18 dezembro 2006

Baianidade é mito? (1)

Antes mesmo do Brasil ser descoberto, os europeus imaginavam que existiam um paraíso, uma terra mística, e o Novo Mundo ocupou esse espaço. Viajantes europeus nos séculos 18 e 19 teceram comentários, em suas cartas e tratados, sobre a vida social na então chamada cidade da Bahia. Os primeiros visitantes perceberam que havia algo no ar, nas cores, nos sons, no paladar. Um certo jeito espontaneamente sensual de caminhar e se portar, um certo ritmo inerente a cada movimento, um certo tempero especial na comida. Tudo isso já era observado por quem se detinha sobre os costumes baianos. Nossos grandes intérpretes do século 17, Antônio Vieira e Gregório de Mattos, já traçavam o panorama da cidade. E esses comentários feitos antes mesmo de Jorge amado escrever, Dorival Caymmi cantar e Pierre Verger fotografar a Bahia, ajudou a espalhar ainda mais essa versão para o resto do mundo. Uma expressão que parece crescer a cada ano e já conquistou diversos países com a exportação do Carnaval, do jeito baiano de fazer festa.

Para além da alegria festeira, a professora da Faculdade Jorge Amado e mestre em comunicação social pela UFBa, Agnes Mariano, autora da dissertação de mestrado A Arte de Ser Baiano – segundo as letras de canções da música popular, considera a forma de convivência um dos méritos desse jeito de ser. “A habilidade para o convívio e para a partilha é uma coisa importante, é o que o mundo mais precisa. Não é à toa que hoje tanta gente nos procura, porque defendemos essa imagem”, reflete.

A imagem da Bahia está fortemente marcada para a economia do lúdico e do turismo. As indústrias do turismo e do lazer compõem um setor importante na economia local. A partir dos anos 70 a construção e afirmação de uma forte marca da Bahia ligada a festividades populares e atividades lúdicas cresceram muito. E não foi muito difícil porque nos dias de reinado de Momo em Salvador surge cerca de 135 mil postos de trabalho temporário e movimenta-se algo em torno de R$300 milhões. Desta forma Salvador foi elevada ao posto de segunda cidade em fluxo de visitantes do Brasil (segundo a Bahiatursa) e com pretensões de tornar-se o maior pólo turístico do país. Assim, a idéia do lúdico, da eterna festa baiana, proporciona, em termos, prazer.

A noção de baianidade se constitui como a representação quase caricatural de uma suposta cultura singular, espontânea, criativa, musical, etc – e vendável como um produto turístico que atende a um segmento específico de consumo. Assim, a idéia de baianidade é uma espécie de mudus vivendi baiano idealizado, que compreende traços culturais peculiares como afirmação do bom viver, fidalguia de sentimentos, convivência entre as raças e religiões e a beleza de seu povo e de sua terra.

Mas a imagem da Bahia começou a ser formada bem antes. Salvador foi planejada pelo governo português com fins transnacionais. E como afirmou o professor Cid Teixeira, “nascemos para ser base, uma sustentação, um apoio, uma guarda, um reabastecimento, um estaleiro de todo o processo mercantilista internacional. Assim nós fomos pensados, projetados, imaginados, realizados para sermos um prolongamento europeu, para sermos um bairro de Lisboa transportado para os trópicos. Paralelamente a esta situação fomos também o principal porto de ingresso da grande diáspora africana para o Novo Mundo. Então, éramos, por fatalidades histórico-geomorfológicas, o maior agrupamento europeu fora da Europa e o maior agrupamento africano fora d`África”.

Com a abertura dos canais do Panamá e de Suez, com o desenvolvimento da tecnologia do uso da beterraba para a produção açucareira na Europa e com o incremento dos engenhos de açúcar no Caribe, deixamos de ser o porto de trânsito obrigatório da navegação européia. Salvador que desde 1549 era a capital do Brasil, deixou de sê-lo em 1763. Desta forma os engenhos do Recôncavo começam a entrar em colapso decretando o isolamento econômico da Bahia no século XIX. Mas a mistura lusa, banto e iorubana ascendeu com suas práticas culturais. Houve, por assim dizer, uma valorização da cultura local, como se o povo baiano, “isolado culturalmente”, reforçasse ainda mais sua identidade cultural..

Duzentos anos depois da perda do posto de centro administrativo português abaixo do Equador, a velha Bahia passou por uma série de mudanças importantes entre os anos 50, 60 e 70 do século XX. Basta lembrar da vinda da Petrobrás para o Recôncavo e a implantação da Universidade Federal da Bahia em Salvador nos anos 50. A Tropicália, o Cinema Novo e a implantação do Centro Industrial de Aratu nos anos 60. O Pólo Petroquímico de Camaçari, o forte crescimento populacional, a implantação das avenidas de vale em Salvador e o começo da visibilidade do Carnaval e do turismo locais como um empreendimento econômico profissional nos anos 70 e 80. Não se deve esquecer da imagem da terra, “etnografado” por Jorge Amado e a sensualidade mestiça de suas personagens nos seus romances, passando pelas figuras de Carybé, pela lente de Pierre Verger, o cancioneiro de Caymmi entre outros ícones.

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