23 outubro 2006

Diz o que calças e lhe direi quem é

Os passos da história do nosso século podem ser percorridos através dos pés. Desde as botinhas de salto pinet que a alta sociedade calçou na Paris do início do século aos spectator-shoes dos jazzísticos anos 30, passando pelo sapato-boneca, que Charles Jourdan consagrou no final dos 60, até o tênis que inspirou nos 90. A história do sapato é a própria história da moda. De simples acessório utilitário transformou-se em imbatível objeto de desejo universal. Os primeiros sapatos foram feitos na Idade do Bronze (3000 a.C.) com a finalidade de proteger os pés. Na antiguidade, os egípcios se utilizaram de palha e folhas para fazer sandálias. Mas caprichosos, os mesopotâmicos calçavam sapatos de couro cru que tinham tiras para amarrar na perna. A coloração nos calçados apareceu na Grécia. As mulheres usavam sandálias de várias cores com tiras que eram amarradas até os joelhos. Os homens não se adaptavam aos calçados. Em Roma, o tipo do sapato indicava a que casta da sociedade pertencia a pessoa

A década de 20 foi dos sapatos black & white, que viraram moda. Eles reproduziam as barreiras sociais que separavam a música negra da música branca e que eram retratadas no jazz. Coube ao francês de origem italiana André Perugia o pioneirismo da criação, embora ainda limitada, em série. Com o estabelecimento de parceria com a designer Elza Schiaparelli, Perugia encarnou a alma chique francesa nos anos 20. A sua criação conjunta de um chapéu em forma de sapato ficou célebre. Nesses anos 20, os sapatos tinham saltos rasos e confortáveis.

Na crise de 29, a mulher-menina e brejeira se transformou em vamp fatal, e os saltos começaram a escalar os picos do fetiche. O nome em voga era então do italiano Salvatore Ferragano, que calçava todo o staff da indústria hollywoodiana. Nos anos 30, o jazz fez florescer dois estilos de sapatos que, mudando a forma, são os mesmos até hoje: os bicolores e as sapatilhas de bailarina. Surgem as sandálias propostas pela primeira vez em 1907 pela estilista Madeleine Vionnet. Assim, as sandálias ditaram a moda em versões confortáveis e populares. Os bicos arredondados, saltos médios e plataforma substituíram os saltos altíssimos. Com suas plataformas altíssimas, as sandálias foram imortalizadas por Carmem Miranda.

O luxo passou a ser racionalizado nos anos 40, e os sapatos obedeceram à nova ordem social, tornando-se mais vetustos e masculinizados. Era a época da Segunda Guerra Mundial, e as famílias americanas só poderiam ter direito a três partes de sapato de couro por ano, e todos os materiais mais alternativos disponíveis foram utilizados para a confecção de calçados. Do crochê, ráfia e corda à camurça. A substituição do couro pela cortiça, corda ou madeira marcou a década de 40. Resina transparente e baquelite também foram usados. Os sapatos rompem barreiras em direção à liberdade absoluta.

A profusão de estilos deságua no new look de Christian Dior em 1948, que devolve a delicadeza e feminilidade aos pés femininos. Nos anos 50, os saltos voltam, cada vez mais alto e mais finos (para esquecer os anos de uniforme de guerra) e o conforto dos pés deixa de ser tão importante quanto estar num pedestal quase inatingível. A mulher abandona o conforto em favor do glamour. Chanel faz sua reentrée com saltos baixos, dos bicolores tão práticos quanto elegantes.

Ainda nos anos 50, o rock exprimia sua rebeldia em botas pretas, tênis ou sapatilhas rasas para os bailes. O tênis, por exemplo, foi adotado por Elvis Presley e seu fã-clube, no filme “O Prisioneiro do Rock”, e pelo ator James Dean. Com saltos mais retos, largos e baixos, as mulheres dos anos 60 buscavam o conforto que o excesso de feminilidade da outra década não lhes havia proporcionado. O principal material usado na fabricação dos calçados foi o verniz. Tudo combinado com as minissaias. A rebeldia da década de 60 revisita as botas do começo do século. É tempo de minissaias, scarpins em xadrez e longas botas brancas. É o futurismo geométrico de André Courrèges. O plástico, vinil e metal moldam pés tecnológicos. Um revival dos 40 interfere nesse estilo e propõe os eternos sapatos-boneca.

A década de 70 mostra-se povoada de botas acima dos joelhos e em tecidos sintéticos como o vinil, plataformas enormes, sandálias trançadas até os joelhos. Assim os anos 70 foram os mais democráticos para os pés. Permitiram materiais sintéticos como o verniz, e naturais como a junta e a cortiça, todos que cultuassem as pernas. A década de 80 começou sob domínio dos estilistas japoneses, com o abuso do preto. Os sapatos femininos ficam mais baixos e as sandálias com solado mais grosso. Os modelos imitam os calçados de camponeses chineses e japoneses.

O ideal de individualidade começava a se delinear e iria explodir nos anos 80 quando a moda se identifica com as tribos urbanas: coturnos para punks, timberlands para B.C.B.G., dock martens para a vanguarda gay. A força dos esportes e a ideologia saudável de hoje elevaram os tênis, agora com griffes exclusivas, à condição de calçados dos anos 90.



































Um comentário:

Photos disse...

Caro Amigo:
Estou fazendo um programa sobre sapatos e gostaria de lhe ter como fonte. Como faço para trocarmos contato ? Meu e mail:

emanuela@dracoimagens.com

grande abraço