*(Artigo publicado no jornal A Tarde,
Caderno2, página 1, 09/06/1992 por Gutemberg Cruz)
Uma coleção em quadrinhos de seis álbuns
coloridos com aventuras de Jacques Cousteau está à disposição dos amantes da
ecologia. A série foi lançada em 1985 pela Editora Robert Laffont, de Paris, e
agora (1992) chega às livrarias brasileiras publicadas pela Siciliano. Os
argumentos e desenhos são de Dominique Sérafini, que não apenas imaginou
aventuras envolvendo a equipe do oceanógrafo francês Jacques Yves Cousteau.
Sérafini participou delas. O realismo dos seus desenhos e a riqueza dos
detalhes transportam facilmente o leitor para a aventura, como se fizesse parte
da equipe Cousteau. Na aventura O Boto Cor de Rosa da Amazonia, Sérafin conta a
saga do barco Calypso no Rio Amazonas. O boto cor de rosa é uma espécie em
extinção, e o álbum adota uma posição preservacionista. A equipe teve que se
virar em busca de ilustrações já perdidas, como astecas, fenícios e maias, pra
contar a saga da Atlântida.
Lutar pela proteção do “planeta azul” e
contra as ameaças que as atividades humanas fazem pesar sobre ele são os
objetivos fundamentais da equipe Cousteau. Há anos, os homens do Calypso vêm
vivendo mil aventuras, tais como cavalgar baleias, identificar tubarões, filmar
jacarés, brincar com polvos e enguias, explorar ruínas, encontrar vestígios das
civilizações submersas. Tudo está registrado na série que começa com A Ilha dos
Tubarões e vai até A Onda de Fogo, passando no caminho por Leões do Calypso, O
Boto Cor de Rosa da Amazonia, O Mistério da Atlântida e A Selva de Coral.
ECOLOGIA
A questão ecológica já frequenta as
páginas das histórias em quadrinhos desde o início de 1980, década que marcou a
ascensão dos quadrinhos adultos. Muitos autores se preocupam com o meio
ambiente e discutem em suas obras a melhor maneira de como a civilização pode
continuar a viver, sem que, para isso, a natureza deixe de existir. Com a onda
verde que atingiu os meios de comunicação, a ecologia entrou com mais força nos
gibis. Basta lembrar o Monstro do Pântano, Homem Animal, Orquidea Negra, o
caipira Chico Bento, o baiano Mero, dentre outros.
Um personagem obscuro e com poucas
histórias publicadas nos anos 1960 surgiu através dos traços de Carmine
Infantino. Trata-se do Homem Animal, cujo poder era a capacidade de absorver as
características de animais que estivessem por perto. A partir de 1988, o
argumentista inglês Grant Morrison iniciou a sua versão do herói e, em pouco
tempo, a revista Animal Man passou a ser uma das mais elogiadas pela crítica e
público. Motivo: as histórias têm sido a sua aproximação real com os animais,
não apenas para extrair poderes, mas para sentir o que eles sentem. A partir
daí, Morrison humaniza os animais que aparecem nas histórias: um golfinho
relata ao impressionado herói como foi a festa anual da matança de uma aldeia
de pesadores; a agonia de um chipanzé aidético e estágio terminal, propositadamente
contaminado pelo homem. O Homem Animal se envolveu tanto com as causas
ecológicas que, ao chegar em casa e encontrar a geladeira cheia de pedaços de
amigos seus, virou vegetariano. O enredo é consistente, e os desenhos de Chas
Troug e Doug Hazlewood, bem estruturados.
VEGETAL
A febre verde continuou ainda pelas mãos
de outro inglês. Desta vez, Alan Moore, que utilizou o Monstro do Pântano, a
criatura idealizada por Len Wein e Bernie Wrightson como uma mutação humana em
contato com produtos químicos e a vida dos pântanos do Sul dos EUA. Para ele, o
Monstro do Pântano não era uma aberração e sim um vegetal capaz de pensar e,
como tal, sentir o sofrimento das plantas, infligido pelo homem. Moore começou
a revitalizar o personagem em 1983 e criou o Parlamento das Árvores.
Outra personagem dos anos 1970 que foi
revisitada nos aos 1980, a Orquídea Negra, ressurge como a mais rara das
flores. Na verdade, ela é um ser híbrido, que necessita das mesmas condições
que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...Nem uma
mulher. A Orquídea Negra é um enigma de rara beleza e poesia. O autor dessa
nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman, junto com o desenhista Dave Mckrean,
que usou uma técnica mista de tinta e óleo com tinta spray para carros e
filtros de tecido sobre aquarelas. Em cada imagem sequenciada, a fusão do
expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de
sonho, imaginação, memória.
