16 outubro 2014

Irreverência baiana no traço simples e caligráfico



Está acontecendo na Biblioteca Central dos Barris o Colóquio História e Quadrinhos: a Bahia em HQ com palestras, oficinas, exposições, feira de venda e escambo de quadrinhos. Ontem, dia 15, teve palestra sobre a história e cultura da Bahia pelos quadrinhos, com presença de Nildão, Caó e Gentil, e exibição de desenhos animados da Turma do Xaxado, de Cedraz.  Hoje, às 14h haverá oficina “A charge no jornalismo diário” com Cau Gomez.  Às 18h30 o debate será sobre novos traçados do mercado de quadrinhos na Bahia com Edu Santana, Cau Gomez, Danilo Dias e Naara Nascimento, em seguida, sessão de autógrafo do livro Billy Jackson com Cau Gomez.

No dia 17, sexta, oficina com Hector Salas (14h), debate sobre identidade nos traços com André Santana, Marcelo Lima, Lila Cruz e André Betonnasi (18h30), seguida de sessão de autógrafo do livro Silêncio com Lila Cruz. Já na Galeria Pierre Verger (Bib. Central) tem exposição sobre o cartunista e ilustrador Hélio Roberto Lage. Vale a pena conferir. A realização desse grande evento é da Biblioteca Virtual 2 de Julho, unidade da Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura do Estado.

Helio Roberto Lage pertence a história dos nossos quadrinhos/cartuns. Homem simples, de bom papo e cultivador dos momentos humorísticos da vida. Desde seu relacionamento com as pessoas que lhes cercam, até o momento em que executa um trabalho, é um humorista nato. Além de humorista, é arquiteto e pintor nas horas vagas. Desenvolvendo sua atividade de cartunista com bastante brilho, Lage é um nome respeitado entre os que fazem humor e quadrinhos. Seus desenhos são sua melhor forma de expressão, que compensam o seu lado introvertido. O lado humorístico, presente não só nas tiras mas também nas charges políticas, são a contrapartida do seu temperamento melancólico.

D.e traço simples, Lage consegue captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente. Cartunzão, L´amou tuju L´amu, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar mostra um humor sem retoques – autêntico e mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro, a perplexidade nossa de cada dia. É um quadrinho cartunístico que se cristaliza através de questões sociais e culturais. Conferindo ainda seus efeitos ideológicos e sua marcante criatividade. Enquanto muitos desenhistas se distanciavam dessa nossa realidade em seus trabalhos, Lage procurava se aprofundar mais em nossas questões políticas e culturais

Se o humor de comportamento conquistou leitores nos anos 50, foi forçado pelo clima político estabelecido pela Revolução a dar lugar ao humor político, engajado. Os cartunistas se armaram contra o ataque, mas os meandros do comportamento humano, o sexo, o casamento, a cultura, enfim tudo aquilo que faz os costumes do cidadão brasileiro foi posto de lado pelos desenhistas de humor. Mas Lage, como grande crítico do cotidiano dissecou as leis e pacotes vindos de Brasília, além de mostrar a política local em suas charges diárias. Nas suas tiras ele mostrou o relacionamento humano, seus conflitos e insegurança, o dia-a-dia do baiano.

Nascido no dia 16 de setembro de 1946, desde cedo teve contato com as formas e a criação. Ainda criança, fazia bonecos de cera, e ganhou até um prêmio no concurso da Toddy. Aos 15 anos se apaixonou pelo desenho. Em 1967 foi trabalhar como ilustrador na Revista de Turfe. Em 1969 começou a desenvolver charge e tiras de humor no jornal recém fundado, Tribuna da Bahia. Na série Estorinha do Lage começou a publicar um herói espacial, sátira ao super-herói. Ainda na serie ele criou o papagaio Put. Nos anos 70 começou a desenhar uma página inteira de humor no jornal O Dia, de Piauí. Durou um ano. Em seguida começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo
Novaes mo Jornal do Brasil. Depois veio a serie Cartunzão, muito irreverente. Para o suplemento A Coisa criou L´amu tuju L´amu abordando os costumes e comportamentos populares. Nos anos 80 começou outra serie de tiras diárias, Tudo Bem onde a mulher, Kátia Regina por exemplo, era a personagem principal, mesmo com a presença constante de Arlindo Orlando. Em 1989 foi ao ar na Radio Educadora FM o especial Lage, Cartunista Baiano onde as tiras diárias Tudo Bem foram transportadas para a linguagem radiofônica.

