07 setembro 2019

Cedraz continua em nossa lembrança


No dia 11 de setembro de 2014 (há cinco anos) morria o desenhista Antônio Cedraz. Ele faleceu vitima de câncer. Na época ele diversas homenagens quando vivo. A Biblioteca Monteiro Lobato, no bairro de Nazaré abriu uma sala com seu nome. A RV Cultura e Arte montou uma exposição onde diversos desenhistas homenagearam as personagens de Cedraz. Ele também recebeu a honraria de uma universidade como mestre de quadrinhos. Em maio gravamos um documentário em sua casa em Brotas sobre sua trajetória. Em 2015 a Flica homenageou o quadrinista.




Cedraz vinha publicando ininterruptamente no jornal A Tarde as tiras A Turma do Xaxado. “Tudo começou em 1998, quando Sérgio Mattos editor do caderno Municípios, do jornal A Tarde pediu-me para fazer algumas histórias com um personagem interiorano. Levei algumas tiras de Xaxado, imediatamente aceitas e publicadas duas vezes por semana. Logo depois, o personagem migrou para a seção de quadrinhos do jornal e passou a ser publicado diariamente. Depois, vieram cartões telefônicos, revistas em quadrinhos, revistas de atividades, exposições, seis troféus HQ Mix e mais de duas dezenas de livros publicados. Muitas outras surpresas estão por vir”, conta Cedraz na apresentação da obra.




“A Turma do Xaxado mergulha sobre as lendas e sobre a dura realidade do sertão, sem descuidar da crítica social, e produz um resultado tão eclético que às vezes é difícil precisar a que faixa etária se destinam as histórias. Xaxado agrada igualmente a criança e o adulto. Diverte, ensina e chama à reflexão. Num mercado editorial saturado de criaturas super-qualquer-coisa, que só falam inglês, é um colírio encontrar uma publicação que fale de nossas raízes e dá voz aos que passam por inaceitáveis desamparo em pleno século XXI”, informa Cláudio Oliveira, mestre em Letras que defendeu dissertação sobre A Turma do Xaxado. Nesse livro tem ainda uma apresentação dos personagens em forma de cordel, feitas por Antonio Barreto.



A simplicidade e originalidade do autor em muito se assemelha aos seus personagens, seja ele Xaxado (o líder da turma, neto de cangaceiro), Zé Pequeno (o preguiçoso), Marieta (sabe-tudo da turminha), Arturzinho (filho de fazendeiro abastado), Seu Enoque e Dona Fulo (pais de Xaxado), entre outros. Eles dão vida, humor e significado também a cultura baiana.




Num mercado restrito que é o do grafismo no Brasil, onde há descrença que quadrinho nacional não vende, na Bahia pior ainda. Aqui não temos editoras para publicar as criações dos artistas locais. Nos anos 70 fundei com alguns amigos o Clube da Editora Juvenil, mais tarde conhecido como Centro de Pesquisa e Comunicação de Massa. Na época publicávamos o fanzine Na Era dos Quadrinhos com estudos e pesquisas sobre quadrinhos, charges, caricaturas, desenhos de humor. Mais tarde essas pesquisas foram publicadas semanalmente na grande imprensa. Mas era pouco para ajudar os artistas gráficos.



Resolvemos realizar exposições em escolas, galerias de artes e shoppings seguindo de palestras para acentuar mais os trabalhos de nossos artistas. E finalmente quando passei a editar os cadernos de cultura da imprensa baiana resolvi abrir espaço para as tiras da Bahia. Essa valorização foi seguida por outros jornais. Na época muitos jovens só se interessavam em criar personagens super poderosos, voadores, super heróis imitações dos norte americanos.




Mas havia um grupo que se destacava para outras criatividades. Nildão, Setúbal, Lage, Cedraz, Dílson Midlej, Aps entre outros estavam nessa leva de criadores. Com o tempo fui me afastando dos quadrinhos (depois de publicar dois livros sobre o assunto) e fui me dedicar em outras artes (cinema, literatura, poesia, música, artes plásticas), mas sempre procurava me atualizar com os quadrinhos.



Cedraz seguiu no foco dos quadrinhos infantis – era uma paixão que ele não deixaria nunca. Saindo do pequeno município de Miguel Calmon, passando por Jacobina até chegar em Salvador ele passou por diversos obstáculos, muitas barreiras, mas sempre com fé naquilo que fazia. E isso é notável em sua trajetória. Um guerreiro, nada desanimava o rapaz, por mais que as portas se fechavam para ele, outra se abria. Seus quadrinhos começaram a ter maior visibilidade quando ele partiu para divulgar no interior do estado, depois em outras localidades. Um de seus livros, Turma do Xaxado – Volume 2, foi incluído no Programa Nacional Biblioteca na Escola onde o governo federal distribuiu nas escolas dos ensinos fundamental e médio.




O criador da Turma do Xaxado, Zé Bola, Joinha e tantos outros personagens foi um desbravador de sonhos. Antônio Luis Ramos Cedraz foi o quadrinista mais conhecido da Bahia, nosso porto seguro, nossa identidade deste mundo globalizado. Com ele nunca vamos perder nossas raízes, pois ele fala a língua de sua gente simples e humilde. Ele estava no mercado há mais de 40 anos, sempre batalhando, lutando para abrir espaço para os quadrinhos nacionais, mas com muita humildade. Nunca desistiu da luta, mesmo que batalhasse com dificuldades e enfrentando o todo poderoso syndicate norte americano.




Da simplicidade do traço à criatividade da narrativa, Xaxado retrata a vida rural com todas as suas lendas e mistérios. São aventuras de um garoto, neto de um famoso cangaceiro que vivia com o bando de Lampião, às voltas com problemas do dia a dia, junto com seus pais e amigos.



A Turma do Xaxado reúne personagens tipicamente brasileiros e já recebeu diversos prêmios. Todo o trabalho tem um bom acabamento visual das personagens, com precisão no traço e originalidade temática. Através de um enredo fluente, falando de um cotidiano em que se misturam o real e o simbólico, o objetivo e o subjetivo, o autor constrói uma atmosfera da qual é difícil ficar alheio. Através de Xaxado penetramos no universo gráfico de Cedraz, o imaginário infantil cria asas e viaja na mente de todos nós.

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