25 fevereiro 2022

Grandes entrevistas de Henfil: Sick da Vida

 

Ele foi um homem de denúncias. Calibrou a expressão Diretas Já. Viveu apenas 43 anos (1944/1988), mas, como poucos soube compreender e captar a essência do desencadear dos acontecimentos de sua época. Sua obra foi muito marcada pela ditadura militar. Além de excelente desenhista era muito bom nas entrevistas. O livro SICK DA VIDA – AS GRANDES ENTREVISTAS DE HENFIL, do jornalista Gonçalo Junior lançado pela Editora Noir levou mais de dez anos para ser produzido por conta do grande desafio de garimpar as inúmeras conversas antológicas do artista. O resultado foi a junção das 18 consideradas maiores e mais importantes pelo autor, que saíram em grandes veículos como Ele Ela, Playboy, O Bicho, Status, Coojornal, Veja, O Pasquim, o livro Cartas para um novo Brasil, de Geneton Moraes Neto, entre outros.

 

Numa entrevista a revista Veja (1971) Henfil revelou: “Baixinho sou eu. Hoje. O Cumprido também sou eu - numa versão antiga. Vamos dizer que eu andei e Cumprido ficou para trás. É isso. Cumprido é como eu era: um cara carola, infantil, ingênuo, aquele mineiro com aquela formação religiosa antiga, mórbida. A religião do terror, na qual tudo é pecado (o raio que está caindo é castigo de Deus). Do pecado mortal, venial e original. Cumprido ficou nessa fase. Agora eu me identifico com Baixinho, que é totalmente como eu sou hoje: toda uma negação desse meu passado. E de uma maneira muito agressiva, porque esse meu passado me incomoda bastante (…) Baixinho procura, através da agressão, do ridículo, me checar e ao meio em que vivo”.

 


Jaguar comparou Henfil com Garrincha, ou seja, único. Em depoimento a revista Humor Status (1979), o artista foi categórico ao definir o seu modo de desenhar: “Eu não sei desenhar. Pra mim, é como mastigar pedra. Eu sei fazer tracinhos, juntá-los e formar figuras. Tanto é que tenho de desenhar muito rápido, para que saia alguma coisa parecida com o que eu gostaria de fazer. Meu desenho é caligráfico. Desenho como escrevo”.

 

Sick da Vida é uma obra fundamental para conhecer o quanto o humor gráfico foi importante na luta contra os arbítrios na ditadura militar, a partir de um artista de saúde bem frágil – era hemofílico – e de coragem imensa que se jogou como um camicase na luta pela volta da democracia. Ajuda também a entender o Brasil de hoje, com os resquícios, equívocos e traumas herdados por 21 anos de ditadura. “Não é possível compreender tudo isso sem ler os quadrinhos e os cartuns de Henfil e, agora, suas geniais entrevistas. Acredito que seja impossível sair o mesmo depois de conhecer suas ideias e seu posicionamento contundente como artista gráfico e humorista”, ressalta Gonçalo.

 

A obra revive a genialidade criativa do cartunista. Relembra como ele possuía uma visão peculiar de mundo. Aqui, exposta em entrevistas e depoimentos. Graúna, Zeferino, Bode Orelana, Ubaldo, Orelhão, cada tipo sublinhava, com humor amargo, aquilo que se lia nos jornais e se via nas ruas. Era um trabalho mais direto, mas nenhum personagem mostrava as vísceras do povo como o Fradim. O personagem mostrou de maneira completa os horrores da condição humana e, ao que se sabe, o país de Sarney (presidente na época) tem quase nenhuma diferença daquele governado por militares.

Um guerrilheiro do cartum, assim Henfil foi definido pelo cartunista Miguel Paiva. Segundo o caricaturista Cássio Loredano: “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”. As tiras, o texto e os cartuns de Henfil, significaram, em quase todo o período militar, um sopro de esperança. Ele adotou o lápis como arma para denunciar e questionar tradições e comportamentos sociais. Segundo o caricaturista Cássio Loredano, “Henfil tirou de debaixo do tapete o que para lá tinham varrido zelosamente a nossa História inteira”.

 


“O Humor de Henfil era cruel. E didático. Como se ele acreditasse que o Humor serve apenas para ensinar o Homem a ser melhor. E que soubesse que o homem só aprende se lhe dói. O Humor do Henfil era doloroso. E hilariante. Era engraçado e cruel, debochado e - ´pausa! – desbordante de ternura. No Fradim baixinho o Henfil fez de tudo para não deixar seu lado doce e terno vir à tona. Quando ele inventou a Graúna – o mais emocionante personagem do imaginário brasileiro – com sua barriguinha redondinha, uma bolinha preta, suas perninhas finas feitas de dois pauzinhos e sua máscara de infinitas expressões conseguidas com três tracinhos, Henfil abriu-se mais para as pessoas que o amavam. Neste personagem ele deixou-se ver mais”, escreveu Ziraldo na apresentação do álbum A Volta da Graúna, pela Geração Editorial (1973).

 

Os traços de Henfil são curtos, rápidos, transmitem força e expressividade. Talvez o maior exemplo de síntese seja mesmo a Graúna, que chegou a ser comparada com um ponto de exclamação. O leve deslocamento de um de seus traços altera seu humor. Ele contribuiu para renovar o traço humorístico brasileiro e criou personagens que entraram para o cotidiano do país. Poucos desenhistas conseguiram erguer uma coleção de personagens tão identificada pelo brasileiro médio como o mineiro Henrique de Souza Filho, Henfil, o travesso do traço. Seu desenho era uma caligrafia. Com duas linhas, fazia um personagem e levava sua irreverência às últimas e às melhores consequências.

 

Vale a pena conferir os depoimentos de um dos maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos reunidas nesse livro. E seu humor corrosivo faz muita falta.

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