19 abril 2007

Monteiro Lobato e o mundo infantil (2)

Ao lado dessas inovações, está o fato de que Monteiro Lobato criou um mundo mágico. Nele, reina o faz-de-conta, através do qual convivem personagens do mundo real, ou seja, os habitantes do Sítio do Picapau Amarelo, e todos os heróis do mundo das maravilhas, renovados por seu talento. Seus personagens apresentados em Reinações de Narizinho e protagonistas alternados de todos os 23 títulos que compõe sua obra são marcos na literatura brasileira. Tia Nastácia é a ama negra comum nas fazendas brasileiras do princípio do século. Inculta e boníssima, dá vida com suas mãos aos dois mais originais personagens da obra lobatiana, Emília e Visconde. Boneca que se transforma aos poucos em gente, Emília é a própria juventude de espírito e é através dela que o autor manifesta suas idéias mais polêmicas. Visconde, um sabugo de milho de cartola, é uma crítica viva à nobreza e ao saber “bolorento”.

Dona Benta é a avó ideal. Culta como poucas, é aberta a todas as novidades vividas pelos netos. É quem forma e informa, dando lições de coisas e de comportamento. Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, e Pedrinho, seu primo e companheiro de aventuras, são bons exemplos da infância sadia de todos os tempos. Alegres, criativos, honestos, corajosos e amigos, têm as virtudes das crianças felizes. Ávidas de conhecimento e de aventuras, descobrem o mundo através da palavra de Dona Benta, do afeto da tia Nastácia e principalmente de sua própria experiência, que re-elabora as informações recebidas nesse universo idealizado.

Monteiro Lobato foi um homem comprometido com o seu tempo, absolutamente consciente do momento histórico em que viveu. Jogando com personagens tão predominantemente o mundo da fantasia, questiona todo o tempo a realidade. Usa o maravilhoso para romper as estruturas estratificadas do real e levar a criança, em que via a única esperança da humanidade, à busca de novas soluções. Com Lobato, os pequenos leitores adquirem consciência crítica e conhecimento de inúmeros problemas concretos do País e da humanidade em geral. Ele desmistifica a moral tradicional e prega a verdade individual: instaura portanto a liberdade. “O segredo é um só, liberdade”. Tornou-se o escritor de literatura infantil mais lido em português e espanhol. A saga termina com Os 12 Trabalhos de Hércules: 39 histórias (sendo 32 originais e sete adaptações), cerca de 500 páginas, um milhão de exemplares vendidos. Criou o universo do Picapau Amarelo em que milhões de crianças passaram a viver na imaginação. Comprometido com o homem brasileiro, amado pelas crianças, incompreendido por muitos, foi uma consciência dividida entre as exigências de seu povo e a atualização dos modelos literários.

NOVO MUNDO

A indústria editorial brasileira sempre optou por histórias de origem européia, mais próximas da origem cultural dos editores quanto das elites. Esse predomínio estende-se ao longo da colônia e do império. Chegou porém o momento, já para o fim da chamada República Velha, em que a acumulação de capital proporcionada pela fase de ouro o café, juntamente com o espírito nacionalista em formação, criou as condições para uma obra revolucionária: a de Monteiro Lobato. Foi Lobato quem, pela primeira vez, criou não apenas uma história, mas todo um mundo: o Sítio do Picapau Amarelo, povoado por criaturas cheias de verdades e fantasias. Ele construiu sua obra infantil nas décadas de 20 e 30.

Nas décadas de 70 e 80, se desenharia um novo quadro, com o importante apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Essa instituição incentivou novos autores brasileiros, pesquisou a bibliografia brasileira existente, instituiu concursos e prêmios, promoveu programas de intercâmbio e treinamento e divulgou no Brasil o melhor da literatura infantil estrangeira. É a época de Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Ziraldo, Sylvia Orthof, Ligia Bojunga Nunes, Joel Rufino dos Santos, Wander Pirolli e tantos outros. Como Monteiro Lobato, esses autores e outros mais estão mostrando através do seu fazer literário que escrever para crianças pode ser uma ótima aventura, pode levar ao aprofundamento das questões humanas.

Após o sucesso comercial e literário de Urupês, Monteiro Lobato empenhou-se para tornar realidade um antigo projeto: editar. Com o espírito pioneiro que o acompanharia até os últimos dias, enfrentou o problema do livro de maneira diferente e inovou. Para o editor Monteiro Lobato, o livro era uma mercadoria como outra, como um alimento, uma roupa, e sua comercialização deveria ser estendida a todos os lugares para que o livro fosse um bem acessível a todos. Lobato procurou uma fisionomia gráfica própria para os livros, diferenciando-os dos modelos franceses e portugueses, valorizando os capistas e desenhistas nacionais. Ele pôs ao alcance do grande público, a preços acessíveis, um certo requinte que somente era encontrado em edições restritas. Como ótimo editor, ele tinha enorme talento publicitário. Mas a crise de energia elétrica resultante da inesperada seca que assolou São Paulo, a partir do final de 1924, acarretou a falência da próspera editora, que não estava estruturada para suportar os riscos do seu pioneirismo.

Monteiro Lobato foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional e, por sua contribuição revolucionária à indústria e comércio do livro, ocupa hoje o seu nome o lugar de patrono, sendo o Dia Nacional do Livro Infantil ligado à sua memória. É, por outro lado, dos escritores de maior venda no Brasil. A criança foi a causa maior de Lobato. No fim da vida, arrependeu-se de não ter escrito mis para elas, como pretendia no dia em que escrevera ao amigo Godofredo Rangel: “Ando com idéias de entrar por esse caminho: livros para crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para as crianças, um livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robinson Crusoé. Ainda acabo fazendo livro onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim, morar como morei no Robinson e no Os Filhos do Capitão Grant”. Em seus livros, Lobato dialogou com as crianças.

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