O personagem de Paul Chadwick, Concreto,
chegou a ser profético numa história, ao ponderar a seus amigos sobre os
perigos dos acidentes com petroleiros em alto mar, citando explicitamente a
Exxon. Dias após a publicação dessa história, o petroleiro Exxon Valdez poluiu
a costa do Alasca. E até o Príncipe Submarino, Namor, em sua fase idealizada
por John Byrne, tornou-se um empresário que dedica seu tempo a comprar
indústrias poluidoras. Mais recentemente, a Editora Abril colocou no mercado
uma revista em quadrinhos para as meninas: Barbie, onde o ponto alto, além da
moda, é o movimento ecológico. Frank Miller em sua obra Give Me Liberty
questionou a respeito do futuro da Floresta Amazônica.
No Brasil, a Brasiliense vem lançando a
importante coleção Ecologia em Quadrinhos. O terceiro volume enfocou o tema
Amazônia. A autora é uma jovem advogada, que começou fazendo tiras nos jornais
de São Paulo. Dotada de grande talento, senso de humor original e texto de
primeira, Cláudia Lévay fez um trabalho de fundamento científico na base das
aventuras do jacaré-tinga Jorge Ginga e do papagaio urbano Eurico. Os dois
embrenham-se nos mistérios da Floresta Amazônica, e juntos explicam o
funcionamento do maior ecossistema florestal do mundo. É visível a qualidade literária
do texto. “Tanto uma criança quando um ativista verde podem utilizar este livro de linguagem simples
e acessível, tal o rigor de seus dados científicos básicos”, escreveu no
prefácio o professor e jornalista Alvaro de Moya.
A obra despertou interesse da Organização
Mundial da Saúde, na Suíça, e a Brasiliense lança, dentro da mesma coleção e da
mesma autora, Pantanal, Mata Atlântica e outros. Um importante trabalho na luta
pela relação do homem e seu meio. Maurício de Sousa, autor da Mônica e sua turma
(Cebolinha, Magali, Tina, Cascão dentre outros), considerado o Walt Disney
brasileiro pelo alto índice de vendagem e tiragem de seus gibis, sempre se
preocupou com a flora e a fauna. Seus personagens Papa Capim, Chico Bento e
Horácio, dentre outros, discutem a questão do meio ambiente. Em 1990, a
Superintendência Estadual de Rios e Lagos, distribuiu em todas as escolas do
Rio de Janeiro, 30 mil exemplares da cartilha A Turma do Pererê, de Ziraldo,
esclarecendo que jogar lixo no rio polui e entope o curso d´água; que o
desmatamento, além de provocar deslizamentos, encher o rio de lama, e que não
se deve construir nada nas margens do rio.
Na Bahia, há mais de 20 anos, o cartunista
Paulo Serra vem divulgando o seu personagem Mero na luta ecológica. Mero surgiu
para criticar e alertar sobre a devastação do meio ambiente. “Mero – diz o
autor – nasceu em plena metrópole paulista, de uma rachadura de parede, um ser
de forma arqueada e corcunda que, passado para o papel, ganhou uma cabeça com
quatro pontas, em forma de coroa, óculos redondos, terno e gravata, estereotipo
de um cidadão urbano. Com o desenrolar de suas atitudes, sempre dosadas de
forte cunho ecológico, recebeu o nome de Mero, que, como substantivo, quer
dizer piche e, como adjetivo, puro, simples, genuíno, sem mistura. Portanto,
achei este adjetivo ideal, pois o tema natureza sugere pureza e simplicidade”.
Filiado, hoje ao grupo ecológico Germen, Paulo Serra vem trabalhando durante
todos esses anos em favor da causa ecológica.
Também o baiano Cedraz, criador de Joinha,
Pipoca, Birita, Turma do Xaxado e muitos outros desde os anos 1970 discutia a
questão ecológica e seus quadrinhos. Assim, todos esses personagens como Homem
Animal, Monstro do Pântano, Orquidea Negra, Jorge Ginga, Chico Bento e Mero,
cada um a seu modo, fazer parte da preservação da natureza. Seria bom que essa
consciência ecológica pudesse passar das páginas dos gibis para a realidade.
Mas é um passo. Sonho também se torna realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário