21 outubro 2015

O que há por trás das obras do Marquês de Sade (4)


O Marquês de Sade abordou praticamente todos os temas da pornografia moderna e especializou-se na catalogação das práticas pornográficas. Em sua obra, o estupro, o incesto, o parricídio, a profanação, a sodomia e o tribadismo, a pedofilia e todas as mais terríveis formas de torturas e assassinato eram associados à excitação sexual. Ninguém foi capaz de superar Sade, pois ele explorou realmente a derradeira possibilidade lógica da pornografia: a aniquilação do corpo – base real do prazer – em nome do desejo.

Os romances sadianos assinalaram uma importante transição na década de 1790. O marquês levou as possibilidades subversivas da pornografia, política e socialmente,
ao seu possível extremo e, ao mesmo tempo e talvez pela mesma ação, abriu o caminho para a pornografia moderna e apolítica. Suas investidas contra todos os aspectos da moralidade convencional abalaram o uso da pornografia com objetivos. A pornografia era, então, identificadas como ataque à própria moralidade, em vez de crítica ao sistema moral do Antigo Regime. Por esse motivo, Sade foi condenado por todos os regimes – Antigo Regime, republicano e napoleônico. A política republicana e, mais tarde, a política napoleônica dedicaram grande energia à perseguição e apreensão de cópias de ”Justine” e “Juliette”.

Sade passou a maior parte desses anos no asilo de loucos de Charenton. Morreu aos 74 anos. Após a morte de Sade suas obras não desapareceram, mas passaram à clandestinidade. No final do século XIX, a atenção dedicada pelos médicos à vida e obra de Sade começou a modificar esse estatuto de paria. A “Psychopatia sexualis” de Krafft-Ebbing (1886) cunhou a palavra “masoquismo” e se apropriou de “sadismo”, que já havia entrado para a língua francesa na década de 1830. Mais tarde chegou ao inglês. Já em, 1901, num livro intitulado “O Marquês de Sade e sua obra vistos pela ciência médica e pela literatura moderna”, o dr. Jacobus alertou para os efeitos da leitura de suas novelas. Foi um médico de Berlim, Iwan Bloch, que em 1904 trouxe à luz o manuscrito de “Os 120 dias de Sodoma”, perdido havia muito tempo, e publicou uma primeira edição limitada e incompleta.

Nas primeiras décadas do século XX o jovem poeta Guillaume Apollinaire editou uma série de obras licenciosas. O título mais importante da coleção, “Obra do marquês de Sade: textos selecionados” foi lançado em 1909 com uma introdução de cinqüenta páginas de Apollinaire intitulada “O divino marquês”.

O primeiro Manifesto Surrealista citou Sade como um “surrealista em sadismo”. Numa conferência feita em Oxford em 1936, o poeta surrealista e comunista Paul Éluard considerou Sade “mais lúcido e puro do que qualquer outro homem de seu tempo” (A evidência poética). Em 1933, o crítico italiano Mario Praz publicou a “versão original” de “A agonia romântica”, um livro sobre a decadência, que faz uma crítica atenta e cuidadosa de Sade. Nos anos seguintes, novas edições sobre Sade.


“Devemos queimar Sade?” (1952), estudo de oitenta páginas de autoria de Simone de Beauvoir. “O erotismo de Sade não leva ao assassinato, mas à literatura”. Lester G. Crocker, um importante estudioso das letras e filosofia francesas do século XVIII escreveu em 1963, “Natureza e cultura: pensamento ético no iluminismo francês”. Outro influente pensador das décadas de 1960 e 1970, titular da cadeira de semiótica no Collége de France, Roland Barthes publicou em 1971, “Sade Fourier, Loyola”. Enquanto Crocker escolhera Sade como representante do niilismo em sua análise do pensamento ético na França do Iluminismo e assim lhe conferiu um lugar na história da filosofia ocidental, Barthes tomou o marquês como teste final e prova de seu sistema semiótico, que interpreta toda escrita como pertencente a um edifício prazeroso de sinais desligados da realidade, independente de qualquer julgamento moral. A conclusão de Barthes é que Sade escreve “poesia” verdadeira, um deslocamento da linguagem comum por meio da pura “escrita”.

O poeta italiano e comunista radical Píer Paolo Pasolini adaptou o romance de Sade e concebeu aquele que se tornou seu último filme, “Saló”, ou “Os 120 dias de Sodoma” (1975). O sensacionalismo em tom de estreia do filme misturou-se à repulsa provocada pelo brutal assassinato que terminou com a vida sofrida de Pasolini, um homossexual assumido em busca de novas conquistas. Depois de Pasolini, Yukio Mishima e Ingmar Bergman terem aberto ainda mais as portas, louvar o universo depravado de Sade, a escritora Camille Paglia não hesitou, em “Personas sexuais” (1990) citar passagens completamente explícitas que ilustram o nexo entre prazer sexual e atos de tortura e assassinato. Em 1990 as obras de Sade foram incluídas nas Bibliothéque de la Plêiade, uma respeitada e bem-acabada coleção francesa. No Brasil, várias editoras já colocaram as obras do marquês nas livrarias.

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