05 junho 2020

Ecologia é a heroína dos quadrinhos*


*(Artigo publicado no jornal A Tarde, Caderno2, página 1, 09/06/1992 por Gutemberg Cruz)



Uma coleção em quadrinhos de seis álbuns coloridos com aventuras de Jacques Cousteau está à disposição dos amantes da ecologia. A série foi lançada em 1985 pela Editora Robert Laffont, de Paris, e agora (1992) chega às livrarias brasileiras publicadas pela Siciliano. Os argumentos e desenhos são de Dominique Sérafini, que não apenas imaginou aventuras envolvendo a equipe do oceanógrafo francês Jacques Yves Cousteau. Sérafini participou delas. O realismo dos seus desenhos e a riqueza dos detalhes transportam facilmente o leitor para a aventura, como se fizesse parte da equipe Cousteau. Na aventura O Boto Cor de Rosa da Amazonia, Sérafin conta a saga do barco Calypso no Rio Amazonas. O boto cor de rosa é uma espécie em extinção, e o álbum adota uma posição preservacionista. A equipe teve que se virar em busca de ilustrações já perdidas, como astecas, fenícios e maias, pra contar a saga da Atlântida.




Lutar pela proteção do “planeta azul” e contra as ameaças que as atividades humanas fazem pesar sobre ele são os objetivos fundamentais da equipe Cousteau. Há anos, os homens do Calypso vêm vivendo mil aventuras, tais como cavalgar baleias, identificar tubarões, filmar jacarés, brincar com polvos e enguias, explorar ruínas, encontrar vestígios das civilizações submersas. Tudo está registrado na série que começa com A Ilha dos Tubarões e vai até A Onda de Fogo, passando no caminho por Leões do Calypso, O Boto Cor de Rosa da Amazonia, O Mistério da Atlântida e A Selva de Coral.




ECOLOGIA



A questão ecológica já frequenta as páginas das histórias em quadrinhos desde o início de 1980, década que marcou a ascensão dos quadrinhos adultos. Muitos autores se preocupam com o meio ambiente e discutem em suas obras a melhor maneira de como a civilização pode continuar a viver, sem que, para isso, a natureza deixe de existir. Com a onda verde que atingiu os meios de comunicação, a ecologia entrou com mais força nos gibis. Basta lembrar o Monstro do Pântano, Homem Animal, Orquidea Negra, o caipira Chico Bento, o baiano Mero, dentre outros.




Um personagem obscuro e com poucas histórias publicadas nos anos 1960 surgiu através dos traços de Carmine Infantino. Trata-se do Homem Animal, cujo poder era a capacidade de absorver as características de animais que estivessem por perto. A partir de 1988, o argumentista inglês Grant Morrison iniciou a sua versão do herói e, em pouco tempo, a revista Animal Man passou a ser uma das mais elogiadas pela crítica e público. Motivo: as histórias têm sido a sua aproximação real com os animais, não apenas para extrair poderes, mas para sentir o que eles sentem. A partir daí, Morrison humaniza os animais que aparecem nas histórias: um golfinho relata ao impressionado herói como foi a festa anual da matança de uma aldeia de pesadores; a agonia de um chipanzé aidético e estágio terminal, propositadamente contaminado pelo homem. O Homem Animal se envolveu tanto com as causas ecológicas que, ao chegar em casa e encontrar a geladeira cheia de pedaços de amigos seus, virou vegetariano. O enredo é consistente, e os desenhos de Chas Troug e Doug Hazlewood, bem estruturados.




VEGETAL



A febre verde continuou ainda pelas mãos de outro inglês. Desta vez, Alan Moore, que utilizou o Monstro do Pântano, a criatura idealizada por Len Wein e Bernie Wrightson como uma mutação humana em contato com produtos químicos e a vida dos pântanos do Sul dos EUA. Para ele, o Monstro do Pântano não era uma aberração e sim um vegetal capaz de pensar e, como tal, sentir o sofrimento das plantas, infligido pelo homem. Moore começou a revitalizar o personagem em 1983 e criou o Parlamento das Árvores.




Outra personagem dos anos 1970 que foi revisitada nos aos 1980, a Orquídea Negra, ressurge como a mais rara das flores. Na verdade, ela é um ser híbrido, que necessita das mesmas condições que uma planta precisa para sobreviver. Mas ela não é uma planta...Nem uma mulher. A Orquídea Negra é um enigma de rara beleza e poesia. O autor dessa nova origem é o escritor inglês Neil Gaiman, junto com o desenhista Dave Mckrean, que usou uma técnica mista de tinta e óleo com tinta spray para carros e filtros de tecido sobre aquarelas. Em cada imagem sequenciada, a fusão do expressionismo figurativo e abstrato com o impressionismo numa atmosfera de sonho, imaginação, memória.



