Quando a temperatura começa a ficar amena e os ventos sopram com generosidade, é tempo das arraias. E o céu da cidade fica todo colorido. Alegria de crianças e adultos, a arte de empinar arraia não se resume ao simples ato de fazê-lo voar. O objetivo principal é cortar a arraia adversária que se prontifica a fazer a pegada.
Apesar do tamanho reduzido, a arraia voa de forma espantosa. O segredo da estabilidade é a aerodinâmica sustentada pelo formato retangular – completado pelo uso de uma rabada (espécie de contrapeso amarrado na parte inferior da arraia). A folha de papel, tipo seda por ser mais leve, geralmente em formato retangular, é presa em uma cruz de flechas (geralmente a casca da cana ou taliça da folha de coqueiro) com uma rabada na ponta. E não existe dificuldade de fazê-la içar vôo, bastando que o vento esteja a favor e se tenha um pouco de prática em “soltar a linha”.
O grande segredo para se fazer uma arraia ir para onde se deseja, esquerda, direita, mergulhar em aú, redeslocar em diagonal ou subir em direção ao céu, está na forma como é feita a sua chave: o nó da linha dado nas extremidades das flechas em forma de X. Em seguida, um orifício no encontro das duas flechas, no centro da arraia e estica-se uma outra linha perpendicular para encontrar o vértice do triângulo. No ar, as duas linhas do triângulo superior mais a linha perpendicular que sai do centro devem ficar retesadas, enquanto as duas linhas do triângulo inferior ficam folgadas. Aí sim a arraia é dominada pelo seu empinador. É a conhecida chave de cinco. Na hora exata de uma rajada de vento é só dar o impulso e o grito é geral, “lá vai ela!”. É a arraia dançando no céu.
Para quem não está por dentro do vocabulário dos arraieiros, a linguagem é específica. “Boca de chave” é como chamam o corte na linha do adversário próprio à chave da arraia. “Chave” é o conjunto de linhas presas às quatro extremidades das flechas. “Dar um aú” é quando a arraia mergulha contra a do adversário, geralmente, uma contra a outra. “Cortar” significa tirar o outro da disputa partindo sua linha. A linha é bobinada no carretel, onde, totalmente enrolada, forma o novelo.
O tempo de arraia na cidade exerce um fascínio especial sobre uma grande e variada parcela da população. As pipas são empinadas a favor do vento, em uma hora do dia em que o sol não caia direto na vista, e o seu vôo corre por conta do piloto que fica em terra dando mais ou menos linha, embicando, provocando piruetas.
A história das pipas data de muitos séculos e se confundem com a própria história da civilização, sendo utilizada como brinquedo, instrumento de defesa, arma, objeto artístico e de ornamentação. Conhecida como arraia, pipa, papagaio, pandorga, quadrado, barrilete ou outro nome dependendo da região ou país, ela é um velho conhecido de brincadeiras infantis. Todos nós, com maior ou menor sucesso, já tentamos empinar uma. As pipas adornam, disputam espaço, fazem acrobacias, mapeiam os céus. São a extensão natural da mão, querendo tocar nas ilusões.
Além do aspecto puramente lúdico, de lazer, as pipas, ao longo da história, tiveram importância fundamental nas pesquisas e descobertas científicas. O inglês Roger Bacon, em 1250 escreveu um longo estudo sobre as asas acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com pipas. O italiano Leonardo Da Vinci, em 1496 fez projetos teóricos com máquinas voadoras baseados na potencialidade das pipas. No século 18 o brasileiro Bartolomeu de Gusmão mostrou os projetos de sua aeronave ao rei de Portugal graças ao estudo conseguido através das pipas.
Alexandre Wilson em 1749, na Grã Bretanha, conseguiu determinar as variações de temperatura. Em 1752 Benjamim Franklin descobriu o para-raio através de experiência com pipa. Através das pipas, George Cayley realizou em 1809 o primeiro pouso através de pipas. Santos Dumont conseguiu voar no famoso 14 Bis, uma sofisticada pipa com motor. Em 1921, Marconi utilizou pipas para fazer experiências com a transmissão de radio, teste que mais tarde seria utilizado por Graham Bell em seu invento, o telefone. Durante a II Guerra Mundial uma pipa em forma de águia foi empregada pelos alemães para observar a movimentação das tropas aliadas. São muitos os exemplos que se multiplicam através do tempo.
Soltar pipa é sempre uma grande diversão tanto para criança como para adultos, mas infelizmente muitos acidentes acontecem por falta de orientação. Alguns cuidados podem garantir sua segurança e a de seus filhos. Escolha sempre lugares seguros para soltar seu papagaio. Lugares espaçosos e abertos como campo e parques são as melhores opções. Jamais opte por lugares próximos a fios elétricos. Se a pipa enroscar nos fios, não tente tirá-la, pois é melhor perder a pipa do que a vida. Não use linha metálica como fio de cobre de bombinas. Jamais passe cerol (vidro moído com cola) na linha. Além de ser proibido por lei, o cerol pode causar acidentes perigosos. Em caso de chuva, recolha sua pipa, ela pode atrair raios. E boa diversão!(Gutemberg Cruz)
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