23 abril 2009

Busca do Graal amoroso

Há 30 anos Michel Foucault convidava cada um a “perguntar-se sobre o que se passa em uma sociedade que há mais de um século chama ruidosamente contra a própria hipocrisia, pela prolixamente de seu próprio silencio, empenha-se em detalhar o que ela não diz, denuncia os poderes que ela próprio exerce e promete libertar-se das leis que a fazem formular” (História da Sexualidade).

Hoje, em toda parte, há um eloqüente discurso ao prazer. E assim o sexo se torna o “ruído de fundo” de nossa vida cotidiana. A nossa sociedade só fala “nisso”. Mas para dizer exatamente o quê?. Embora a época fale repetidamente de sexo, nada diz. O prazer se tornou pura questão de anatomia, de mercado e esporte. Ele é prestação de serviço, satisfação de apetites ou performance. O “espetáculo” em cartaz e o medo contagioso se conjugam para privilegiar em matéria sexual a hipótese mais segura e sua história: a da auto-satisfação. Sexo seguro, polidez à moda de Onan e serviços prestados. A sexualidade como hoje o risco de ser dessassocializada, desumanizada.


“A sexualidade é dramática”, escreveu em 1976 Maurice Merleau-Ponty (Phénoménologia de la perception), “porque nela engajamos toda a nossa vida pessoal. Mas por que o fazemos exatamente? Porque nosso corpo é um eu natural, uma corrente da existência dada de modo que nós não sabemos nunca se as forças que nos conduzem são as suas ou as nossas, ou melhor, elas não são nunca nem as suas nem as nossas inteiramente. Não há superação da sexualidade. Como não há sexualidade fechada em si mesma. Ninguém está salvo e ninguém está completamente perdido”.

Essa busca imaginária de um novo Graal amoroso, de um ponto ômega na intensidade dos prazeres está longe dessa ordem moral ameaçada e a liberdade ameaçada.

O enfraquecimento das instituições, a precarização dos indivíduos reenviados a sua solidão, o trabalho em vias de dessocialização, a família à deriva como lugar de agregação são os deslocamentos mais temíveis que ameaçam nada mais nada menos que a coesão mesma de nossa sociedade pós-industrial.

Nas sociedades industrializadas contemporâneas cada pessoa não se define mais que por sua capacidade de produzir, de consumir e de poupar. Um neurônio passivo de uma máquina econômica e financeira. Desfiliado de toda instituição o indivíduo fica sem vínculos, isto é, sem passado. Voltado a uma espécie de imediatismo febril, ele está também sem futuro. Este esvaziamento do futuro é notório. Por esse motivo há uma nostalgia evasiva e crescente nos dias atuais. Basta observar as festas em comemoração aos anos 60, 70 ou 80. Passamos a viver afogado pelas lembranças à proporção que o futuro se deprecia. Estamos andando em marcha a ré.


SOLIDÃO

Rolando Barthes, em 1977, já fazia da solidão extrema do discurso amoroso o tema maior de seus “fragmentos”. Ele enfatizava a estranha permuta que viera a fazer do encontro sentimental, do amor, da ternura, do cuidado para com o outro, do levá-lo em conta, a nova obscenidade: “Desacreditada pela opinião moderna, a sentimentalidade do amor deve ser consumida pelo sujeito amoroso como uma transgressão forte que o deixa sozinho e exposto; por uma reviravolta dos valores, é esta sentimentalidade que constitui, hoje em dia, a obscenidade do amor” (Fragmentos de um discurso amoroso).

Pascal Bruckner e Alain Finkielkraut por sua vez ironizaram a deriva funcional, médica, normativa e lugubremente despida do prazer ”moderno”. “Ao reduzir o macho a sua função ejaculatória, transforma-se a relação sexual em algo de primitivo, de verdadeiro, de literal em relação ao qual todo o resto não é mais que elucubração mística ou sem-vergonha” (La Nova Desordem Amorosa).

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