15 outubro 2007

Ironia e genialidade da vanguarda dadaísta (1)

Ao contrário de outros movimentos de vanguarda que surgiram no início do século passado, o dadaísmo assumiu desde o início um caráter de contracultura, desferindo suas principais setas contra o universo cultural da época e contra a linguagem, aos quais atribuía a responsabilidade pela barbárie emergente. “Estávamos em busca de uma arte que pudesse curar o homem da loucura de nossa época”. Esta é a declaração de Hans Arp, um dos dadaístas de maior militância em Zurique, berço do movimento.

O movimento dada (ou dadaísmo) foi histórico e literalmente uma reunião de pelo menos três dos principais movimentos de vanguarda na Europa conturbada pela Primeira Guerra Mundial. Tanto no futurismo, como o expressionismo e o cubismo (apesar de esta palavra designar principalmente os pintores franceses) já se haviam definido como revolucionários por volta de 1914, de modo que a guerra serviu para confirmar a maior parte de seus objetivos acentuando, sobretudo, a tendência desagregadora da literatura e das artes na segunda década do século.

Há quem dia que o dadaísmo foi um movimento internacional, pois surgiu mais ou menos ao mesmo tempo em grandes cidades como Zurique, Berlim, Colônia, Mônaco, Viena, Nova Iorque, Paris, Barcelona e Moscou. Mas o epicentro desse terremoto cultural foi sem dúvida Zurique, a única cidade européia onde se podia viver tranqüilo em 1916, tanto que aí, nessa mesma época, James Joyce escrevia o seu Ulisses. Foi em Zurique que surgiu um grupo de cinco refugiados, amantes da paz, mas revoltados contra a sociedade. Era constituído por dois alemães (Hugo Ball e o poeta Richard Huelsembeck), um alsaciano (Hans Arp que fazia colagens e quadros) e dois romenos ( o pintor e arquiteto Marcel Janco e o poeta e escritor Tristan Tzara), a que se juntaram o francês Francis Picabia e o chileno Vicente Huidobro. Reuniam-se no Cabaret Voltaire, pequeno teatro de variedades fundado por Hugo Ball em 1916, nas vésperas da famosa e prolongada batalha de Verdun.

A incerteza quanto à vitória de início favorável aos alemães, foi o motivo principal e ideológico do movimento Dada. A certeza de que a Alemanha ganharia a guerra passou a atormentar esses intelectuais (dois deles desertores do serviço militar alemão). Daí como forma de terrorismo cultural, lançando-se contra todos os valores culturais, pois tudo agora lhes parecia destituído de qualquer sentido lógico, tal como no mundo mágico da criança.

No Cabaret Voltaire em Zurique pontificava Tristan Tzara, boêmio, trilingue e de cultura francesa liam-se poemas de Apolinaire, Max Jacob, Salmon e Jarry; Huelsembeck recitava os expressionistas alemães; e todos eles discutiam as idéias futuristas de Marinetti e se declaravam discípulos de Rimbaud.

Combinavam assim o pessimismo irônico de Voltaire com a ingenuidade infantil de Rimbaud, cuja obra representava o modelo de ruptura mais radical na história da poesia. Vem daí a definição de Hugo Ball num verbete proposto a um dicionário alemão: “Dadaísta – Homem infantil, quixotesco, ocupado com os jogos de palavras e com as figuras gramaticais”.

Nenhum comentário: