14 junho 2018

Umas & outras


Favor

“A colonização produziu três setores sociais: o latifundiário, o escravo e o “homem livre”. Entre  os dois primeiros, a relação era clara. Mas a multidão dos terceiros, nem proprietário nem proletários, dependia materialmente do favor de um poderoso. Através desse mecanismo se reproduz um amplo setor de homens livres; além disso, a favor se prolonga em outras áreas de vida social e envolve os outros dois grupos na administração e na política, no comércio e na indústria. Até as profissões liberais, como a medicina, que na acepção europeia não deviam nada a ninguém, no Brasil eram governadas por esse procedimento que se transforma “em nossa mediação quase universal”, escreveu o estudioso argentino Néstor Garcia Canclini em sua obra Culturas Hibridas (Edusp, 2013, p.76)

A institucionalização do favor já foi antes analisada por Robert Schwarz no artigo As Ideias fora do lugar (Ao Vencedor as Batatas, Duas Cidades, 1977). Enquanto na Europa havia autonomia da pessoa, universalidade da lei, cultura desinteressada, remuneração objetiva e sua ética do trabalho, o favor no Brasil pratica a dependência da pessoa, a exceção à regra, a cultura interessada    e a remuneração de serviços pessoais. Ou seja, quando os governantes ajudavam a classe artística através de editais, essa mesma classe ficava subserviente a esse poderoso.

“Hoje, a arte é uma prisão”

Para que a arte possa ter autonomia absoluta é preciso estar inserida em movimentos sociais amplos. Os experimentos dos projetos pessoais, soluções estilísticas, reflexões precisam articular com a história, a cultura popular, preocupações construtivistas, utopias de massas.


“Hoje, a arte é uma prisão”, escreveu em 1976 o arquiteto e artista argentino Horacio Zabala. E ele afirma, com Foucault, que a prisão é uma “invenção”, uma técnica de identificação e enquadramento dos indivíduos, de seus gestos, sua atividade e sua energia. Como a prisão, esse mundo é “um sistema fechado, isolado e separado”, uma totalidade que limita a liberdade excluindo e negando, onde tudo sufoca, da qual não é possível subtrair-se mediante  “a própria imaginação forçada” (Horacio Zabala, “Oggi, l'Arte è una Carcere”, em 2.Russo (ed), Ogio l'Arte è una Carcere?, Bologn, II Mulino, 1982, pp.95-103). Frente à impossibilidade de construir atos, para evitar cair em ritos, a arte escolhe ser gesto.

A prisão como último laboratório. Não há outras saídas senão a submissão ao mercado, a ironia transgressora, a busca marginal de obras solitárias e a recriação do passado. Temos no Brasil mais histórias da literatura que das artes visuais. Mais sobre literatura das elites que sobre manifestações equivalentes das camadas populares.

É preciso que artistas sejam capazes de articular movimentos e códigos culturais de diferentes procedências. Mostrar que é preciso fundir as heranças culturais de uma sociedade, a reflexão crítica sobre seu sentido contemporâneo e os requisitos comunicacionais da difusão maciça.


Simulacro de democracia


Para muitos artistas e críticos, a Bahia vive hoje o simulacro de democratização. Se o artista precisa da ajuda do governo, mas não compatibiliza com seus discursos, ele precisa assinar o termo invisível da operação neutralizadora da crítica. Deve-se aceitar tudo a contragosto. Ou melhor, degustar mesmo com sabor amargo. Assim, o discurso que despolitiza os artistas dissolve sua adesão e, assim, a politica em moral e a moral em arte. Fica o dito não dito, e “tudo bem” na indústria cultural.


O autoritarismo político no mercado cultural transforma as ameaças em discurso adesivo e tudo vira um carnaval. Nesse procedimento formal e mecanismo de distinção denominado arte interage coma maioria sob as regras daquelas que costumavam ser os mais eficazes comunicadores: as industrias culturais, hoje transformada em vazio.

Os artistas e escritores como Octavio Paz e Jorge Luis Borges que mais contribuíram para a independência e profissionalização do campo cultural fizeram, da crítica ao Estado e ao mercado eixos de sua argumentação.


Culturas híbridas


“As ciências sociais contribuem para essa dificuldade com suas diferentes escalas de observação. O antropólogo chega à cidade a pé, o sociólogo de carro e pela pista principal, o comunicólogo de avião. Cada um registra o que pode, constrói uma visão diferente e, portanto, parcial. Há uma quarta perspectiva, a do historiador, que não se adquire entrando, mas saindo da cidade, partindo de seu centro antigo em direção ao seus limites contemporâneos. Mas o centro da cidade atual já está no passado”. (Nestor Garcia Canclini. Culturas Híbridas. São Paulo. Edusp, 6.reimp. ,p.21).


Modernização

No final do século XIX e início do XX houve ondas de modernização impulsionadas pela oligarquia progressista, pela alfabetização e pelos intelectuais europeizados; entre os anos 1920 e 1930, pela expansão do capitalismo e ascensão democratizadora dos setores médios e liberais, pela contribuição de migrantes, pela difusão em massa da escola, pela imprensa e pelo rádio; desde os anos 1940, pela industrialização, pelo crescimento urbano, pelo maior acesso à educação média e superior, pelas novas industrias culturais.


Mas é na segunda metade do século XX que as elites das ciências sociais, da arte e da literatura emitem sinais de modernização sócio econômica. Entre os anos 1950 e 1970 estão as mudanças estruturais: desenvolvimento econômico mais sólido e diversificado que tem sua base no crescimento de indústrias com tecnologia avançada, consolidação e expressão de crescimento urbano iniciado na década de 1940, ampliação do mercado de bens culturais; industrialização de novas tecnologias comunicacionais, especialmente a televisão.

Nenhum comentário: