29 abril 2021

Figuras invisíveis da História são resgatadas na Enciclopédia Negra

 

Muitos foram silenciados ou esquecidos pelos nossos manuais, livros didáticos e compêndios mais tradicionais. Registros de atos empreendidos pela população branca estão em toda parte. Enquanto que as referências acerca da imensa população escravizada negra que viveu no país são bem escassas. Para ampliar a visibilidade das biografias de mais de 550 personalidades negras, em 417 verbetes individuais e coletivos é que surgiu a Enciclopédia Negra, recém lançada pela Companhia das Letras. As histórias de personagens afro-brasileiros espalhados por toda parte do Brasil, de Norte a Sul, estão nesta obra escrita pelos professores Flávio dos Santos Gomes, Jaime Laurian r Lilia Moritz Schwarcz.

 

Para retratar alguns desses personagens, que nunca foram fotografados ou desenhados,  os autores convidaram 36 artistas plásticos negros cujas obra estarão expostas na Pincacoteca de São Paulo a partir do mês maio de 2021. 

 


“A história das populações negras no Brasil é uma história de sofrimento”, diz Schwarcz. “O país transformou a escravidão numa linguagem perversa, que ainda perdura. Mas é muito importante para nós mostrar não apenas o sofrimento como também a sobrevivência dessas populações. Havia as formas extremas de ativismo como fugas, envenenamentos, suicídios e quilombos, mas havia também a resistência pela pintura, pelo circo, pela engenharia...”

 

O livro resgata figuras que desafiaram o racismo estrutural e, na maioria das vezes, pagaram caro por isso. Chamado de “Lutero Negro” por um naturalista inglês, Agostinho Pereira reuniu centenas de seguidores pregando pela autonomia política dos negros. Ex-militar e crítico da igreja, dizia que Jesus não era branco e sim “acaboclado” muito antes que as atuais reconstituições computadorizadas lhe dessem razão. Foi condenado a três anos de prisão.

 

A cadeia também foi o destino da curandeira Luiza Pinta, perseguida por suas “operações supersticiosas”. Raro médico negro de sua época, o liberto Euzébio de Queiroz Coutinho Barcelos (1848-1928) sofreu acusações de cunho racista da imprensa de Pelotas, que chamou de feitiçaria e charlatanismo os rituais do catolicismo popular que realizava.

 

Outros tiveram itinerários mais tranquilos. José Ezelino da Costa (1889-1952) desenvolveu um estilo próprio de fotografia e fez fama como o “primeiro fotógrafo negro do sertão do Seridó”. O palhaço Benjamim de Oliveira viveu na miséria, mas teve reconhecimento suficiente a ponto de jornalistas pressionarem deputados para que ele recebesse uma pensão do governo.

 

Algumas figuras colocam em xeque a ideia de que os escravos do país não se comunicavam com o resto do mundo. A história de um dos líderes da insurreição de Viana, Daniel Araújo, mostra que nas senzalas do Maranhão se tinha conhecimento da Guerra Civil nos EUA. Nos portos, marinheiros africanos e brasileiros trocavam ideias sobre as revoltas em outros países.

 


Nesta Enciclopédia negra, Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz passam em revista a história do Brasil, da colonização aos dias atuais, a fim de restabelecer o protagonismo negro. E o fazem alcançando o que há de singular, multifacetado e profundo na existência particular de mais de quinhentos e cinquenta personagens. São profissionais liberais; mães que lutaram pela alforria da família; ativistas e revolucionários; curandeiros e médicos; líderes religiosos que reinventaram outras Áfricas no Brasil, pessoas cujas feições foram apagadas pela história.

 

Da Bahia a obra mostra mais de 50 personalidades entre eles estão André Rebouças (1838-98) engenheiro de Cachoeira, os capoeiristas Besouro Mangangá (1895-1924), Mestre Bimba (1899-1900? 1974), Mestre Pastinha (1889-1981) os parlamentares Carlos Alberto Oliveira dos Santos (1941-2018), Carlos Marighela (1911-1969), os artistas Emmanuel Hector Zamor (1840-1919), José Theóphilo de Jesus (1758-1847), Rubem Valentim (1922-1991), Zeni Pereira (1924-2002), o fundador da psiquiatria no Brasil Juliano Moreira (1872-1933), as ialorixás Mãe Agripina, Mãe Aninha, Mãe Beata de Iyemanjá, Mãe Menininha, Mãe Olga de Alaketu, Mãe Senhora, Mãe Stella de Oxósi, o bandoleiro Lucas de Feira, o abolicionista Luiz Gama, a primeira médica negra do Brasil e primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia Maria Odília Teixeira, o engenheiro, geógrafo e professor Teodoro Sampaio, o intelectual Milton Santos, Pacifico Licutan, Principe Oba II, Rosa do O´Freire e muitos outros.

 

Na introdução, vários livros foram citados como os de Haroldo Costa (Fala, crioulo, 12), Oswaldo de Camargo (A mão afro-brasileira, 1988), Schuma Schumaher e Erico Vital Brazil (Mulheres Negras do Brasil, 2006), Nei Lopes (Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, 2004) entre outros. Não foi citado meus livros devido a grande dificuldade de distribuição. Publiquei pela Editora P&A, em 1997 e 1998, no modelo independente, os livros Gente da Bahia Volume 1 (com biografias de 100 personalidades baianas) e Gente da Bahia Volume 2 (50 personalidades baianas). Nestas, cerca de 40 são negras como Milton Santos, Andre Rebouças, Batatinha, Riachão, Bule Bule, Besouro da Bahia, Luiz Gama, Clarindo Silva, Camafeu de Oxossi, Dom Obá II, Mãe Hilda, Mário Gusmão, Miguel Santana, Nelson Maleiro, Rubem Valentim, Manuel Querino e tantos outros.

 


Excelente este Enciclopédia Negra, mas senti falta de nomes importantes como a guerreira Maria Felipa, o artista Mario Gusmão, Nelson Maleiro, Miguel Santana, Camafeu de Oxossi, Bule Bule, só para citar alguns. Mesmo assim, parabéns aos pesquisadores.

 

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