De 1976 a 1980 foi editor de arte da revista Viverbahia quando começou a fazer quadrinhos coloridos. Em 1981 passou a ser editor de arte da revista Axé Bahia e publica os quadrinhos da sensual Dora Mulata. Em 194 no Jornal da Pituba cria o quadrinho Pituboião, satirizando o dia a dia da comunidade. Mais tarde faz diversas ilustrações e cartuns para o jornal O Bocão, da Boca do Rio, bairro de Salvador. Em 1990 lança a revista de humor e quadrinhos Pau de Sebo, deboche puro.

Uma das primeiras publicações de humor e quadrinhos que surgiu em Salvador na década de 70, começou em formato de jornal, como suplemento da Tribuna da Bahia, A Coisa. O seu editorial dizia: “Esquecidos como profissionais sérios, confundidos muitas vezes com o seu trabalho que faz rir ou divertir, os desenhistas de humor e quadrinhos lutaram com dificuldade até serem reconhecidos como artistas importantes, ou mesmo artistas (...) A importância do humor e quadrinhos e indiscutível hoje em dia, pois nunca se discutiu tanto a respeito (...) Trata-se então de tomar consciência de nossa própria importância como profissionais e nos impor através da qualidade de nossos trabalhos. Consciente disso, foi que nós de A Coisa, lutamos e conseguimos reunir um grupo de pessoas interessadas que tem como meta principal uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano. Acreditamos ter chegado em momento oportuno procurando suprir a falta de uma publicação desse gênero entre nos. Pretendemos também divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”.

A Coisa durou de 1975 a 1976. Ainda em 76 a equipe se mobilizou e lançou o tablóide Coisa Nostra
, cujas 20 paginas incluíam reportagens, colunas de cinema, música e cartuns. O editorial do número um alertava que o “importante é que o riso não fique na boca. Ele tem que dar uma chegadinha na consciência”. Coisa Nostra só teve quatro números. De 1985 a 88 Lage produz vídeo charge (ou charge eletrônica) na TV educativa de Salvador. Foi o primeiro a trabalhar nessa área na Bahia. Participa de diversos salões de humor, sendo premiados nos da Mackenzie, SP em 1971 e 1973. Participa ainda nos salões do Rio, Bahia, Piracicaba, Curitiba, entre outros. Em 1984 é premiado no Salão de Humor em Stutgart, Alemanha.

“Seu humor é engajado, militante sem ser partidário, contestador, enfim. Portanto, mais que obvio, é essencial, puro, em estado bruto. Exatamente como deve ser”. A opinião é do jornalista e pesquisador Gonçalo Junior. Para o jornalista Vitor Hugo Soares Lage é “iluminado, demolidor, integro, traço reto como o seu caráter. Talento incomum que dignifica a imprensa em geral e a arte do cartunismo em particular. Notável e instigante chargista político”. Já o poeta, escritor, ensaísta e professor Ruy Espinheira Filho comentou: “A arte de Lage nasceu madura. Desde o princípio ele seigualou aos melhores do país – traço leve, ágil, carregado de expressividade. Humor finíssimo e capaz de falar plenamente tanto ao público comum quanto ao mais exigente”.

O talento do chargista conquistou um espaço excepcional num jornal que sempre escolheu a opinião pela noticia sem comentários. Cada dia novo que surge é sempre o primeiro dia para o jornal que  sofreu investidas ferindo seu direito de pensar e agir livremente, mas continua resistindo. Antes de se debruçar sobre a prancheta, Lage, cercado de fatos por todos os lados, gasta uma hora diária com a leitura dos jornais locais e nacionais. Depois e só deixar o lápis correr sobre a folha de papel em branco. Mais uma hora e a charge sai finalizada em nanquim. O prazer do desenhista é descobrir detalhes de alguns políticos, seus defeitos, suas virtudes e ampliá-los para o publico leitor. Em sua trajetória, militou na imprensa nanica (independente, alternativa) dos tempos da ditadura, fez crônicas na TV e deu até aulas sobre desenhos de humor. Na trilha de humor de comportamentos, ele criou personagens impagáveis, fazendo a melhor crítica de costumes dos quadrinhos baianos. Ele se foi em 2006, mas sua obra está presente.

Um comentário:

ELIZEU disse...

Ola o pai do Sr se chama Claudemiro Alves de Oliveira ?? se for entre encontato comigo urgente ficarei agradecido fone 014-997876021 Elizeu A.S