31 outubro 2019

As máscaras nas histórias em quadrinhos


A humanidade, ao longo da história utilizara máscara com os fins mais distintos, de acordo com a cultura e a religiosidade do povo que a adotava. Geralmente ela permitia o acesso a universos regidos pela imaginação ou a dimensões espirituais invisíveis. Os contadores de histórias assumiam muitas vezes o uso das máscaras para dar mais vida às suas narrativas. Elas desempenharam, em muitas civilizações, o papel espiritual, como instrumentos principais em rituais sagrados.


No mundo ocidental os antigos gregos foram pioneiros no uso das máscaras, adotadas nas festas dionisíacas, perpetradas em homenagem a Dionísio, divindade responsável pelo vinho e pelos rituais de fertilidade. Nessas ocasiões, todos dançavam, cantavam, se embriagavam e realizavam orgias, evocando a presença do deus através do emprego da máscara. A Grécia foi também o berço do Teatro, modalidade artística que recorria constantemente ao encantamento das máscaras, até mesmo como uma forma de evitar que os atores incorporassem os mortos. Atualmente ainda se vê este hábito perpetuado no Japão.

Esconder a identidade é talvez a função mais popular das máscaras. Bandidos sempre se mascararam usando meias, lenços ou o que estivesse à mão. Estranhamente, nas histórias em quadrinhos, os justiceiros e combatentes do crime também se mascaram, como se houvesse algo de reprovável em perseguir bandidos e malfeitores. O mais provável é que os super-heróis se mascarem apenas para proteger suas privacidades. Não se pode negar que o fazem com bastante imaginação. Basta que se analisem as máscaras do Batman, do Homem-Aranha e do Homem de Ferro, por exemplo.


Super-herói é fantasia. É sonho de poder e ação.  O Fantasma, criação de Lee Falk, foi o primeiro herói mascarado dos quadrinhos lançado em 1936 inaugurou uma categoria dentro do gênero das histórias de aventuras. O mistério que ronda o personagem parece ter sido um dos principais fatores do seu sucesso. Embora todos os  leitores sabiam que ele se chama Kit Walker, seu rosto jamais foi mostrado. Mesmo quando o Fantasma esconde a fantasia e se disfarça para  “percorrer as ruas da cidade como um homem qualquer”, sua aparência é ainda mais misteriosa, com chapéu, capote e óculos escuros. Um personagem meio fantástico, mascarado, dominando as selvas de Bengala com a ajuda dos pigmeus do experiente Guran, morando na caverna da Caveira, contando também com a solidariedade de Capeto, o cão-lobo, e de Herói, o cavalo. 

Depois do Fantasma vieram vários. E antes dele vários mascarados já existiam nas mais diversas formas narrativas e cumprindo os mais variados papéis. Mas no final do séc. XIX e início do séc. XX, a máscara tinha um papel bem claro: impedir a identificação de um criminoso pelos meios legais oficiais, meios estes que contavam com uma ferramenta que revolucionou o processo investigativo: a fotografia.

No herói e, posteriormente, no super-herói, a máscara tem uma função que remete à sua origem de “perturbador da lei” como presente na narrativa de viagem, verdadeiro “anti-herói”: o criminoso. Anti-herói porque na máscara do Fantasma também está presente a moralidade afiada do detetive que quer proteger o status quo e reestabelecer a ordem.


Três anos depois, em 1939 surge Batman o homem morcego, com desenhos de Bob Kane e história de Bill Finger na revista Detective Comics. Confessadamente inspirado por personagens dos livros de bolso, como The Shadow, e pelo vilão da versão cinematográfica de The Bat, romance policial de Mary Roberts Rinehart. Batman luta contra o mal a partir da sombra, de sua caverna, permanecendo no anonimato: Wayne temia os morcegos, assim como temia os criminosos, mas tornando-se seu próprio medo alcançou o “poder” que lhe faltava. Não há mais nada a temer, não há mais o que enfrentar, o medo era a principal barreira que poderia ser enfrentada e, ao se tornar a personificação dele, ele desaparece. Assim, Batman não só luta contra o mal, mas contra seus próprios medos.


Jack Cole cria para a National Periodical Publications, em 1941, o Homem Borracha (Plastic Man), homem alto, esguio, de cabelos pretos e óculos rayban, vestido numa malha inteiriça vermelha, com um cinturão de listras pretas e amarelas. Era o primeiro número da revista Police Comics que trazia este super herói tão estranho: começou sua carreira como criminoso. Fugindo da polícia, ele leva um banho de ácido e é abandonado à própria sorte pelos seus companheiros, mas ainda assim consegue escapar. E, quando é salvo por um monge, decide passar para o outro lado, assumindo a identidade do Homem de Borracha, o mais implausível de todos os super heróis mascarados.


V de Vingança foi a primeira tentativa de Alan Moore de produzir uma série continuada, ao longo de vários meses e anos – começou a ser publicada em 1982 na revista britânica Warrior e seguiu até 1983, para depois ser relançada pela DC Comics em seu selo adulto, Vertigo. Hoje, é relativamente fácil de ser encontrada nas livrarias brasileiras em uma edição encadernada lançada pela Panini, e ganhou adaptação cinematográfica em 2006, por James McTeigue. V de Vingança permanece como uma das maiores obras dos quadrinhos. O trabalho revelou ao mundo seus criadores, Alan Moore e David Lloyd. Trata-se de uma poderosa e aterradora história sobre perda de liberdade e cidadania em um mundo bem possível.

“V” é o homem da máscara branca, sempre sorridente, de capa preta e atitudes teatrais; inspirado visualmente no extremista Guy Fawkes, que tentou detonar o parlamento inglês em 1605. Mas V é, acima de tudo, a representação de uma filosofia, de um ideal político e social, da luta dos oprimidos, da busca pela liberdade e igualdade. V simboliza a nova ordem, o futuro melhor. Alan Moore construiu um personagem universal, um “símbolo”. Por isso não é difícil entender como que a máscara de V, hoje em dia, simboliza todo esse anseio por liberdade de uma nova geração, estando presente em quase todo tipo de protesto e manifestação ao redor do mundo. É como se a HQ tomasse vida própria e todo o conjunto de valores do personagem viessem à tona.


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