06 junho 2021

Ninguém pode com Nara Leão

 

No dia 07 de junho de 1989 a cantora e compositora Nara Leão (1942 – 1989) morreu por conta de um tumor no cérebro. Ela deixou um legado que extrapolou o cenário musical na época em que viveu. Ninguém Pode com Nara Leão (editora Planeta), livro de Tom Cardoso reconstrói a vida da artista que participou ativamente dos mais importantes movimentos musicais surgidos a partir da década de 1960 e foi a primeira estrela da MPB a falar abertamente contra a ditadura militar. Nara Leão certamente foi uma das artistas mais importantes e influentes da cultura brasileira, não só pela sua obra, mas pelo que representou para a mulher e a sociedade como um todo.


 

Na biografia o escritor apresenta passagens da infância de Nara, marcadas pela angústia e reclusão, detalhes da inimizade com Elis Regina, dos famosos encontros no apartamento da Av. Atlântica, onde a bossa nova ganhou corpo, cara e nome, do relacionamento com Ronaldo Bôscoli, da amizade com figuras como Vinicius de Moraes, Roberto Menescal e Ferreira Gullar, por quem nutria admiração mutua e teve um affair. Glauber Rocha amava as diferentes facetas de Nara. Assim como Ruy Guerra, não se deixava levar pela aparente fragilidade física e o temperamento dócil e delicado da cantora – sabia com quem estava lidando. Em cartas do exílio na Europa enviadas a Cacá Diegues, Glauber enaltecia as qualidades da companheira do amigo, referindo-se a ela como se fossem duas em uma só: “Amo Nara Leão. Nara e Narinha. Essa mulher sabe tudo do Brasil 1964. Essa mulher é a primeira mulher brasileira. Essa mulher não tem tempo a perder. Atenção: ninguém pode com Nara Leão”.

 

O jornalista apresenta no livro sobre as importantes parcerias musicais que Nara teve ao longo de sua carreira e como ela tinha uma aptidão para reconhecer grandes talentos. Chico Buarque foi um deles. Ela foi uma das grandes artistas da música brasileira, que deixou uma discografia rica (28 álbuns). O biógrafo conta que o critério que Nara Leão sempre seguiu para escolher o que iria gravar foi o da qualidade. "Podia ser um músico de choro, um cantor brega (entre aspas), um sambista, bossa-novista...Se ela gostasse da letra, da canção, da música, e se se identificasse, gravava. Por isso transitou da Bossa Nova à Tropicália. Gravou um disco em homenagem a Roberto e Erasmo Carlos quando nenhum artista da MPB faria isso, e com músicos do (universo do) choro. Imagina ela cantando 'Cavalgada' com Raphael Rabello (1962-1995) tocando violão em ritmo de choro, era muito louco. Ela gostava dessas experimentações, que se davam por ela se posicionar sempre de forma aberta, sem preconceitos, sem amarras diante da música".

 


Sua trajetória profissional foi iniciada em 1964 e encerrada em 1989 com a precoce saída de cena da intérprete por conta de tumor no cérebro. Atuou como intérprete de diferentes repertórios de canção popular – da bossa nova à tropicália – e em espetáculos cênico-musicais. Atuou em diferentes repertórios e estilos musicais na década de 1960, sempre com um viés político evidente, se contrapondo ao momento protagonizado pela ditadura militar. A cantora, “formada” musicalmente na bossa nova, trazia uma herança moderna, uma aura de sofisticação, própria do estilo musical da zona sul do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, protagonizou um retorno ao samba de morro. Ela sentia e expressava essa ambiguidade, tanto que se afastou da canção de protesto por achar que aquilo estava virando puro consumo. Porém, prosseguiu com uma atuação política. Ao se desvincular da bossa nova, Nara deu outro sentido à sua trajetória e se tornou uma das principais lideranças do engajamento musical, canção de protesto, de 1964 a 1966. Em 1966, no Festival de MPB da Record, ela interpretou A banda, de Chico Buarque. Era o seu auge como cantora, em termos de êxito junto ao público. Para ela, foi um sofrimento, por não tolerar o sucesso e nem as turnês. Quase largou tudo. Contudo, sempre acabava retornando, por questões financeiras [era muito bem paga] ou pela possibilidade de participar dos debates do período.

 


Foi assim com a bossa nova, samba do moro, Opinião, tropicalismo. Fez apenas o que quis, cantou o que achava que deveria cantar. Nunca fez uma só concessão. Ela participou do primeiro disco de Fagner e, praticamente, lançou Chico Buarque. Lançou Bethânia no o show Opinião. Conseguiu conquistar o público com o jeito intimista e com seu repertório. Vale conferir a obra!

 

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