Ele nasceu em um jardim sentindo o cheiro
das flores e o vento que acariciava sua pele, ouvindo os sons das folhas
balançarem com o sopro dos ventos e aquela profusão de cores ao seu redor. O
jardim era o seu mundo. E assim ele cresceu acreditando existir um jardim em
seu corpo e, a cada atividade, procurava recuperar o jardim perdido seja em seu
bairro ou mesma na cidade vizinha.
Seu amor por jardim era tanto que ele se
tornou jardineiro. E com grande eficácia conseguia prazer no que fazia. Cuidar
das plantas. Naquele pequeno pedaço verde de terra ele operava o milagre de
fazer com que a vida ressurgisse com beleza. Era um trabalho detalhista, de
amor à natureza. Sua vida era um jardim, pois ele respirava o verde das
árvores, o perfume das flores e carregava dentro de si um jardim de delícias,
um jardim de sonhos.
Todos que passavam pelo local não
conseguiam enxergar o jardineiro, e sim o jardim com toda beleza. Durante os
últimos 20 anos ele fazia sempre a mesma coisa com um sorriso enorme no rosto.
Sua voz era suave quando falava com as flores e sentia que suas palavras
estavam sendo ouvidas. O cuidado que tinha com o jardim era visível a todos.
Enquanto para muitos aquele trabalho
deveria ser um tédio, para ele era uma excitação. Ele nunca desprezava a
repetição e, ao atingir seu acorde final tão logo tenha conseguido cuidar de
cada canto do jardim, a beleza se fazia surgir. E a cada vez que ele repetia o
cuidado com as plantas, cada vez mais era de uma forma diferente. Cada
repetição é uma ressurreição, um eterno retorno de uma experiência passada que
parecia nova em folha.
A vida humana, mesmo nos momentos de maior
tragédia, é uma luta pela beleza e a beleza exige a repetição. Uma vez só não
basta. É como o Bolero de Ravel. Há um único tema ao longo de todo o Bolero, e
a ideia em espiral. Cada volta na espiral é a mesma coisa e é outra coisa.
Assim é a vida do jardineiro. Afinal o sol nasce e morre a cada dia e essa
beleza é diferente a cada renascer.
Assim é o jardineiro, a cada repetição a
beleza renasce nova e fresca como a água que borbulha na mina. E, a cada dia, a
cada momento ele passa a cuidar com minúncia do seu jardim, desenvolvendo essa
repetição e modificando, transpondo esse acontecimento fortuito para fazer
disso um instante de beleza, de prazer. O cuidar das coisas belas. E ele saber
de cor onde estava cada plantinha e mesmo que tudo aquilo desaparecesse ele
seria capaz de recriá-lo, porque todas as árvores, folhas, flores e raízes estavam
formado em seu corpo. A essência do jardim estava dentro dele. A beleza que ele
via no jardim era a beleza que morava em seu corpo.
Até que um dia, ao passar por um local
nunca antes visto, ele deparou-se com o deserto e, procurou desesperadamente um
jardim. Ele sabe que o deserto era belo porque, em algum lugar, esconde um
jardim. Mas sua procura foi em vão, no deserto não havia jardim. E o jardineiro
que inconscientemente compôs sua vida segundo as leis da beleza da natureza,
nesse instante do mais profundo desespero ele entristeceu e sentou em uma pedra
que havia no local. Ficou até por horas, dias, semanas até que desapareceu
feito pó. O vento então soprou o pó pela terra deserta e com a chegada da
chuva, com o tempo, o milagre do pó do jardineiro ressurgiu em folhas verdes e,
meses depois, aquele deserto transformou-se em um belo jardim, onde a vida fez
amor com a beleza. No jardim seu trabalho se realizou. No jardim ele encontrou
o prazer e descansa. Pura contemplação.
Um comentário:
Belo texto! Quem é o autor?
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