24 agosto 2007

Música & Poesia

Valor do Nordestino (Bráulio Tavares e Zelito Miranda)

Pois é, quando a gente bota o pé na estrada é que a gente sabe de fato o que é ser nordestino. Claro, existe vários nordestes: tem o nordeste dos bem sucedidos, dos capas pretas, dos macomunados, tem o nordeste cultural, o nordeste dos cantadores, trovadores, violeiros, cangaceiros, contadores de causos e artista de muita arte, tem o nordeste da beira-mar, beira-de-rio o nordeste do turismo e da riqueza tão mal explorada. Tem o nordeste dos lunáticos, dos loucos de juízo mole, dos andarilhos que perambulam em canoas quebradas pisando em mangue seco, viajando pelo cosmo em busca da Chapada Diamantina. Lapão, Mucuges Lençóis mas temo Raso da Catarina. Tem o nordeste do cerrado, da caatinga seca, mas com uma riqueza sem par, o nordeste do cacau. Esse é o nordeste da biodiversidade, o nordeste cantado em verso e prosa, é o nordeste da musica, dos butuques, dos caboclinhos , dos maracatus, dos calumbís, dos carnaval, do forro, ah! o forró que faz do S. João a maior festa do Brasil. E por falar no Brasil, digo e repito, o nordeste poderia ser um grande país independente. Mas não é somente deste nordeste que eu quero falar, eu quero falar também é de um outro nordeste que apesar da sua riqueza mantém uma legião de trabalhadores que constroem esse grande país, com a pior divisão de renda. Disseram que o nordestino é acima de tudo um forte, eu também acho, o nordestino já virou Corisco, virou Lampião virou Macunaíma deu até presidente da república mas agora o nordestino vira suco todos os dias expremido na espremedeira da cidade grande, é, o nordestino que constrói esse Brasil vaca leitera dos corruptos, dos populistas que traem o povo se locupletando com o suor das classes que de fato produzem vejam só:

Quem vê tanta avenida e edifício

Construção, catedral e viaduto

Muitas vezes não pensa no matuto

Que lutou com suor e sacrifício

Exercendo a dureza do ofício

Sem pensar em medalhas nem troféu

Confiando que alguém de lá do céu

Compensasse o rigor do seu destino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha-céu

Quando vem lá do norte ele não passa

De mais um João-ninguém desempregado

E com tudo que vê fica espantado

Com a pressa o barulho e a fumaça

Vai dormir sobre o banco de uma praça

Sem emprego a vagar de déu em déu

Se cobrindo com as folhas de papel

De um jornal semanário ou matutino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

A cidade possui um ar cinzento

Que irrita a garganta e o pulmão

E no meio de tal poluição

Se eleva a floresta de cimento

Espigão de escritório e apartamento

Tem a torto a direito e a granel

E quem faz essas torres de babel

É o nortista migrante e peregrino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Ele fez pavilhões do Morumbi

Fez Congonhas e Ibirapuera

Interlagos e Via Anhanguera

O hotel Hilton o Othon o Normandie

Ele fez os degraus do Morumbi

Onde a massa alvi –negra da fiel

Aos domingos faz festa e escarcéu

Grita solta bomba canta hino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Nordestino em São Paulo ou Guanabara

É tratado de um jeito diferente

Pois aqui no nordeste toda gente

Tem respeito ao seu nome e sua cara

Mas no sul é chamado pau-de-arara

Paraíba Baiano ou tabaréu

Quando fala com gente de anel

Só lhe trata Zé ou Severino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Houve um tempo que o homem do sertão

Quando estava faminto e injustiçado

Tinha o rifle o facão bem amolado

E virava Corisco ou Lampião

Hoje em dia ele vem de caminhão

Chega aqui constrói clube e faz hotel

Mas vem lendo um folheto de cordel

Que é prá não se esquecer de Virgulino

Se não fosse o valor do nordestino

Em São Paulo não tinha arranha- céu

Eu Quero Meu País (Zelito Miranda)

Eu quero meu sertão

Eu quero meu país

O povo nordestino

Tá querendo é ser feliz

Eu vejo tanta coisa

O mundo tá virado

Tem diaba sem caçola

Tem surfista afogado

Tem doutor pedindo esmola

Tudo isso está errado

Tem criança sem escola

Picareta diplomado

É tanto estupro

Tanta peste tanto golpe

Falta emprego é tanto corte

Ataque do coração

No marca passo

O governo só atocha

Depois que a coisa arrocha

Da diarréia meu irmão

Dá caganeirada lumbago

Dá cirrose

Há quem morra de overdose

E o sertão vai virar mar

Virar deserto

Vai virar um assum preto

Se ninguém lhe der um jeito

O sertão vai se afogar

Vai vai o sertão vai se afogar

Os Deuses de Hoje. Segundo soneto (Bruno Tolentino)

É preciso que a música aparente

no vaso harmonizado pelo oleiro

seja perfeitamente consistente

com o gesto interior, seu companheiro

e fazedor. O vaso encerra o cheiro

e os ritmos da terra e da semente

porque antes de ser forma foi primeiro

humildade de barro paciente.

Deus, que concebe o cântaro e o separa

da argila lentamente, foi fazendo

do meu aprendizado o Seu compêndio

de opacidades cada vez mais claras,

e com silêncios sempre mais esplêndidos

foi limando, aguçando o que escutara.

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