31 maio 2006

Riso, o elixir da longa vida

O homem é a única criatura que ri e sabe que a morte é uma certeza absoluta. Os antigos filósofos defendiam o riso como manifestação pessimista diante da dramaturgia absurda que é a vida. Em seu livro “O Riso. Ensaio sobre a significação da comunidade”, o estudioso Henri Bergson (1859/1941) é dono da tese do riso como trote social. O riso embute o sentido de humilhar alguém. Daí o formato mais perto da vida social seria a comédia, não o drama.

De Aristóteles a Hobbes, de Platão a Georges Bataille, foram inumeráveis e quase infinitas as tentativas de conceituação do humor. Na Grécia antiga, o humor estava no centro da sociedade, nos rituais de sacrifício, danças e cultos, nos sagrados festivais báquicos, nas procissões orgiásticas. Na Idade Média, por sua vez, o humor também se expressa como representação essencialmente pública, uma prática coletiva de vilarejos, praças e igrejas, como as festas cristãs da celebração dos mistérios da Paixão, da Páscoa e do Natal. Ele integra a conjunto de práticas para as legítimas expressões próprias da época – exorcismos, conquistas, misérias, fantasias. A commedia dell´arte nasce na Itália no século XVI e se consolida no século seguinte na França como gênero teatral distinto do teatro medieval.

A partir do século XVII a tragédia se afirma como gênero “de conteúdo” e assim desqualifica a comédia, o humor e o riso como fontes de informação sobre o real. À medida que o sério na Idade Clássica passa a ser condição de credibilidade para conteúdos que pretendem exprimir verdades, o humor perde essa sua característica positiva e universal.

Na Antiguidade, na Grécia ou em Roma, na Idade Média e no Renascimento, tempos em que a razão não havia ainda espalhado certezas pelo mundo, o humor como produtor e veículo de verdade ocupa um espaço central no cotidiano da sociedade. Assim, a afirmação do poder absolutista na política, do capitalismo que o financiava na economia e do discurso da razão na ciência e na cultura, marcam a decadência da festa, da celebração e do riso como portadores da verdade.

A função do humor não é, imediatamente, provocar o riso, como supõe a razão, mas é, também, de se contrapor a ela como instância privilegiada exclusiva da verdade. Assim, “o humor não é resignado, mas rebelde” como dizia Freud. Assim, no século XVII, a razão troca as difusas verdades universais espalhadas pela sociedade por verdades oficiais, ancoradas pelo poder absolutista.

Desse modo, todas as práticas que anarquicamente enunciavam as verdades que eram capazes de formular (os loucos, alquimistas, astrólogos, bruxos) ficam esvaziadas, portadoras de um saber sem conteúdo, perdendo a positividade de seus discursos, o controle de seus dizeres e a ordem de seus prazeres. São postas à margem da sociedade e da cultura como difusoras de práticas negativas porque marcadas pela ausência da razão. O humor produz desordem na ordem da razão.

Festas populares (como o Carnaval) e quaisquer manifestações profanas são proibidas. Os ditos loucos também foram aprisionados, afinal de contas, é deles o riso mais libertário. O clero toma a dianteira nessa campanha conservadora. Baixa-se uma espécie de código na tentativa de abafar as gargalhadas. A alegria passa a ser crime.

A Idade Média, dominada pela Igreja, foi uma época de tristeza. De maneira oposta, o Renascimento, foi o grande momento da liberação do riso. A Contra Reforma não viu com bons olhos o humor. Vários teólogos pensavam que o homem deveria evitar o riso por causa de sua condição pecaminosa. O clero era instruído a não provocar o riso durante os serviços. Há um tempo de chorar e um tempo de rir, diz a Bíblia, e os escritores moralistas repetiram o veredicto: “Agora é o tempo de chorar e no céu será o tempo de rir”. O cristão deveria apenas esperar até a redenção dos pecados na Jerusalém sagrada, onde encontraria o único riso natural. Esse pessimismo agostiniano fez com que os religiosos condenassem o riso.

Os filósofos Hegel (1770/1831) que não queria rir, Schopenhauer (1788/1860) pessimista e rabugento, e Nietzsche (1844/1900) ao contrário, decretou o riso escancarado. Assim gargalhou Zaratustra e com o crepúsculo dos ídolos nascia o popular “quem ri por último ri melhor”. O historiador Georges Minois relata na sua “História do Riso e do Escárnio” que há um divórcio entre as folias modernas e o riso – o sujeito agora se perde totalmente no grupo -, ao contrário de antigamente, quando a farra era associada ao riso em razão do seu caráter excepcional, que permitia estabelecer um deslocamento da norma. A festa tecno (raves) seria apenas uma busca fetichista do sagrado. “Não é irônico ver multidões laicas viverem a festa tecno como uma verdadeira missa?” é a pergunta que nos deixa para uma reflexão.

“O riso moderno existe para mascarar a perda do sentido. É mais indispensável que nunca”, esta é uma das conclusões a que chega Minois em seu livro. Para outros, o riso é um elixir de longa vida. Afinal, neste milênio marcado pelo estresse, desigualdades sociais e idas rotineiras ao divã do analista, o humor comparece e se afirma como uma variável. Bom humor é necessário. Já para o sociólogo Gilles Lipovetski o riso perdeu sua força. No seu livro “A Era do Vazio” ele atesta: “Um novo estilo descontraído e inofensivo, sem negação nem mensagem, apareceu. Ele caracteriza o homem da moda, do texto jornalístico, dos jogos radiofônicos, televisivos, do bar...”. Para ele não há mais festa do espírito no riso, a esculhambação dionísica deu lugar ao “cool”.

Um comentário:

Anônimo disse...

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