02 setembro 2019

Jardim dos sonhos


Ele nasceu em um jardim sentindo o cheiro das flores e o vento que acariciava sua pele, ouvindo os sons das folhas balançarem com o sopro dos ventos e aquela profusão de cores ao seu redor. O jardim era o seu mundo. E assim ele cresceu acreditando existir um jardim em seu corpo e, a cada atividade, procurava recuperar o jardim perdido seja em seu bairro ou mesma na cidade vizinha.



Seu amor por jardim era tanto que ele se tornou jardineiro. E com grande eficácia conseguia prazer no que fazia. Cuidar das plantas. Naquele pequeno pedaço verde de terra ele operava o milagre de fazer com que a vida ressurgisse com beleza. Era um trabalho detalhista, de amor à natureza. Sua vida era um jardim, pois ele respirava o verde das árvores, o perfume das flores e carregava dentro de si um jardim de delícias, um jardim de sonhos.




Todos que passavam pelo local não conseguiam enxergar o jardineiro, e sim o jardim com toda beleza. Durante os últimos 20 anos ele fazia sempre a mesma coisa com um sorriso enorme no rosto. Sua voz era suave quando falava com as flores e sentia que suas palavras estavam sendo ouvidas. O cuidado que tinha com o jardim era visível a todos.

 

Enquanto para muitos aquele trabalho deveria ser um tédio, para ele era uma excitação. Ele nunca desprezava a repetição e, ao atingir seu acorde final tão logo tenha conseguido cuidar de cada canto do jardim, a beleza se fazia surgir. E a cada vez que ele repetia o cuidado com as plantas, cada vez mais era de uma forma diferente. Cada repetição é uma ressurreição, um eterno retorno de uma experiência passada que parecia nova em folha.




A vida humana, mesmo nos momentos de maior tragédia, é uma luta pela beleza e a beleza exige a repetição. Uma vez só não basta. É como o Bolero de Ravel. Há um único tema ao longo de todo o Bolero, e a ideia em espiral. Cada volta na espiral é a mesma coisa e é outra coisa. Assim é a vida do jardineiro. Afinal o sol nasce e morre a cada dia e essa beleza é diferente a cada renascer.




Assim é o jardineiro, a cada repetição a beleza renasce nova e fresca como a água que borbulha na mina. E, a cada dia, a cada momento ele passa a cuidar com minúncia do seu jardim, desenvolvendo essa repetição e modificando, transpondo esse acontecimento fortuito para fazer disso um instante de beleza, de prazer. O cuidar das coisas belas. E ele saber de cor onde estava cada plantinha e mesmo que tudo aquilo desaparecesse ele seria capaz de recriá-lo, porque todas as árvores, folhas, flores e raízes estavam formado em seu corpo. A essência do jardim estava dentro dele. A beleza que ele via no jardim era a beleza que morava em seu corpo.




Até que um dia, ao passar por um local nunca antes visto, ele deparou-se com o deserto e, procurou desesperadamente um jardim. Ele sabe que o deserto era belo porque, em algum lugar, esconde um jardim. Mas sua procura foi em vão, no deserto não havia jardim. E o jardineiro que inconscientemente compôs sua vida segundo as leis da beleza da natureza, nesse instante do mais profundo desespero ele entristeceu e sentou em uma pedra que havia no local. Ficou até por horas, dias, semanas até que desapareceu feito pó. O vento então soprou o pó pela terra deserta e com a chegada da chuva, com o tempo, o milagre do pó do jardineiro ressurgiu em folhas verdes e, meses depois, aquele deserto transformou-se em um belo jardim, onde a vida fez amor com a beleza. No jardim seu trabalho se realizou. No jardim ele encontrou o prazer e descansa. Pura contemplação.

Um comentário:

Unknown disse...

Belo texto! Quem é o autor?