Entre 2004 e 2015 a cartunista Laerte
publicou em tiras o Manual do Minotauro. Esta série foi reunida numa coletânea
com mais de 1500 trabalhos que marcam uma fase mais experimental e livre da
artista, sem personagens fixos. A publicação é da Companhia das Letras. O
estilo da narrativa e o desenho se mantiveram intactos: conciso, linhas bem
definidas e um texto econômico, direto.
Com mais de três décadas de cartunismo Laerte
era uma das profissionais mais festejadas do Brasil quando decidiu reinventar
tudo. A partir de 2004, sua tira Piratas do Tietê abandonou os personagens
recorrentes e os arremates cômicos para explorar o espaço daqueles três, quatro
quadrinhos com uma mistura de filosofia, metafísica, poesia, poucas certezas e
muitas dúvidas. Piratas virou o Manual do Minotauro e o leitor entrou, junto a
Laerte, no labirinto do ser mitológico.
Para Laerte, “o humor é uma linguagem
poderosa, com a qual me identifico. Mas vejo a comicidade - a busca específica da risada - como uma espécie de subdistrito do humor.
Muitas pessoas trabalham com personagens e gags, eu as acompanho e com elas me
divirto muito. Mas meu caso não estava mais funcionando. Inaugurei então uma
produção diferente”.
O jeito convencional de produzir tiras com
personagens regulares e um desfecho cômico inesperado, começou a ser repensado
pela cartunista. Foi quando ela começou a amadurecer a guinada de rumo que iria
dar anos depois. Em 2003 produziu uma série de tiras abordando para onde teria
ido o humor. Sem personagem fixo. Mas com humor. A partir de 2005 as tiras de
Laerte tende, a ter liberdades temática, estética e estrutural, ausência de
personagens e situações fixas, experimentação gráfica. O desenho é o mesmo,
exato na economia. O jogo entre nanquim, cor, forma e quadros ainda é
referência de design. O texto continua enxuto, preciso. A narrativa é
claríssima. Mas ao mesmo tempo, algo vibra por baixo da aparente simplicidade.
A ausência de personagens regulares era
algo que já ocorria no Brasil. Laerte fazia isso na série Classificados,
publicadas na Folha de S.Paulo na segunda metade da década de 1990. Paulo
Caruso enveredou pelo mesmo caminho ainda antes, na década de 1980 com a série
Mil e uma Noites, no Jornal do Brasil. Em Violência Gratuita, publicada em
1994, Walmir Orlandeli, já utilizava o espaço de tiras de não possuir
personagens fixos, abrindo possibilidades de falar do que quiser.
O novo caminho de Laerte influenciou a
continuação de tiras mais descritivas de Caco Galhardo (Colirio), Marcello
Quintanilha estreou tiras Ensaio sobre a Bobeira, como um espaço de
experimentação. Na internet, Rafael Sica registrou casos de experimentação no
processo de criação de tiras em seu blog intitulado Ordinário. Ainda nas
páginas virtuais, Walmir Orlandeli deu início a série (SIC). José Aguiar é o
autor de Nada com Coisa Alguma, série publicada no jornal paranaense Gazeta do
Povo em 2011. Também circulou em mídias virtuais a tira H.E.I.T.O.R., de Heitor
Isoda.
Segundo Ramon Vitral, “a produção de
Laerte reúne os três elementos pelos quais mais me interesso em HQs nacionais:
subversão, experimentalismo e bom humor. Ela subverte expectativas e questiona
o status quo. Propõe e arrisca novas formas de uso da linguagem dos quadrinhos.
E diverte. Cumprir bem ao menos um desses quesitos já é digno de nota, e ela
consegue os três” (https://www.itaucultural.org.br/secoes/colunistas/laerte-sintetiza-melhor-hqs-nacionais).
Uma obra primorosa que deve ser curtida com gosto. Afinal, Laerte é a nossa
guia. Neste manual temos o privilégio de seguir o fio da evolução artística que
confirma sua carreira como uma das mais impressionantes nos quadrinhos não só
do Brasil, mas do mundo. Confira.
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