02 junho 2020

Um enigma de rara beleza e poesia: Orquídea Negra


Quando a minissérie foi publicada no Brasil em 1990 pela Editora Globo o sucesso foi imediato. Agora a minissérie escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Dave Mckean é republicada numa edição de luxo com direito a capa dura, pela Opera Graphica Editora. Trata-se de Orquídea Negra. A personagem surgiu pela primeira vez no nº428 da revista Adventure Comics, agosto de 1972. Participou das histórias da Supermoça, apareceu na revista Super Friends e foi integrante da antiga legião dos Super Heróis, sempre sem passado nem futuro, apenas com o presente. Depois passou a fazer parte do Esquadrão Suicida na série Crise nas Infinitas Terras para logo em seguida desaparecer.





Gaiman e McKean pegaram a personagem totalmente obscura e criaram uma obra-prima. A graphic novel tem visual inovador. A história da personagem é recontada de outra maneira e toma novos rumos cheios de beleza e poesia. Num ambiente cinzento e corrompido pelo poder de um magnata sem escrúpulos chamado Lex Luthor, a Orquídea Negra ressurgir como a mais rara das flores. Na verdade, ela é um ser híbrido que necessita das mesmas condições que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...nem uma mulher...A Orquídea Negra é um enigma cuja solução encontra-se em seu próprio passado.



Em busca de suas origens, ela depara-se com seres bastante incomuns como o Monstro do Pântano, Hera Venenosa e o Homem Morcego. O autor dessa nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman (Sandman, o Mestre dos Sonhos). Usando uma técnica mista que mistura tinta e óleo com tinta spray para carros e filtros de tecido sobre aquarelas, o desenhista Dave Mckean trabalhou as imagens da minissérie mantendo apenas o tom do uniforme da Orquídea, cor púrpura, intacto. Os cenários mudavam de tonalidade de acordo com a situação e o estado de espírito dos personagens. Lembra o filme de Bergman, “Gritos e Sussurros”, ou mesmo o trabalho do desenhista Bill Sienckiewicz.




A narrativa mostra como Philip Sylvian, um botânico que estudou na mesma classe de Pamela Isley (futura Hera Venenosa, inimiga de Batman) e Alec Holland (que se tornaria o Monstro do Pântano), desenvolveram criaturas mistas de planta e ser humano. Essas criaturas, geradas a partir de orquídeas, foram feitas à imagem de uma outra botânica por quem Sylvian era apaixonado. Mas cada uma das plantas carrega em si uma espécie de memória genética que é despertada conforme cresce, e uma série de incidentes pode impedir essas memórias de despertarem totalmente. As criaturas têm poderes enormes e uma tendência a fazer o bem, mas não sabem se devem se importar mais com plantas ou seres humanos.



O problema começa a surgir no momento em que o ex-marido da musa que inspirou as orquídeas de Philip sair da cadeia e envolver Lex Luthor na história. Luthor passa a fazer de tudo para dominar o segredo das orquídeas. Ao mesmo tempo, duas delas - uma adulta e uma criança - tentam manterem-se vivas, longe de Luthor e reiniciar o plantio de sua raça.




Na obra, Orquídea Negra busca sua identidade tal qual uma criança inocente que começa a conhecer o lado negro do mundo: o Asilo Arkham. “Ela é uma flor – conta Neil Gaiman -, não uma divindade da natureza como o Monstro do Pântano. O termo técnico que usei para ela foi Rainha da Primavera com todas as implicações que isso traz, inclusive vida curta. Os Monstros do Pântano vivem eternamente, as Rainhas da Primavera não. Elas representam beleza, inocência, pureza e paz”.



Antes que Dave pegasse o lápis – conta Neil – nós conversamos sobre o que queríamos fazer com a atmosfera de cada número da minissérie. A decisão inicial foi de que a primeira parte seria muito direta, ousadamente realista. Tudo acontece em cidades e salas dentro de um mundo feito pelo homem”. Os tons arroxeados da Orquídea convivem com o cinza, o preto e o branco, do mundo ao seu redor. “Na segunda parte, começamos a explorar outras coisas como o Central Park de Gotham City e o cemitério nos fundos do Asilo Arkham. Ainda são locais feitos pelo homem, mas há profundezas estranhas neles”. As cores se misturam gradativamente.




Ao fazer a última parte, sabíamos que tudo aquilo tinha que sair bonito, porque tudo acontecia em áreas selvagens: as flores tropicais da Amazônia e os pântanos da Louisiana. Em vez de minúsculos borrifos de cor num mundo cinzento, nós temos minúsculas pessoas cinzentas movendo-se dentro da bela floresta tropical. E é neste último número que há uma explosão de cores. Orquídea encontra o Monstro do Pântano, e acaba na Amazônia, onde enfrenta agentes de Lex Luthor. Em cada imagem sequenciada, a fusão do expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de sonho, imaginação, memória. Essa viagem através da arte estonteante de Mckean atravessa caminhos que parecerão novos, mas que sempre estiveram lá, apenas nunca havia sido trilhados. E tudo começa com uma orquídea e um pôr-do-sol. Belo. (Texto publicado neste blog inicialmente em 28 junho 2006).

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