24 maio 2016

Cidade Motor discute mobilidade em um futuro nem-tão-distante




O trânsito de Salvador é o 7º mais congestionado do mundo e o 2º mais congestionado do Brasil, segundo dados divulgados em março deste ano por um instituto especializado. As informações são referentes às condições de trânsito observadas em 2015 na capital baiana, que mostram que 43% do tempo de deslocamento na cidade são gastos em congestionamentos. Na pesquisa das capitais brasileiras mais congestionadas, Salvador aparece à frente de Recife, Fortaleza e São Paulo. Apenas o trânsito do Rio de Janeiro foi considerado pior que o da capital baiana. Ainda conforme o estudo, o motorista gasta 42 minutos por dia em congestionamentos em Salvador. Por ano, esse gasto é de 160 horas, ou seja, a cada 12 meses, o motorista perde quase uma semana dentro do carro, no trânsito da capital baiana.

Buracos, engarrafamento, falta de fiscalização e estresse. São alguns dos problemas da cidade. Os congestionamentos na cidade são cada vez mais longos. O aumento do número de automóveis não foi seguido por melhorias nas redes viárias e, tampouco, no incentivo a um transporte publico de melhor qualidade.

Diante desse quadro no presente, os autores Camilo Fróes, Moreno Pacheco e Bruno Marcello mostram Salvador do futuro. Em Cidade-Motor, a primeira incursão dos autores pelo mundo dos quadrinhos, uma Salvador distópica se torna pano de fundo para uma narrativa policial onde os carros viraram casa, o trânsito virou a vida, e a cidade se transformou em via para automóveis. Nesse ambiente, o destino do policial Celso se cruza com o de Moema, jovem da classe média empobrecida. Moema é uma jovem motogirl que se vê emaranhada em um perigoso jogo de interesses depois de sofrer um acidente de trânsito envolvendo dois policiais: um corrupto, do controle de trânsito, e outro, civil e honesto, chamado Celso. E o desfecho desse encontro passará pelas mãos de um grupo radical clandestino que busca medir forças com o poder público de um futuro nem-tão-distante.

Há cinco anos Camilo assumiu a bicicleta como principal meio de transporte e viu na ideia de
escrever quadrinhos uma forma de também discutir trânsito e a cidade, colocando em primeiro plano a disputa de espaço e de poder que vê cotidianamente nas vias públicas.

Já Moreno, historiador, sempre acreditou que a definição de onde podemos ir e de como faremos para chegar lá, tudo é reflexo de segregações de outro tipo. Um irreconhecível aglomerado de passarelas, centros comerciais, viadutos, túneis e zonas de circulação, onde veículos são ponto de partida e destino dos trajetos.

Graficamente Cidade-Motor apresenta o traço ágil de Bruno Marcello. Cenários baseados em paisagens e marcos arquitetônicos da cidade, conferem realismo a narrativa, e os figurinos e adereços de cada personagem ajudam a entender como é a vida quando se tem de viver em constante movimento, mesmo que dentro de um carro. O leitor ainda poderá ver nesta
HQ as ilustrações impactantes de Tulio Carapiá, artista convidado, dando pistas potentes sobre como será o desenrolar de cada capítulo da novela gráfica.

“Cruel”, música de Sérgio Sampaio dá início a trama. Música e HQ tem tudo a ver. Ritmo, sintonia, harmonia. O traço colado com a narrativa que flui nesse conglomerado de quadros sequenciados que dá o tom da obra. A diagramação e os balões de Tulio Carapiá são dinâmicos, interconectados, integrados. Tudo se cruza e se contrai. Tudo no caos urbano.

A publicação consegue trazer através de uma ficção ácida e impactante, uma reflexão sobre a esquizofrênica relação de Salvador com o seu sistema de transportes e a própria ideia de movimento. Salvador sempre viveu, desde seus primórdios, reformas e lapidação para alcançar a tal modernidade. Tudo uma questão política, de interesses escusos para beneficiar os empresários e torturar o povo que tem que circular em um  emaranhado de avenidas e trajetos que nos distanciam cada vez mais do nosso destino final. O poeta Gregório de Mattos já cantava, há séculos...”Triste Bahia Triste Bahia! /Ó quão dessemelhante/Estás e estou do nosso antigo estado!/Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,/Rica te vi eu já, tu a mi abundante.//A ti trocou-te a máquina mercante,/Que em tua larga barra tem entrado,/A mim foi-me trocando, e tem trocado,/Tanto negócio e tanto negociante...”.
 
A obra é primorosa por apresentar diálogos de forma dinâmica,  atrelado a uma narrativa visual veloz e bem-conceituada. A linguagem do baiano é muito bem realizada assim como as gírias simples e certeiras em suas construções. Os personagens são bem construídos assim como os cenários. A obra questiona a nossa realidade e maneira de viver, e o final traz uma reflexão que deixa o leitor surpreso.

O carro individual é um “cancro” que corrói as grandes cidades, e nas mais pobres, é algo perverso. Só a classe média alienada ainda pensa que, com seu automóvel irá a qualquer canto e a qualquer hora. Toda essa realidade é maquiada pelo discurso demagógico do marketing urbano. Cidade Motor é uma obra edificante!. Parabéns a equipe e a produção da RV Cultura e Arte.

Cidade-Motor

Camilo Fróes, Moreno Pacheco, Bruno Marcello / RV Cultura e Arte / 128 páginas em P&B; formato 17x25cm, com capa em supremo 250g, laminado fosco e miolo em papel couché 115g; acabamento em brochura; e tiragem total de 1000 exemplares. ISBN: 978-85-64589-02-5

Preço de capa: R$ 19,90

Nenhum comentário: