Ele foi um homem de denúncias. Calibrou a
expressão Diretas Já. Viveu apenas 43 anos (1944/1988), mas, como poucos soube
compreender e captar a essência do desencadear dos acontecimentos de sua época.
Sua obra foi muito marcada pela ditadura militar. Além de excelente desenhista
era muito bom nas entrevistas. O livro SICK DA VIDA – AS GRANDES ENTREVISTAS DE
HENFIL, do jornalista Gonçalo Junior lançado pela Editora Noir levou mais de
dez anos para ser produzido por conta do grande desafio de garimpar as inúmeras
conversas antológicas do artista. O resultado foi a junção das 18 consideradas
maiores e mais importantes pelo autor, que saíram em grandes veículos como Ele
Ela, Playboy, O Bicho, Status, Coojornal, Veja, O Pasquim, o livro Cartas para
um novo Brasil, de Geneton Moraes Neto, entre outros.
Numa entrevista a revista Veja (1971)
Henfil revelou: “Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu - numa versão
antiga. Vamos dizer que eu andei e Cumprido ficou para trás. É isso. Cumprido é
como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela
formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado
(o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e
original. Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com Baixinho, que é
totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma
maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…)
Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que
vivo”.
Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou
seja, único. Em depoimento a revista Humor Status (1979), o artista foi
categórico ao definir o seu modo de desenhar: “Eu não sei desenhar. Pra mim, é
como mastigar pedra. Eu sei fazer tracinhos, juntá-los e formar figuras. Tanto
é que tenho de desenhar muito rápido, para que saia alguma coisa parecida com o
que eu gostaria de fazer. Meu desenho é caligráfico. Desenho como escrevo”.
Sick da Vida é uma obra fundamental para
conhecer o quanto o humor gráfico foi importante na luta contra os arbítrios na
ditadura militar, a partir de um artista de saúde bem frágil – era hemofílico –
e de coragem imensa que se jogou como um camicase na luta pela volta da
democracia. Ajuda também a entender o Brasil de hoje, com os resquícios,
equívocos e traumas herdados por 21 anos de ditadura. “Não é possível
compreender tudo isso sem ler os quadrinhos e os cartuns de Henfil e, agora,
suas geniais entrevistas. Acredito que seja impossível sair o mesmo depois de
conhecer suas ideias e seu posicionamento contundente como artista gráfico e
humorista”, ressalta Gonçalo.
A obra revive a genialidade criativa do
cartunista. Relembra como ele possuía uma visão peculiar de mundo. Aqui,
exposta em entrevistas e depoimentos. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo,
Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais
e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava
as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os
horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na
época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.
Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil
foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. Segundo o caricaturista Cássio
Loredano: “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido
zelosamente a nossa História inteira”. As tiras, o texto e os cartuns de
Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Ele
adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos
sociais. Segundo o caricaturista Cássio Loredano, “Henfil tirou de debaixo do
tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”.
“O Humor de Henfil era cruel. E didático.
Como se ele acreditasse que o Humor serve apenas para ensinar o Homem a ser
melhor. E que soubesse que o homem só aprende se lhe dói. O Humor do Henfil era
doloroso. E hilariante. Era engraçado e cruel, debochado e - ´pausa! –
desbordante de ternura. No Fradim baixinho o Henfil fez de tudo para não deixar
seu lado doce e terno vir à tona. Quando ele inventou a Graúna – o mais
emocionante personagem do imaginário brasileiro – com sua barriguinha
redondinha, uma bolinha preta, suas perninhas finas feitas de dois pauzinhos e
sua máscara de infinitas expressões conseguidas com três tracinhos, Henfil
abriu-se mais para as pessoas que o amavam. Neste personagem ele deixou-se ver
mais”, escreveu Ziraldo na apresentação do álbum A Volta da Graúna, pela
Geração Editorial (1973).
Os traços de Henfil são curtos, rápidos,
transmitem força e expressividade. Talvez o maior exemplo de síntese seja mesmo
a Graúna, que chegou a ser comparada com um ponto de exclamação. O leve
deslocamento de um de seus traços altera seu humor. Ele contribuiu para renovar
o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o
cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de
personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de
Souza Filho, Henfil, o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com
duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às
melhores consequências.
Vale a pena conferir os depoimentos de um
dos maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos reunidas nesse livro. E
seu humor corrosivo faz muita falta.
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