O personagem de Paul Chadwick, Concreto, chegou a ser profético numa história, ao ponderar a seus amigos sobre os perigos dos acidentes com petroleiros em alto mar, citando explicitamente a Exxon. Dias após a publicação dessa história, o petroleiro Exxon Valdez poluiu a costa do Alasca. E até o Príncipe Submarino, Namor, em sua fase idealizada por John Byrne, tornou-se um empresário que dedica seu tempo a comprar indústrias poluidoras. Mais recentemente, a Editora Abril colocou no mercado uma revista em quadrinhos para as meninas: Barbie, onde o ponto alto, além da moda, é o movimento ecológico. Frank Miller em sua obra Give Me Liberty questionou a respeito do futuro da Floresta Amazônica.



AMAZÔNIA



No Brasil, a Brasiliense vem lançando a importante coleção Ecologia em Quadrinhos. O terceiro volume enfocou o tema Amazônia. A autora é uma jovem advogada, que começou fazendo tiras nos jornais de São Paulo. Dotada de grande talento, senso de humor original e texto de primeira, Cláudia Lévay fez um trabalho de fundamento científico na base das aventuras do jacaré-tinga Jorge Ginga e do papagaio urbano Eurico. Os dois embrenham-se nos mistérios da Floresta Amazônica, e juntos explicam o funcionamento do maior ecossistema florestal do mundo. É visível a qualidade literária do texto. “Tanto uma criança quando um ativista verde  podem utilizar este livro de linguagem simples e acessível, tal o rigor de seus dados científicos básicos”, escreveu no prefácio o professor e jornalista Alvaro de Moya.



A obra despertou interesse da Organização Mundial da Saúde, na Suíça, e a Brasiliense lança, dentro da mesma coleção e da mesma autora, Pantanal, Mata Atlântica e outros. Um importante trabalho na luta pela relação do homem e seu meio. Maurício de Sousa, autor da Mônica e sua turma (Cebolinha, Magali, Tina, Cascão dentre outros), considerado o Walt Disney brasileiro pelo alto índice de vendagem e tiragem de seus gibis, sempre se preocupou com a flora e a fauna. Seus personagens Papa Capim, Chico Bento e Horácio, dentre outros, discutem a questão do meio ambiente. Em 1990, a Superintendência Estadual de Rios e Lagos, distribuiu em todas as escolas do Rio de Janeiro, 30 mil exemplares da cartilha A Turma do Pererê, de Ziraldo, esclarecendo que jogar lixo no rio polui e entope o curso d´água; que o desmatamento, além de provocar deslizamentos, encher o rio de lama, e que não se deve construir nada nas margens do rio.





Na Bahia, há mais de 20 anos, o cartunista Paulo Serra vem divulgando o seu personagem Mero na luta ecológica. Mero surgiu para criticar e alertar sobre a devastação do meio ambiente. “Mero – diz o autor – nasceu em plena metrópole paulista, de uma rachadura de parede, um ser de forma arqueada e corcunda que, passado para o papel, ganhou uma cabeça com quatro pontas, em forma de coroa, óculos redondos, terno e gravata, estereotipo de um cidadão urbano. Com o desenrolar de suas atitudes, sempre dosadas de forte cunho ecológico, recebeu o nome de Mero, que, como substantivo, quer dizer piche e, como adjetivo, puro, simples, genuíno, sem mistura. Portanto, achei este adjetivo ideal, pois o tema natureza sugere pureza e simplicidade”. Filiado, hoje ao grupo ecológico Germen, Paulo Serra vem trabalhando durante todos esses anos em favor da causa ecológica.




Também o baiano Cedraz, criador de Joinha, Pipoca, Birita, Turma do Xaxado e muitos outros desde os anos 1970 discutia a questão ecológica e seus quadrinhos. Assim, todos esses personagens como Homem Animal, Monstro do Pântano, Orquidea Negra, Jorge Ginga, Chico Bento e Mero, cada um a seu modo, fazer parte da preservação da natureza. Seria bom que essa consciência ecológica pudesse passar das páginas dos gibis para a realidade. Mas é um passo. Sonho também se torna realidade.


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