20 agosto 2009

Tango, um sentimento triste que se baila (2)

Outro grande nome do tango argentino, contemporâneo de Gardel, foi Astor Piazzolla. Sua música encontrou resistência nas tradicionais famílias argentinas, mas representava a evolução de um ritmo que transcendeu os limites do popular para incorporar o erudito. Compositores europeus como Stravinski e Milhaud utilizavam elementos do tango em suas obras sinfônicas. A partir daí o tango começa a sofrer tentativas de renovação. Entre os representantes dessa tendência figuram Mariano Mores e Aníbal Troilo e, sobretudo, Astor Piazzolla que rompeu decididamente com os moldes clássicos do tango, dando-lhe tratamento harmônicos e rítmicos modernos. E o tango (como o samba, no Brasil) tornou-se símbolo nacional com forte apelo turístico. Casas de tango e o culto aos nomes famosos de Gardel e Juan de Dios Filiberto perpetuaram o gênero.


Com a invasão do rock and roll americano as danças de salão passaram a ser praticadas apenas por grupos de amantes e o tango passou a ser substituído por outros ritmos estrangeiros. Com o desinteresse comercial das gravadoras, poucos grandes tangos foram compostos. Muitos críticos musicais lembram quem o tango é irmão do fado. Os dois nasceram em meios difíceis, onde os homens se refugiam para esconder a solidão. Os dois gêneros abordam essa realidade. O tango nasceu na cidade portuária de Buenos Aires, nos bordéis e bares, assim como o fado em Portugal.

O tango inspirou grandes obras de diversos artistas em diferentes meios artísticos, seja no cinema, na moda, nos quadrinhos, na literatura, no teatro e nas artes plásticas. O tango tem sido uma inspiração para os filmes desde a invenção do cinema. Como a cena de tango interpretada por Rudolph Valentino no filme “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”. “Tango”, de Carlos Saura é imperdível. A música e a dança aparecem também no filme de James Cameron, “True Lies” com Arnold Schwarzenegger e Jamie Lee Curtis. E a famosa dança de Al Pacino em “Perfume de Mulher”. Não se pode esquecer o clássico “Último Tango em Paris”, com Marlon Brando e Maria Schneider, do cineasta Bernardo Bertolucci. Muitos outros filmes, através dos anos, apresentaram o tango, além dos musicais “Chicago”, “Rent” (Os Boêmios) e “Moulin Rouge”.

Nas histórias em quadrinhos o tema que me vem à lembrança é a imortal criação do italiano Hugo Pratt, Corto Maltese que atravessa meio mundo para procurar velhos amigos na Argentina ("Tango Argentino"), mas tem diversas obras que aborda o assunto. Por sua forte sensualidade, o tango que foi, a princípio, considerado impróprio a ambientes familiares, mais tarde o ritmo herdou algumas características de outras danças de casais como as corridas e quebradas da habanera, mas aproximou-se mais o par e acrescentou grande variedade de passos. Os dançarinos mais exímios compraziam-se em combiná-los e inventar outros, numa demonstração de criatividade.

Da ancestral e complexa relação entre os seres humanos, fora dos ambientes populares e dos prostíbulos (onde imperava nos subúrbios), o tango perdeu um pouco da lendária habilidade dos bailarinos. Admitido nos salões, abdicou das coreografias mais extravagantes e evitou posturas sugestivas de uma intimidade considerada indecente, numa adaptação ao novo ambiente. A entrada da mulher na dança acrescentou vida, beleza e sensualidade no baile.

A dança é um ritual. Os dançarinos, impassíveis estão sempre sérios e com o olhar fixo. Em nenhuma dança o olhar desempenha um papel tão importante quanto o tango. As pernas são fundamentais, cruzam e entrecruzam em movimentos rápidos e o movimento do corpo é dramático. Assim, o tango é o grande protagonista cultural da vida da cidade, e talvez a maior contribuição de Buenos Aires à cultura popular universal. Não é só música ou dança, o tango é uma maneira trágica de viver. Um sentimento triste que se baila.


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