17 março 2010

Juarez Paraíso, um inovador (2)

No dia 20/11/2008 a jornalista Clediana Ramos escrevia no jornal A Tarde na série Mestres da memória: Salvador, às vezes nem percebe, mas respira arte herdada da África. São composições vindas diretamente desta fonte – afinal a cidade foi o maior porto dos povos africanos escravizados no Brasil. Tem também a eternizada no trabalho de artistas que se inspiram nas características próprias desta cultura como cores e formas. A beleza que pode ser contemplada em museus, praças ou mercados como o Modelo é resultado de uma história de resistência, afinal a referência sobreviveu a partir da memória. Imagine, por exemplo, alguém que era arrancado abruptamente do que lhe dava localização no mundo – língua, família e nacionalidade – para ser obrigado a trabalhar de forma escrava em uma terra estranha.


Foram estes povos aqui chamados de angolas, congos, cabindas, jeje, ijexá, ashantis, nagôs e tantos outros nomes que deixaram reminiscências de suas culturas. A memória delas foi mantida por seus descendentes. Gente como Juarez Paraíso, um dos mais conhecidos dos artistas plásticos baianos que ao ser inquirido sobre as referências afro-brasileiras na sua obra, começa a resposta pela história do seu pai Isaltino Paraíso que saiu de Arapiranga, parte do município de Rio das Contas para estudar na Escola Normal na capital da Bahia.


O sonho de Isaltino era virar professor, o que conseguiu. Mas para chegar lá teve que suportar obstáculos como a ironia de um professor que o chamava de “Isaltina”, pois homem e negro na sala só havia ele. Pois Isaltino voltou com diploma e mais tarde conquistou o amor de Eulália Martins Alves Paraíso, branca e de uma família da elite local. Dono de um espírito libertário teve que deixar a direção da escola para não ser preso. Veio então para Salvador batalhar. “Meus pais foram a representação do que acho que é a arma para se combater o racismo: a união. No caso deles, o amor triunfou sobre tudo”.


Batalha - E assim vai desfiando sua história um artista de vanguarda, como foram tantos dos afro-brasileiros, que colocaram em sua arte, de forma inconsciente ou no sentido da denúncia, dores e aprendizado como o de compreender e conviver com o outro que pensa diferente. Lição que Juarez aprendeu bem em casa, mas o artista acabou vítima do desrespeito. Parte da sua obra sucumbiu diante da intolerância religiosa. Era de Juarez Paraíso os mosaicos que retratavam o nascimento de Oxumarê, instalados nos antigos cinemas Arte I e II, que ficavam no Politeama. Os painéis foram destruídos a marretadas, em 2000, quando a Igreja Renascer em Cristo comprou o espaço. Além da destruição, picharam por cima dos destroços “Deus é Fiel”.


O artista perdeu outros painéis em situações parecidas. Um ficava no Cine Tupi e foi destruído quando a multinacional CIC comprou o espaço. Um mural de 40 metros quadrados de sua autoria ruiu quando a Igreja Universal comprou o Cine Bahia, que ficava na Carlos Gomes. No caso das obras que estavam nos cines Art I e II, Juarez foi à Justiça.


“O que mais doeu é que o painel era desmontável. Era só pedir que eu tirava”, diz Juarez que ganhou uma indenização de 170 salários mínimos, numa busca de reparação simbólica, pois não há como se reconstruir algo nascido em um determinado contexto da sensibilidade artística. “Eles ainda afirmaram durante o processo como justificativa que o cinema não era o Vaticano nem Juarez Paraíso é Leonardo Da Vinci”, relata. O seu depoimento dá bem uma mostra de como a arte de inspiração africana foi entendida do outro lado do mundo. Num primeiro momento era “selvagem”, “primitiva”, pois não seguia os mesmos padrões da européia.


“A produção artística africana era julgada com os olhos da estética europeia que era centrada na representação. Já uma máscara africana, por exemplo, está mais interessada na expressão e não na semelhança do rosto humano por exemplo”, explica o mestre em designer e doutorando em história social, Jaime Sodré. O julgamento depreciativo demorou para acabar. O processo de colonização na África negra começou por volta do século XVI, mas foi a partir da obra de Pablo Picasso, já no século XX, que a arte africana ganhou outro status. Isto porque um dos mais geniais artistas modernos buscou inspiração nas formas e cores do fazer africano.


Ao beber na cultura da África, Picasso a “legitimou” aos olhos ocidentais. “Ele vê na arte africana uma outra estética. Ela é uma arte que trabalha com a geometria e não apenas aquilo que se vê. É uma arte libertária”, analisa Sodré. E este componente libertário se ramificou nas mais variadas direções.


No Brasil e na Bahia a mão destes artistas descendentes de africanos produziu do clássico ao que se pode chamar de moderno. Mesmo que em alguns casos, não tenham utilizado claramente esta influência eles estão entre aqueles que construíram o patrimônio artístico brasileiro. Aleijadinho, Mestre Valentim, Teófilo de Jesus, Leandro Joaquim, dentre outros vão ser seguidos por mestres da contemporaneidade como Rubem Valentim, Hélio de Oliveira, Iedamaria, Emanoel Araújo, Agnaldo Manoel dos Santos, Mestre Didi, Caribé, Juarez Paraíso além dos que não estão listados nos livros, mas se espalham pelos vários cantos da Bahia, mantendo viva uma ligação antiga, mas ao mesmo tempo renovada.

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2 comentários:

Val disse...

Essa litografia dele eh fantastica!

Gutemberg disse...

Juarez é um artista que precisa ser mais divulgado entre nós.