11 julho 2006

Uma paixão da alma chamada saudade

Hoje vamos falar de uma aventura de sensibilidade, um sentimento, uma paixão da alma: a saudade. Um conceito que trata de uma experiência universal comum a todos os homens em todas as sociedades – a experiência da passagem, da duração, da demarcação e da consciência reflexiva do tempo. Mas a saudade é diferente de outras experiências porque associa a elementos que não estariam presentes em outras modalidades culturais de medir, de falar, classificar e controlar o tempo.

Nos estudos sobre a saudade, realizados em Portugal, ele é explicado como o resultado de experiências empíricas, das viagens que promovem a dor, da ausência e dos desejos insatisfeitos. Ou como disse o poeta português Teixeira de Pascoaes: “Desejo e dor fundidos num sentimento dão saudade”. Assim, a saudade é o resultado de uma dada experiência, se ela é causada pela contingência sentimental, pelo amor e pela emoção dilacerada da ausência. É a noção de saudade que nos faz refletir e, sobretudo, sentir com mais vigor, presença e intensidade, o nosso amor e a ausência dos entes e das coisas que queremos bem. Ou seja: eu sei que amo porque tenho saudade, e sei que sinto a falta de um lugar porque dele sinto saudade.

A saudade fala do tempo por dentro. Da temporalidade como experiência vivida. É pela saudade que podemos invocar e dialogar com pedaços de tempo e, assim fazendo, trazer os tempos especiais e desejados de volta. Por exemplo, lembro-me bem do tempo em que estudei no Colégio Duque de Caxias, no bairro da Liberdade em Salvador, no antigo “ginásio”, em seguida no Colégio Central fazendo o “científico”. Bons tempos ouvindo Beatles, Roberto Carlos, Rolling Stones e Led Zeppelin. Ou mesmo, tempos depois fazendo o programa semanal da rádio Piatã, “Sessão Maldita de Rock”, toda sexta, meia noite. Pauleira pura!.

Da dor ao riso, do amor ao ódio e do esquecimento à saudade, os sentimentos são marcados e impostos pelo sistema que nos informa porque os temos, como devemos manifestá-los e o modo correto como devemos ser englobados por cada um deles e os seus alvos mais legítimos. Esse tesouro chamado saudade é exclusivo da língua portuguesa. E chegou ao ponto de ser considerada palavra-chave para a definição da alma, do estado de espírito e do caráter de toda uma nação. A importância da palavra saudade não é pequena, pois tornou a melancolia portuguesa passível de inclusão entre as três grandes tristezas européias.

A palavra remete ao exílio dos poetas e dos judeus e já foi chamada de “monopólio sentimental da língua portuguesa”. E é Mario de Sá-Carneiro, que tinha uma “alma nostálgica de além”, que concluiu: “Perdi-me dentro de mim/porque eu era labirinto,/e hoje, quando me sinto,/é com saudades de mim”. “A palavra é bem pequena/mas diz tanto de uma vez!.../por ela valeu a pena/inventar-se o português”, escreveu Bastos Tigre em 1935. Assim, a saudade é tão nossa que nenhuma outra língua a possui em seus léxicos. Em alguma delas, com outro nome, da origem grega – nostalgia, ou mesmo a melancolia, sentimento típico do exilado.

E nossos poetas que perpetraram sobre “a bendita dor que faz bem ao coração” numa vontade de lembrar querendo esquecer, ou de uma “saudade,/torrente de paixão,/emoção diferente,/que aniquila/a vida da gente,/uma dor que nem sei/de onde vem”, diz os versos de “Canção de Amor”, de Chocolate e Elano de Paula. Vamos agora abrir uma janela para associar saudade e música popular brasileira. A música, muitas vezes, neutraliza a passagem do tempo assim como a saudade que nos segue por toda a vida. E na poesia de Julia de Sá, “saudade é voz do passado, e tristeza do presente. Segue o tempo, lado a lado, a falar dentro da gente”. E a saudade permite transformar a perda em felicidade. “Choras sem compreenderes que a saudade, é um bem maior que a felicidade. Porque é a felicidade que ficou!”, dizia o poeta Manuel Bandeira. Através da saudade podemos lembrar da passagem do tempo.

A escritora Clarice Lispector em seu livro “A Descoberta do Mundo” escreveu: “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”. “Quando eu olho para mim/dentro de mim tem você/quando eu olho pra você/por dentro sinto saudade/quando eu olho pra saudade/meus olhos vão desaguando...” canta Alceu Valença em “Quando eu Olho pra o Mar”.

“Hoje me olhei no espelho/e senti ´sardade´ d´eu/daquele moço canteiro/repentista e violeiro./Hoje só resta o porão/pois a casa e a cumieira/destino fez bagaceira/e o vento jogou no chão...”. A música é “Baque do Coração” de Vevé Calazans e Bubuska na bela voz de Fafá de Belém. E quem não se lembra da canção “A Saudade Mata a Gente”, de João de Barro e Antônio de Almeida na voz de Nélson Gonçalves? Ou mesmo a “Saudade da Bahia” de Dorival Caymmi, a “Saudade de Amar” de Francis Hime e Vinícius de Moraes, ou a dramática “Nunca” de Lupicínio Rodrigues. O jeito agora é cantar a letra de Tom Jobim e Vinícius de Moraes: “Chega de Saudade”!.

4 comentários:

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