, emocionante, na qual a personagem lidará, pela primeira vez, com o preconceito por causa da cor de sua pele. A história é recheada de dor, superação, aprendizado e preparação para a vida. Trata-se de Jeremias: Pele.


Para Maurício de Sousa o lançamento dessa história é importante por diversos motivos e o maior deles é revelado no prefácio assinado pelo criador da Turma da Mônica: “Pele me ajudará, inclusive, a corrigir uma injustiça histórica: apesar de ser um de meus primeiros personagens, o Jeremias nunca havia protagonizado uma revista sequer. E o faz, agora, em grande estilo”.

Quem também deixou seu registro na obra foi o rapper Emicida, que escreveu o texto da quarta capa, onde diz que “a ausência de referências positivas nos rouba o direito de imaginar, estabelece um teto para nossos sonhos. Minhas lágrimas correram pelo rosto ao ler Jeremias – Pele. Eu a vivi inteira tantas vezes”.

Na história escrita por Calça, vemos Jeremias ser submetido ao Dia da Profissão, onde na escola, os alunos - ou a professora, no caso da história - escolhem com qual profissão melhor se identificam e Jeremias termina tendo como profissão algo que não desejava, pois outros acham que o seu desejo não seja viável e, com isso, ele começa a questionar tudo e a se revoltar com o que acontece a sua volta. A professora dita quem será engenheiro, médica, advogado, Jeremias quer ser astronauta, mas a professora diz que ele deve ser pedreiro. O incidente leva Jeremias a uma série de reações r isso afeta seus pais.


Jeremias aprende muito com isso, principalmente que a cor de sua pele não define nada na sua vida, somente que as pessoas não sabem reconhecer o verdadeiro valor da pessoa, não importando que cor de pele ela tenha. O pai explica ao filho o que é ser negro no Brasil e fala que, nesse mundo, você tem que criar uma casca e ser duas vezes mais forte e melhor que as outras pessoas para sobreviver e conseguir respeito. É isso, mas não é só isso. Cascas deixam a gente insensível e força não leva a nada. É preciso acumular sim, conhecimento sobre as falhas – das pessoas e da sociedade – e tentar criar pontes e não cascas, embora sempre tenhamos de bater de cabeça no muro da falta de respeito e da falta de educação e ética entre as pessoas. 


O álbum em quadrinhos traz os dois movimentos do empoderamento, segundo a pensadora americana Patricia Hills Collins: autodefinição e autoavaliação. Os dois autores, negros, autodefinem a sua própria condição, trazendo, assim, até suas experiências de vida e de exclusão, ao mesmo tempo que autoavaliam as formas como os negros são vistos pela sociedade opressora e, pelos próprios negros, como quando uma mulher branca prefere ficar em pé no ônibus do que sentar ao lado de Jeremias no banco vago.

Na própria introdução de Jeremias: Pele, Mauricio de Sousa disse que corrigia um erro histórico, que era dar a Jeremias sua própria revista. Ao mesmo tempo que confessa que essa graphic novel gerou um rebuliço nos Estúdios MSP e que “daqui pra frente, estaremos mais atentos à realidade que nos cerca”.


Jeremias foi um dos primeiros personagens cridos por Maurício de Sousa. Em 1960, um ano depois de ter publicado suas primeiras tiras no jornal Folha da Tarde em São Paulo, o autor estreava também no mercado de revistas com Zaz Traz. Jeremias e seus amigos seguiam como elenco de apoio para o Franjinha e seu cachorro de estimação, integrando a Turma do Bermudão no Bairro do Limoeiro.







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